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O que expressa o resultado eleitoral?
por : Daniel Matos

29 Oct 2014 | Apesar de ter ganhado as eleições, desde 2002 o PT não terminava um pleito tão debilitado. Ainda que tenha voltado a se fortalecer no nordeste e ganhado o importante estado de Minas Gerais, a recente votação de Dilma foi bem inferior ã que ela mesma teve em 2010, e menor ainda do que as duas eleições ganhadas por Lula. O PT na maioria das cidades de (...)
O que expressa o resultado eleitoral?

Apesar de ter ganhado as eleições, desde 2002 o PT não terminava um pleito tão debilitado. Ainda que tenha voltado a se fortalecer no nordeste e ganhado o importante estado de Minas Gerais, a recente votação de Dilma foi bem inferior ã que ela mesma teve em 2010, e menor ainda do que as duas eleições ganhadas por Lula. O PT na maioria das cidades de maior concentração operária. Se fossem contabilizadas apenas as capitais do país, Dilma teria perdido as eleições para Aécio.

Por outro lado, apesar de Aécio Neves ter sido derrotado, desde a ascensão Lula o PSDB não sai tão fortalecido e legitimado como partido de oposição. Salvo Rio de Janeiro e Minas Gerais, em quase toda a região sul, sudeste e centro-oeste os tucanos obtiveram uma importante vantagem, em especial no estado de São Paulo.

Por que o PT saiu debilitado? Por que o PSDB se fortaleceu? Como se expressou nas eleições a separação entre representantes e representados que vem atravessando o país desde as jornadas de junho de 2013? É necessário responder a essas perguntas para compreender o que o resultado eleitoral nos diz sobre a situação do país.

O que expressa o debilitamento do PT?

Por trás desse debilitamento está o enorme descontentamento que existe no país desde as manifestações de junho de 2013. Este descontentamento deu lugar a uma importante separação entre representantes e representados, uma verdadeira crise de representatividade. Por mais que tenham refluído as manifestações, é um processo que segue latente. Nas eleições, ele se expressou em duas ideias que foram muito fortes ao longo de toda a campanha.

Em primeiro lugar, o sentimento do mal menor. Esse foi um sentimento muito alastrado na classe trabalhadora e na juventude. A maior parte das pessoas não confiava de fato que qualquer candidato pudesse expressar as aspirações que emergiram de junho e das greves que veem atravessando o país. Em segundo lugar, o discurso da mudança. Todos os candidatos falavam em mudança, fossem da situação ou da oposição.

O que permitiu que o PT não perdesse as eleições foi o voto útil em Dilma como mal menor frente a um eventual governo tucano. Esse voto útil foi muito ampliado na reta final do segundo turno em função do pânico que os petistas buscaram alastrar, propagandeando que se Aécio ganhasse alentaria uma onda conservadora e direitista no país. Muitos setores que iam se abster, votar branco ou nulo terminaram votando em Dilma, diminuindo o percentual de abstenções e votos não válidos em relação ao primeiro turno. O PT só conseguiu fazer isso porque a inércia das melhorias das condições de vida herdadas dos últimos anos de crescimento econômico ainda primam sobre as crescentes tendências recessivas que veem deteriorando a economia nos últimos meses.

O que explica o fortalecimento dos tucanos?

O aumento do voto em Aécio para além dos setores tradicionalmente tucanos se deu em grande parte porque muita gente jovem não conhece o passado neoliberal do PSDB. Com uma acentuada demagogia de mudança, escondendo o direitismo de seu partido, Aécio vendeu para importantes parcelas de trabalhadores e jovens a falsa ilusão de que ele poderia representar uma renovação alternativa ao PT sem que isso significasse necessariamente um novo governo mais ã direita, como são em geral os governos tucanos. Vendeu a ilusão de que ele poderia ser mais eficaz no combate ã inflação e ã corrupção, como se os tucanos não fossem tão corruptos como os petistas e como seu combate ã inflação não fosse implicar em mais desemprego.

Os petistas querem que acreditemos que os tucanos se recompuseram por uma mágica de obra divina. Os mais caras-de-pau tentam inclusive colocar a culpa nas manifestações de junho, pelo fato delas terem desgastado o PT, sem que tenham dado lugar a uma alternativa política pela esquerda. Isso é tudo uma grande cortina de fumaça para esconder a responsabilidade que o PT tem nessa recomposição do PSDB.

Em 2002, Lula foi eleito porque o PSDB estava extremamente desgastado pela ofensiva neoliberal dos anos 90. As pessoas depositaram muitas ilusões e esperanças na chegada do PT ao governo federal. Depois de 12 anos o que mudou? Criou-se um programa de assistência social que chega a 50 milhões de pessoas, reduziu o desemprego e melhorou a renda das famílias mais pobres. Mas isso foi feito sem romper com as bases do neoliberalismo criado pelos tucanos.

Metade do orçamento público é destinado ao pagamento de juros aos banqueiros. Os capitalistas aumentaram seus lucros em proporções muito maiores do que a melhoria de vida do povo pobre. A maioria dos empregos criados são precários, marcados pela superexploração. E os métodos de alianças reacionárias e práticas corruptas foram mantidos para garantir a chamada “governabilidade”. Quando as pessoas saíram ás ruas no ano passado reivindicando direitos sociais dignos e acessíveis, ainda que não tenha sido de forma consciente, era contra essas bases, que unem o PT e o PSDB, que elas estavam protestando.

O PSDB volta a se fortalecer porque depois de 12 anos no poder porque o PT demonstrou que não é capaz de garantir direitos sociais dignos e acessíveis para todos, direitos democráticos elementares como o aborto ou a criminalização da homofobia e empregos que não sejam precários. O PT demonstrou que não é nada diferente do PSDB na forma de fazer política e que frente aos primeiros sinais de crise econômica já volta o fantasma do desemprego e da inflação. Ou seja, a recomposição do PSDB é um subproduto do fracasso do PT, da frustração das ilusões e expectativas que foram depositadas em seu governo.

Por que não surgiu uma alternativa ã esquerda?

Apesar da desilusão de amplos setores com o PT, este partido ainda controla a maioria dos principais sindicatos do país. Quando a juventude saiu ás ruas em junho, foi a CUT que, junto ás outras centrais sindicais, impediu que a classe trabalhadora aderisse aos protestos de forma organizada, através de greves e colunas operárias nas manifestações. Se isso tivesse ocorrido a crise teria sido muito superior. Se abriria uma situação pré-revolucionária no país. O governo poderia ter sido derrubado pela revolta das massas e as conquistas teriam sido de fato muito superiores que os 20 centavos. Mas o PT impediu que isso acontecesse.

No último período o Brasil tem vivido a maior onda de greves dos últimos 20 anos. O PT e a CUT, quando estão presentes, servem para conter a disposição de luta dos trabalhadores, quando não são diretamente rechaçados junto com outros setores da burocracia sindical.

Já está em curso uma importante onda de ataques nas indústrias e a CUT não faz nada. Para ser mais preciso, negocia com as patronais a flexibilização dos direitos trabalhistas através da suspenção dos contratos de trabalho (o chamado lay-off) e apoia o projeto de lei do governo para ampliar esta forma de flexibilização, claro que com a desculpa de “preservar os empregos”.

Esse é o motivo do fortalecimento do PSDB: o PT frustra as expectativas de amplos setores, mas ainda consegue ser um obstáculo para que surja uma alternativa a partir da mobilização independente da classe trabalhadora.

O que indica o primeiro discurso de Dilma depois de eleita?

Não é por acaso que Dilma, em seus primeiros discursos depois de eleita, conclama a unidade e o diálogo com o PSDB. É porque desde o ponto de vista dos interesses burgueses de viabilizar as melhores condições possíveis para seus negócios, ambos partidos de fato têm uma profunda confluência. Isso mostra como todo o fantasma de onda conservadora com o PSDB era pura retórica eleitoral.

Não é por acaso que as principais promessas de Dilma nesses discursos foram a reforma política e o combate ã corrupção. Não é por acaso que ela não fez qualquer promessa concreta sobre as demandas que emergiram nas ruas em junho, ao mesmo tempo em que se comprometeu a avançar na responsabilidade fiscal. Isso tem tudo haver com a declaração que seu ministro da economia Guido Mantega deu hoje (segunda) para acalmar os mercados financeiros, insistindo que vão aumentar o ajuste fiscal nos próximos anos. Isso significa atacar ainda mais as demandas de junho.

Mesmo as promessas de plebiscito para a reforma política e novas leis para o combate ã corrupção não passam de meras mudanças cosméticas para manter o essencial como está. A prova disso é que ninguém propõe que se consulte a população sobre uma medida muito simples que atingiria pela raiz a essência desse sistema político carcomido: que todo juiz, parlamentar, político ou funcionário de auto escalào ganhe o mesmo que um professor.

 

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