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Uma ordem mundial em disputa na Ucrânia
por : André Augusto

17 Sep 2014 | Como resposta ã crescente implicação militar russa no conflito ucraniano, a Aliança do Atlà¢ntico (OTAN) se prepara para acelerar seus planos de criar uma força de reação rápida, com equipamentos leves e composta por “vários milhares” de soldados, capazes de serem destacados em pouco tempo contra potenciais agressões russas. Em meio ã próxima reunião do (...)
Uma ordem mundial em disputa na Ucrânia

Como resposta ã crescente implicação militar russa no conflito ucraniano, a Aliança do Atlà¢ntico (OTAN) se prepara para acelerar seus planos de criar uma força de reação rápida, com equipamentos leves e composta por “vários milhares” de soldados, capazes de serem destacados em pouco tempo contra potenciais agressões russas. Em meio ã próxima reunião do Conselho de Segurança das Nações Unidas, as forças ucranianas perderam diversos pontos estratégicos para os separatistas, como a cidade de Novoazovsk (próximo ao porto de Mariúpol no mar de Azov, principal cidade de Donetsky) e o aeroporto da província de Lugansk. Isto fortaleceu o discurso do presidente russo Vladimir Putin para que o governo de Kiev aceite a exigência de maior autonomia para as províncias de fala russa na Ucrânia, ao qual o governo de Poroshenko se nega, anunciando levar para Washington a exigência de que os rebeldes pró-russos sejam reconhecidos como “organizações terroristas”. Esta escalada retórica do secretário geral da OTAN, Anders Fogh Rasmussen, atende a esses interesses, beirando uma histeria militarista sem paralelo desde a queda dos Estados operários burocratizados no início dos anos ’90, com direito ã “construção de instalações militares” e “melhorias na infraestrutura” [1] da OTAN (leia-se: Polônia, Letônia, Estônia e Lituânia). O acordo de cessar-fogo, travado esta quarta-feira entre Rússia e Ucrânia, é altamente frágil, uma vez que o governo Putin não deseja nenhum tipo de trégua permanente que retire os resultados da bem sucedida ofensiva das milícias pró-russas.

A propaganda de “desarmamento” no Leste europeu, depois da queda da União Soviética em 1991, promovida pelos Estados Unidos e pela Europa para desativar o poderio das instalações militares reguladas por Moscou, marcou uma etapa de reorganização política destes países sob a tutela norteamericana e da OTAN. Esta etapa de ofensiva ocidental, que abocanhou a Polônia e os países bálticos e os removeu da zona de influência da Rússia, pode estar chegando ao fim com o conflito ucraniano, o mais importante desde o fim da Guerra Fria, e que está determinando as características de uma ordem mundial incerta.

“A Rússia já não considera a OTAN um sócio, mas um «adversário”»

A constituição desta “tropa de reação rápida” da OTAN não poderia atender a crise imediata na Ucrânia, uma vez que as incursões russas se dão na parte oriental e sul do país (que fazem fronteira com a Rússia). A justificativa da OTAN é que esta força preventiva atuaria sob qualquer sinal de desestabilização dos países bálticos aliados e da Polônia, que pediram uma atitude mais firme em sua defesa por parte da Aliança do Atlà¢ntico desde a anexação da Criméia. A questão reside em que esta oferta de proteção permanente viola os acordos da OTAN com Moscou, travados em 1997, sob os quais se prontificava a não concentrar um número substancial de soldados no Leste europeu em bases permanentes. Ainda que a proposta seja de “rotatividade de tropas”, de fato isso significaria uma presença permanente de soldados da OTAN nos países bálticos. O reforço de tropas nesta região – já está previsto o envio de armamento pesado ã Estônia, com tanques e blindados – se combina com a aprovação, na próxima cúpula da Aliança em Gales, de novas bases no Leste e a instalação de um escudo nuclear por parte do governo de Washington.

Como produto da possível ruptura do acordo de 1997, o governo Putin anunciou que introduzirá alterações em sua doutrina militar frente a estas novas ameaças, principalmente levando em consideração que a OTAN – bloco militar ocidental durante a Guerra Fria que, diferentemente que o Pacto de Varsóvia soviético, não se dissolveu depois da queda da URSS – continua avançando para o leste e incrementando seu potencial ofensivo. O vice-secretario do Conselho de Segurança russo, Mikhail Popov, chegou a expressar com nitidez a percepção do Kremlin de que “a aproximação da infraestrutura militar dos países membros da OTAN ás fronteiras de nosso país conservará seu lugar como um dos perigos militares ã Federação Russa”.

Ainda que as aparências de uma situação “pré-guerra” estejam impregnando os discursos, o sétimo ano da crise mundial que golpeia tanto a economia norteamericana (com alto nível de desemprego e longe de recuperar sua situação econômica pré-2008) quanto a débil economia russa (incapaz de representar uma alternativa aos países do Leste, crescendo 1,3% em 2013) e os limites tanto dos EUA quanto da Rússia em afrontar os desafios da anexação da Criméia e da própria intervenção ocidental na Ucrânia, fazem com que a perspectiva de um conflito armado não esteja colocada no tabuleiro por ora. A política externa do imperialismo norteamericano durante a administração Obama, de fechar os conflitos herdados no Oriente Médio e dirigir-se ã Ásia-Pacífico para conter a ascensão da China, exigem medidas preparatórias que incluem o enfraquecimento das alianças políticas russas na Ásia e na Europa. Este reforço da presença militar ocidental ás portas da fronteira russa é a continuidade dos movimentos norteamericanos iniciados na Ucrânia, e atende ao objetivo de remover mais um ponto de apoio de Moscou para sua projeção regional. Entretanto, fruto das derrotas no Iraque e no Afeganistão e a ausência relativa de uma estratégia de contenção por parte dos EUA, torna-se cada vez mais difícil concluir os desafios preparatórios. Não é demasiado lembrar que os conflitos no Oriente Médio persistem, tanto no recente massacre do Estado terrorista de Israel sobre a Palestina, quanto a atual ofensiva yihadista do Estado Islà¢mico sobre o Iraque, o que impôs aos Estados Unidos uma aliança com velhos adversários, como as milícias xiitas, o regime sírio do ditador Bashar al-Assad e o Irã dos aiatolás, que já trazem enormes contradições ã política ianque.

Da diplomacia entre os países aos interesses interestatais de uma nova ordem

O conflito ucraniano se está convertendo em uma peça chave da geopolítica mundial e está determinando a relação entre as potências nos próximos anos. A reacionária oligarquia russa (que financia grupos armados ultranacionalistas de extrema direita contra a população ucraniana e persegue homossexuais na Rússia) busca mostrar-se “impassivo e dialogável” propondo aos EUA empregar sua influência para resolver a situação pacifica e não militarmente. Este discurso trata de conciliar os ânimos com a Europa e principalmente, com a Alemanha: a nova série de sanções econômicas da Comissão Européia contra a Rússia exprime em verdade a vontade política da chanceler alemã, Angela Merkel, de buscar um acordo o mais rápido possível entre Rússia e Ucrânia, disciplinando o conflito, estabilizando suas relações com o Leste e impondo-se não só como líder econômica mas também política da Europa. Tal orientação é totalmente contrária aos interesses da administração Obama, que deseja separar ao máximo a Alemanha e a União Europeia de qualquer acordo com o governo de Moscou, revivendo tensões passadas com o auxílio do cadáver vivo que é a OTAN.

Para além dos interesses políticos alemães de se desfazerem da tutela norteamericana, a Alemanha se encontra ás portas de novos abalos recessivos: teve queda de 0.2% do PIB no último trimestre, numa situação em que nenhum membro da União Europeia (exceto a Irlanda) cresceu mais de 1%, e em que 15 dos 28 países membros possuem taxas estarrecedoras de desemprego, acima de 10%. O perigo destes dados é que o emprego estável na Alemanha depende das exportações a uma Europa cujo apetite por seus produtos está gravemente limitado em meio ao baixo crescimento e recessão prolongada [1]. Esta situação se agravaria caso a Alemanha restringisse relações comerciais com a Rússia (tiveram intercâmbio comercial de 77 bilhões de euros em 2013 e as empresas alemãs tem investimentos calculados em 20 bilhões de euros na Rússia), sem mencionar o mais importante: a dependência de Berlim frente aos recursos energéticos russos. Os russos acariciam vorazmente estas necessidades alemãs de uma aliança entre os dois países. Immanuel Wallerstein, por ocasião dos tratados comerciais entre a China e a Rússia, escreve:

“A Alemanha está claramente dividida acerca da perspectiva de incluir a Rússia em uma esfera europeia. A vantagem da Alemanha em um acerto assim seria consolidar sua base de consumidores na Rússia para sua produção, garantir suas necessidades energéticas e incorporar a força militar russa a seu planejamento global de longo prazo. Dado que isto tornaria inevitável a criação de uma Europa pós-OTAN, existe oposição ã ideia não só na Alemanha, mas claro na Polônia e nos Estados bálticos. Desde o ponto de vista da Rússia, o objetivo do tratado de amizade Rússia-China é fortalecer a posição daqueles na Alemanha favoráveis a trabalhar com a Rússia.” [2]

Sinteticamente, a estratégia russa se movimenta em meio ás contradições mais agudas entre os Estados Unidos e a Alemanha. Não podemos descartar que Putin se arrisque, em margens seguras, a conquistar posições muito maiores que a Criméia na Ucrânia, consolidando sua influência sobre as províncias ucranianas mais importantes economicamente, Lugansk e Donetsk, caso o governo de Kiev não aceite um regime federativo de maior autonomia ás províncias. A escalada no discurso de reforço militar permanente dos dois lados da antiga “Cortina de Ferro” no Leste europeu põe ã mostra as fraturas deixadas pelas guerras mundiais e o caráter reacionário das divisões entre fronteiras nacionais. A grande fissura que salta aos olhos é que com o aprofundamento do conflito ucraniano fica cada vez mais evidente que a conclusão da orientação política externa dos Estados Unidos depende em boa medida de uma Alemanha subordinada, o que vai no sentido contrário de os interesses geopolíticos alemães. Produto da crise econômica mundial em curso e do declínio hegemônico dos Estados Unidos, as perspectivas de grandes convulsões mundiais voltam a aparecer na mesma região em que, há 100 anos, disparou o gatilho da Primeira Guerra Mundial.

 

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