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O acordo nuclear traz um novo ‘paradigma geopolítico’ para o Oriente Médio?
por : André Augusto

19 Jan 2016 | Os sauditas teme o degelo entre Teerã e Washington e o regresso pleno do Irã aos mercados internacionais, já que potencial financeiro de um Irã sem sanções e reintegrado à economia mundial faz os sauditas temerem a ampliação da sua influência em todo o Oriente Médio. O acordo nuclear traz um novo ‘paradigma geopolítico' para o Oriente (...)
O acordo nuclear traz um novo ‘paradigma geopolítico’ para o Oriente Médio?

Os sauditas teme o degelo entre Teerã e Washington e o regresso pleno do Irã aos mercados internacionais, já que potencial financeiro de um Irã sem sanções e reintegrado à economia mundial faz os sauditas temerem a ampliação da sua influência em todo o Oriente Médio. O acordo nuclear traz um novo ‘paradigma geopolítico’ para o Oriente Médio?

O presidente do Irã, Hasan Rohani, descreveu neste domingo o acordo nuclear com o Ocidente como uma “vitória política” do seu país. Em tom triunfal, na primeira reação após a suspensão das sanções internacionais, o mandatário declarou ao Parlamento que o acordo “abre um novo capítulo” na história do país e marca um momento decisivo para a economia. Rohani admitiu que Teerã precisará atrair pelo menos 30 bilhões de dólares (121,4 bilhões de reais) em investimentos estrangeiros diretos nos próximos cinco anos.

“Necessitamos de capital e tecnologia. Nosso país é suficientemente estável para atrair os investidores estrangeiros e está preparado para recebê-los”, afirmou, mencionando também que representantes de 140 empresas de 50 países já visitaram o Irã para avaliar possíveis investimentos.

O Estado de Israel e principalmente a Arábia Saudita são os grandes perdedores deste acordo, e inflamaram discursos contra sua execução. “A política israelense foi e continuará sendo a mesma: não permitir que o Irã obtenha armas nucleares", afirmou Netanyahu neste domingo. Para além da rivalidade regional entre sauditas e iranianos, a Arábia veio dando mostras seguidas de insatisfação com os entendimentos entre Obama e Rohani, com incidentes que foram desde o massacre em Meca no qual morreram quase 2.500 peregrinos, sendo 464 iranianos, a guerra do Iêmen e a recente execução do clérigo xiíta dissidente Nimr al Nimr.

Os sauditas temem o degelo entre Teerã e Washington e o regresso pleno do Irã aos mercados internacionais, já que esse país tem a quarta maior reserva de petróleo do mundo e a segunda maior de gás. O potencial financeiro de um Irã sem sanções e reintegrado à economia mundial faz os sauditas temerem a ampliação da sua influência em todo o Oriente Médio.

Diplomacia e negócios

Várias companhias alemãs e outros monopólios europeus figuravam entre os interessados em fazer negócios com Teerã.

A Daimler disse que sua divisão de caminhões havia demonstrado interesse em reiniciar contratos com o Irã, para quem vendeu em média 10.000 veículos por ano até 2010. Herrenknecht, companhia alemã responsável pela construção do metrô de Teerã na década de 1990, se pronunciou esperando que o governo abrisse novamente licitações de novos projetos. O banco de investimento alemão Commerzbank anunciou que estava analisando a possibilidade de regressar ao Irã, menos de um ano depois de acordar o pagamento de 1,4 bilhão de dólares aos Estados Unidos por violações a sanções em parte vinculadas ao país. Enquanto isso, a companhia de aviação britânica British Airways comentou que esperava começar a “voar para Teerã num futuro próximo”.

A Rússia, parte dos membros que participou do acordo nuclear, anunciou que planeja a venda de aviões militares ao Irã e incrementará a exportação de grãos. Até mesmo o “novo Eldorado” para o imperialismo, a Índia, através da companhia nacional de alumínio NALCO, disse que enviaria uma equipe de especialistas ao Irã para explorar o estabelecimento de uma nova fundidora no valor de 2 bilhões de dólares, aproveitando os baixos preços do gás natural (o Irã possui a segunda maior reserva mundial de gás).

A partilha dos setores econômicos nacionais entre os monopólios estrangeiros convém ao reacionário regime iraniano para que assuma uma nova posição de destaque no Oriente Médio, já que apesar das rusgas com os Estados Unidos, desde o estouro da primavera árabe e posteriormente com o surgimento do Estado Islâmico vem estabelecendo maior relação de cooperação com Washington e alterando significativamente a balança regional.

Um novo “paradigma geopolítico” no Oriente Médio?

As mudanças trazidas com o fim das sanções ao Irã tocam todo o Oriente Médio e podem significar um "novo paradigma" na região, principalmente na já fragilizada aliança entre EUA e Arábia Saudita, que vem desde a Segunda Guerra Mundial.

O Irã saiu bastante beneficiado do acordo nuclear com Obama, que permitirá a entrada de bilhões no país e aumentará a cota no mercado mundial do petróleo (Shell, Total e ENI estão à frente de 137 empresas petrolíferas que já negociam com o Irã). Imediatamente depois do acordo, o governo emitiu comunicado para que se aumentasse a produção iraniana em 500 mil barris diários. Esta meta é de difícil execução sem uma reorganização da classe operária de toda a região para esse parque industrial inativo há décadas, e mesmo se conseguirem, esse montante diário vai acrescentar diretamente o excedente de barris, já que a previsão de excedente diário na produção petrolífera em 2016 é estimada em 580 mil barris/dia.

Contraditoriamente, esta maior participação acelerará a queda dos preços já historicamente baixos do petróleo, e com a desaceleração chinesa o Irã passará longe de um novo superciclo das commodities. Dificilmente representará um "novo respiro" para a economia mundial.

Mas o Irã não se beneficiou (de um ponto de vista burguês) apenas nesse acordo, mas relativamente desde 2001: as intervenções ianques no Afeganistão (2001) e no Iraque (2003), a primavera árabe e o acordo nuclear fortaleceram a posição do Irã contra a Arábia Saudita, em franca decadência econômica pela queda nos preços do petróleo (80% da receita nacional depende do petróleo), estando obrigada a fazer reformas econômicas como a venda da empresa mais lucrativa do mundo, Aramco (petróleo saudita) e a fissuras diplomáticas com Obama pelo financiamento de organizações jihadistas sunitas e a intervenção militar no Iêmen.

O surgimento do Estado Islâmico foi um "divisor de águas" para que os Estados Unidos se utilizassem do apoio militar iraniano com tropas terrestres e milícias, e fossem obrigados a destravar a economia desse regime, tanto para buscar uma estabilização contrarrevolucionária no Oriente Médio quanto para opor obstáculos ao desenvolvimento da influência chinesa na Ásia (a China busca empreender um mega projeto para escoar o excedente de cimento e aço no país - a "Nova Rota da Seda", que liga a Ásia, Rússia e Europa por terra e água).

A Arábia Saudita não parece querer ficar calada durante este processo de decadência. Estão mudando sua política externa, de menos participação internacional para mais intervencionismo (criou-se uma nova força de choque sunita para combater os xiítas na região, Jaish al Fatah) e os serviços de inteligência imperialistas estão produzindo relatórios sobre o papel crescentemente desestabilizador dos sauditas.

Para além desta histórica mudança de relação, ambas as potências regionais estão obrigadas pela crise econômica a modernizar seu parque industrial e acelerar a diferenciação entre as classes sociais, aproximando sua estrutura de classes de países mais industrializados como o Egito, dando à classe trabalhadora um novo peso numa eventual explosão da luta de classes fruto das contradições exacerbadas pela derrota da primavera árabe.

 

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