FT-CI

Eleições em El Salvador

O que significa a vitória do FMLN?

25/03/2009

O que significa a vitória do FMLN?

Em 15 de março aconteceram as eleições presidenciais em El Salvador , e como já se havia previsto, o ganhador foi a Frente Farabundo Martí para la Liberación Nacional (FLMN), que desde janeiro havia se convertido politicamente na principal força política do país, depois do triunfo nas eleições municipais e parlamentares. Segundo os últimos dados disponíveis, a canditadura de Maurício Funes- Salvador Sánchez Cerén obteve 51,3% dos votos, frente ã 48,7% obtido pela fórmula do ex- Comandante da Polícia Nacional, Rodrigo Ávila, candidato pela Alianza Republicana Nacionalista (ARENA).

Entre o desgaste de ARENA e as ilusões na FMLN

O triunfo da FMLN nas eleições municipais e parlamentares de janeiro, assim como nas nacionais de 15/03, demonstraram o profundo desgaste do ARENA frente ás massas trabalhadoras e empobrecidas salvadorenhas, que durante duas décadas só vêem suas condições de vida piorarem.

A FMNL conseguiu o triunfo presidencial no marco de sua completa adaptação ã institucionalidade burguesa, prometendo preservar a ordem econômica e social existente, assim como fazer algumas reformas para favorecer “As maiorias”.

As massas salvadorenhas tem sido tão golpeadas pelos distintos governos do ARENA nos últimos anos e suas esperanças depositadas na FMLN são tão profundas que uma vitória de Avila teria inclusive ameaçado a estabilidade de democracia burguesa salvadorenha.

Acontece que em meio a uma crise economica que promete ser turbulenta, a FMLN pode ser uma grande força de contenção, não apena em termos eleitorais, mas na dinâmica cotidiana da luta de classes. A FMLN tem se comportado como uma “válvula de escape” que tem canalizado boa parte do descontentamento. Dispõe de um aparato com muitos recursos econômicos e políticos com o qual tentará de alguma maneira disciplinar o movimento de massas em possíveis ações de luta (como greves ou mobilizações),e atuar na medida do possível como um freio, tentando canalizar o descontentamento popular frente as instituições. A FMNL chega ao governo com um programa burguês mas com um passado guerrilheiro e “popular”,que frente a um importante setor de massas salvadorenhas nesses momentos é decisivo para a “mudança”. É por isso que não é a mesma coisa que governe o ARENA ou a FMLN, com uma autoridade importante frente ás massas.

A FMLN governará para garantir a dominação dos capitalistas nacionais e do imperialismo

Muitos analistas “progressistas” alimentam a ilusão de que o governo da FMLN servirá aos interesses dos trabalhadores e dos setores populares salvadorenhos, apelando a seu passado guerrilheiro. Contudo, dias antes da eleição presidencial, Mauricio Funes afirmou: “Eu quero mais empresas (...) Quero que os pequenos sejam médios, que os médios sejam grandes e os grandes ainda maiores” (El Diario de Hoy, 11/0). Essa é uma mostra de que a FMLN não tocará nos interesses de nenhum empresário salvadorenho, mas que governará para os capitalistas, esses mesmos para os que por vinte anos governou o partido ARENA. Por isso, não é casualidade que, conhecida a notícia da vitória da fórmula da FMLN “o Presidente Saca e o ex-candidato Rodrigo Ávila lo felicitaron [a Funes] (…) e lhe corroboraram sua disposição para trabalhar pela reconstrução de um novo país”. Apenas dois dias antes das eleições, tanto Avila quanto Funes se reuniram com o encarregado de negócios da Embaixada dos Estados Unidos em El Salvador , Robert Blau, que expressou que seu país trabalharia “com quem resultasse ganhador das eleições”.

E que essa atitude dos EUA reflete que o imperialismo tem razões de peso para pensar que não há nada o que temer em El Salvador , essencialmente porque a FMLN não representa nenhum perigo para seus interesses, nem economicos nem geopolíticos, na região; mas sim que o ex-grupo guerrilheiro será uma garantia de estabilidade.

O governo da FMLN frente um novo cenário regional

Funes, inspirado na estabilidade burguesa alcançada pelo Brasil nos últimos anos de crescimento econômico, disse que é possível alcançar um modelo semelhante, que atue inclusive como um amortecedor da luta de classes na região, que cumpra um papel na integração burguesa centro-americana. Mas semelhantes aspirações se põe em xeque se analisamos o contexto econômico, marcado pela pior crise desde a II Guerra Mundial.

Mas não apenas por isso. Funes não pode repetir o exemplo de Lula, em primeiro lugar pela diferença estrutural entre um pequeno país como El Salvador e Brasil, um dos maiores países latino-americanos junto ao México; e em segundo porque a combinação de neoliberalismo e assistencialismo de Lula contou com a possibilidade de apoiar-se no PT e na CUT para conter o movimento operário.

Funes deu declarações claramente conciliatórias com os Estados Unidos, buscando se isolar de Chávez e alinhar-se atrás de Lula. Declarou ã publicação norte-americana The Nation que “não podemos repudiar o CAFTA (Tratando de Livre Comércio na América Central, NdeR) nem reverter a dolarização porque enviaremos uma mensagem negativa aos investidores estrangeiros, e enfrentaríamos sérios problemas porque não teríamos o investimento suficiente para estimular a economia nacional”.

No entanto, há analistas que assinalam que essa orientação mostra tensões no interior do FMLN. Jorge Castañeda, homem de confiança permanente do Departamento de Estado norte-americano e o ex-conselheiro do governo de Fox no México, assinala que a definição da “interna” cubana a favor do setor que denomina menos “talibã” (ou seja, mais propício a um entendimento com os EUA), que encarnaria Raúl Castro, havia deixado a FMLN sem norte: “Só que tudo isso, o aparato do FMLN em El Salvador ou ignora ou o resulta indiferente. Hoje, apesar da aparente modernidade e moderação de Mauricio Funes- o novo presidente-, o poder se encontra nas mãos de Sánchez Cerén e das forças militantes, castristas e chavistas, do FMLN. Os dirigentes históricos, brilhantes e modernos, do velho FMLN- Facundo Guardado, Joaquín Villalobos, Salvador Samayoa, Ana Guadalupe Martínez, Germán Cienfuegos- o abandonaram, tem sido abandonados pelos duros. Para todos os fins práticos, a vitória de Funes coloca seu país na coluna das nações de esquerda: junto com Cuba, Nicarágua, Equador, Bolívia e, claro, Venezuela. A radicalização centro-americana- que inclui as posturas errático demagógicas de Manuel Zelaya em Honduras- se aproxima perigosamente da fronteira mexicana, como se meu país não enfrentasse suficientes problemas próprios.

A cabeça de praia conquistada por Chávez e Ramiro Abreu em El Salvador não pode mais que preocupar o México, Washington e muitos outros” (El País, 18/3). Com o avanço do governo veremos se essas contradições efetivamente se manifestam e qual será o alinhamento correto do novo governo salvadorenho na política latino-americana, para além das intenções declaradas do presidente eleito. Com uma grande instabilidade política mundial e a pouca margem para concessões gerada pela crise internacional, é muito difícil que tenham êxito as tentativas de diversas burguesias latino-americanas por alinhar-se atrás do Brasil para desde aí negociar com os Estados Unidos e evitar “saídas extremas” para lidar com o movimento de massas, sejam pela direita (com uma entrega completa ao imperialismo, como foram os governos neoliberais dos 90, ou diretamente com bonapartismos reacionários impostos sobre a derrota das massas), ou pela esquerda (governos com elementos “bonapartistas sui generis de esquerda” como o de Chávez ou, mais ainda, os governos da entreguerra das décadas de 30 e de40 do século XX; ou frente-populistas, como o de Evo Morales).

Os efeitos da crise capitalista mundial em El Savador poderiam desgastar rapidamente a FMLN

Atualmente, a FMLN no parlamento não tem a maioria absoluta. Em nível municipal – apesar de ter a maioria das prefeituras - enfrenta-se coma força do ARENA em importantes setores do país, e em nível eleitoral, mais de um milhão de pessoas não o vêem como seu partido. Por isso, é previsível que se a FMLN não satisfaça as ilusões dessas massas que votaram nela para governo, estas poderiam experimentar um processo de desilusão e rechaço, que ao que tudo indica, poderia ser dinamizado pela crise capitalista mundial.

Acontece que, diferentemente dos governos de “contenção” da luta de classes que surgiram na América Latina em inícios do novo século, a FMLN não terá a mesma “sorte”, e tudo isso poderia impactar na consciência e na atividade do movimento de massas. Ainda que não seja algo mecânico, é muito provável que a realidade marcada pela catástrofe capitalista, cedo ou tarde empurre a novos processos de luta de classes dos trabalhadores e do povo salvadorenho.

Em El Salvador, a FMLN com seu programa diz que não resolverá as demandas mais sentidas pelos trabalhadores e camponeses pobres. A FMLN diz com seu programa e sua prática que não lutará sequer pelas mais elementares reivindicações de libertação nacional a respeito da opressão imperialista. No fundamental, tudo continuará igual, os capitalistas enriquecendo a mãos cheias, os trabalhadores pagando a crise, e o sistema capitalista intacto; sem dúvida se não se desenvolvam combates vitoriosos da luta de classes.

Por isso, é necessário construir um grande partido revolucionário da classe operária, leninista e de combate, armado da experiência histórica e das melhores lições da luta de classes do século passado e do novo em que vivemos, que seja capaz de colocar o proletariado como caudilho da nação arrastando atrás de si os camponeses e o povo pobre; para lutar pela revolução socialista em El Salvador , na América Central, na América Latina e no mundo inteiro.

Traduzido por Beatriz Michel

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