A cinco anos da guerra
O desastre neoconservador da ocupação do Iraque
03/04/2008
No último dia 20 de março se cumpriram cinco anos do início da guerra e ocupação do Iraque. O presidente norte-americano, George Bush, comemorou este aniversário com um discurso diante de quadros militares, no qual afirmou que esta era uma “guerra nobre, necessária e justa”, e reafirmou os êxitos obtidos com a diminuição dos ataques contra as tropas estadunidenses durante o último ano, com o envio de 30.000 soldados adicionais, elevando a 160.000 o número de militares no Iraque.
No “mundo segundo Bush”, o Iraque estaria atravessando “o primeiro levantamento árabe em grande escala contra Osama bin Laden” e teria se convertido “em um lugar onde os árabes se uniram aos norte-americanos para expulsar a AlQaeda”.
Nada parece mais distante da realidade. Depois de cinco anos de ocupação do Iraque e outros tantos do Afeganistão, Bush não pôde declarar a vitória em sua “guerra contra o terrorismo”. No âmbito interno, a maioria dos norte-americanos se opõe ã guerra e a popularidade do presidente Bush tem caído em proporções históricas.
A estratégia dos neoconservadores da administração Bush de reforçar o domínio mundial do imperialismo norte-americano através da “guerra preventiva” e do unilateralismo foi derrotada da mesma forma que o plano de “redesenhar o Oriente Médio”. Isso acelerou a decadência da hegemonia dos Estados Unidos, ao que agora se soma a crise econômica.
O “efeito paradoxal” da derrubada de Hussein e da transferência de poder dos sunitas aos xiitas foi o fortalecimento do Irã na região, que tem uma influência fundamental sobre as distintas frações da comunidade xiita iraquiana que lutam por suas quotas de poder, e que voltou a ser chave para obter algum tipo de estabilidade no Iraque. O símbolo deste papel do Irã foi a visita do presidente iraniano Ahmadinejad ao Iraque no início de março e seus discursos contra a ocupação norte-americana, pronunciados junto ao primeiro ministro iraquiano.
O quadro regional do Oriente Médio se complicou com outros conflitos, como os ataques da Turquia, aliado norte-americano, contra os curdos iraquianos, entrando com seu exército no norte do país para evitar a constituição de uma entidade estatal curda.
Da guerra civil ao surge
O governo de Bush não pôde encontrar uma saída para a situação no Iraque que permita retirar o grosso das tropas, e o problema - junto com a ocupação de Afeganistão - terá que ser resolvido pelo próximo presidente.
Mas apesar desta situação difícil e do fato de não ter alcançado seus objetivos, os Estados Unidos não sofreu no Iraque uma derrota comparável ã da guerra do Vietnã. Isto se explica, entre outros fatores, porque a resistência iraquiana não se desenvolveu numa guerra de libertação nacional, mas sim foi articulada pelos norte-americanos numa sangrenta guerra civil, principalmente entre sunitas e xiitas, desviando os ataques contra as tropas imperialistas para ataques entre iraquianos.
Ainda que Bush não tenha podido apresentar uma “vitória”, ao menos conseguiu fazer com que durante os últimos meses as notícias sobre as baixas norte-americanas não fossem quase todos os dias capa dos jornais, e conseguiu “reduzir a violência” a níveis de dois anos atrás, com uma média de 26 iraquianos mortos por dia.
Esta diminuição dos ataques contra as tropas de ocupação se deu essencialmente por conta do acordo alcançado com os principais clàs sunitas e da trégua decretada pelo clérigo xiita al Sadr em agosto de 2007. Ambos os fatores parecem haver entrado em crise, ameaçando o êxito da política militar dos Estados Unidos embasada no reforço das tropas, conhecido como surge.
A crise da política de “contrainsurgência”
A colaboração dos principais chefes tribais sunitas com as tropas norte-americanas para “lutar contra a Al Qaeda” levou ã criação de milícias irregulares chamadas Sahwa (“Despertar”) que contam com algo em torno de 80.000 homens armados. Estas forças que os Estados Unidos antes chamavam de “remanescentes do velho regime” e agora chama de “Cidadãos comprometidos” são as mesmas guerrilhas sunitas, algumas formadas por antigos oficiais do exército de Saddam que até, há não mais de um ano, matavam soldados e mercenários norte-americanos. Estas milícias são as encarregadas de fazer o trabalho sujo de “combater a insurgência” nas ruas de Falluja, Bagdad e outras cidades importantes, em troca de 300 dólares mensais a cada membro. Este pagamento está sujeito ã efetividade para evitar atentados ou perseguir supostos terroristas.
Isto permitiu manter essencialmente a segurança na chamada “zona verde” - uma fortaleza no centro de Bagdad que abriga o governo iraquiano e a embaixada dos Estados Unidos - e na província de Anbar, os dois lugares onde se registraram as maiores baixas norte-americanas.
Esta política, que até agora foi funcional ã estratégia de contrainsurgência do atual chefe militar no Iraque, o General Petraeus, começou a mostrar suas contradições. Em algumas cidades já começaram os enfrentamentos com as forças de segurança iraquianas, que respondem ás ordens do governo xiita do primeiro ministro Nouri al- Maliki. Segundo o jornal britânico The Guardian de 21 de março, “a milícia sunita empregada pelos Estados Unidos para combater a Al Qaeda está ameaçando com uma greve nacional porque não são pagos regularmente”. Provavelmente o atentado contra a “zona verde” no último 24 de março, que deixou ao menos três civis norte-americanos mortos, comece a mostrar uma falta de cooperação das milícias sunitas.
Uma nova escalada de violência
O outro indicador de que poderia haver um ressurgir de violência que cobre mais vidas norte-americanas é a ruptura da trégua que al Sadr havia decretado e que recentemente foi estendida por outros seis meses, depois do ataque lançado em 25 de março em Basora contra sua milícia, al Mahdi, dirigido pessoalmente pelo primeiro ministro Maliki. Esta ação militar na qual participam em torno de 30.000 efetivos iraquianos entre soldados e policiais, com apoio aéreo dos Estados Unidos e da Grã Bretanha, parece responder à luta entre as frações xiitas por manter o poder nas províncias do sul do país, as mais ricas em petróleo. Esta luta vem aumentando desde dezembro de 2007, quando os britânicos entregaram o controle destas cidades ao governo iraquiano. Até agora o partido que governa essas províncias é o Conselho Supremo Islà¢mico do Iraque, aliado com o partido do governo, com os Estados Unidos e também com o Irã. Mas o mais provável é que perca este controle para as mãos de al Sadr nas próximas eleições provinciais a se realizarem em outubro.
Este ataque foi respondido pelas milícias sadristas não só em Basora, mas também nos subúrbios de Bagdad, em particular na chamada Sadr City, desde onde, se presume, foi lançado o ataque contra a “zona verde”.
Se a situação continua recuperando os níveis de violência anteriores, se complicaria ainda mais qualquer plano de retirada ordenada de boa parte das tropas norte-americanas.
Hoje quem se opõe ã guerra nos Estados Unidos tem esperanças de que um governo democrata ponha fim ã ocupação militar. Isso não será assim. Ainda que haja diferenças na classe dominante norte-americana sobre como sair da difícil situação do Iraque, tanto o republicano McCain como os candidatos democratas Hillary Clinton e Barack Obama coincidem que não se pode permitir uma derrota do imperialismo norte-americano. Por isso os democratas que tem maioria no Congresso votaram a favor dos fundos necessários para sustentar as missões no Iraque e no Afeganistão. Somente a mobilização independente e a solidariedade ativa com os que resistem ã ocupação permitirão derrotar o imperialismo.
A guerra em cifras
Baixas militares desde 2003
4000 norte-americanos, 175 britânicos, 133 de outras nacionalidades, 8100 das forças de segurança iraquianas e mais de 1000 “empreiteiras”60.000 soldados norte-americanos feridos.
Baixas civis iraquianas
Entre 600.000 e 1.300.000 segundo as estimativas de distintos organismos (Estados Unidos se nega a contar as baixas civis).
Custos da guerra
São calculados em 12.000 milhões de dólares por mês. Segundo o economista Joseph Stiglitz no ano 2017 haverão sido gastos 3 bilhões de dólares no Iraque e Afeganistão.
43% dos iraquianos vivem com menos de 1 dólar por dia, 70% está desempregado e não tem acesso a água potável e serviços sanitários.
Glossário
– Conselho Supremo Islà¢mico do Iraque (ex Conselho Supremo da Revolução Islà¢mica) é um dos principais partidos xiitas, tem fortes laços com Irã, onde se formaram seus principais dirigentes e clérigos. Colabora com a ocupação norte-americana e com o governo de Maliki. Controla os governos das nove províncias do sul do país, que são importantes centros petroleiros, e parte da hierarquia das forças de segurança.
– Exército al Mahdi Milícia fundada pelo clérigo xiita Muqtada al Sadr. Se enfrentou com as tropas de ocupação em 2004, coincidindo com o levantamento da cidade de Falluja. Em agosto 2007 se enfrentou com as milícias do Conselho Supremo Islà¢mico do Iraque em uma guerra civil que só pôde ser detida pela intervenção da principal autoridade religiosa xiita, o ayatolá Alí Sistani. Sua base principal está nos setores populares da comunidade xiita nos subúrbios de Bagda e nas cidades de Basora e Najaf.
– Dawa Partido histórico xiita ao qual pertence o atual primeiro ministro Maliki.