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O clamor das ruas no Egito: vá embora Mursi!
por : Simone Ishibashi

03 Jul 2013 | Novamente o Egito volta a ser o centro do cenário internacional. O processo revolucionário aberto há dois anos está diante de um novo momento de ascenso.

Novamente o Egito volta a ser o centro do cenário internacional. O processo revolucionário aberto há dois anos está diante de um novo momento de ascenso. As ruas das principais cidades do país estão completamente tomadas pela multidão, nos maiores protestos desde a eleição do presidente Mohamed Mursi. Alguns analistas afirmam que as manifestações atuais já seriam maiores que as responsáveis pela queda de Mubarak, contando hoje com pelo menos 16 milhões de pessoas. A exigência fundamental é a queda de Mohamed Mursi, que há tempos é alvo de demonstrações de repúdio por diversos setores, que agora se massificaram.

A força das mobilizações está colocando em xeque o governo de Mursi. A raiva popular está dirigida contra a sua figura, que é vista como um traidor, e a Irmandade Muçulmana, cujas sedes em diversas cidades foram alvo de demonstrações de repúdio. O movimento Tamarode, que em árabe significa “rebelde” e está ligada a setores da oposição burguesa Frente de Salvação do Egito, afirma que já teria 22 milhões de assinaturas pela saída de Mursi do poder, o que é uma quantidade superior a votação que o elegeu, que foi de 13 milhões. Só na noite passada foram 23 mortos em enfretamentos entre opositores e defensores do governo, enquanto quase mil pessoas teriam ficado feridas. Trata-se de uma grande crise que ameaça o governo de cair, e que já fez com que quatro ministros tenham deixado o governo, dentre os quais figuram Hisham Zaazou, do turismo, Atef Helmi, de comunicações, Hatem Bagato de assuntos legais e parlamentares, e do meio ambiente Khaled Abdel Aal.

O exército, instituição que foi preservada durante a queda de Mubarak e cumpre um papel bonapartista importante até hoje, qualificou os protestos como “sem precedentes”, e deu um prazo de 48 horas para que Mursi abra espaço para a oposição no governo. Caso isso não aconteça, apontará “o seu próprio caminho” para solucionar a crise política que assola o país. Ainda que não tenham feito menção clara nesse sentido, tal saída poderia envolver a intervenção das Forças Armadas contra o governo, o que poderia aprofundar ainda mais as tensões sociais que varrem o país. As mesmas Forças Armadas que atuaram ativamente para dar a vitória a Mursi, após terem emitindo por ocasião de sua eleição um decreto conservando seu poder de veto na Constituição, e que segue dominando parte importante da gestão de empresas que representam entre 30 e 40% do PIB não poderá oferecer nenhum “caminho” de acordo com os interesses das massas. Mesmo que estejamos ainda distantes de saber qual o desfecho do levante atual, o que se pode afirmar com certeza, é a profundidade do processo revolucionário egípcio, que não se fechou com a queda da ditadura e a instauração de uma democracia burguesa. O povo, a juventude e os trabalhadores demonstram que aspiram a muito mais.

O pano de fundo das mobilizações

O que está motivando a população a sair ás ruas, tendo a juventude novamente como um importante protagonista, é a crescente percepção de que em um ano Mohamed Mursi atuou mais para manter que transformar as condições que haviam sido os impulsionadores do levante contra a ditadura de Mubarak. O desemprego segue crescendo, e já supera os 13%. Isso motivou uma onda de greves importantíssima, como a greve geral que paralisou a cidade de Port Said no início deste ano, tendo uma adesão muito forte. Outras, ainda que menores, também haviam ocorrido em cidades ao longo do Delta expressando o descontentamento dos trabalhadores com a situação econômica.

Soma-se a isso uma alta dos preços da gasolina, que obriga as pessoas a enfrentarem filas que duram duas horas para obter o combustível. Ademais, há um repúdio em relação aos nomes postos no alto de escalào do governo por Mursi, que são percebidos por muitos como parte de uma casta antipopular. Isso também se soma ao temor do crescimento da influência islà¢mica sobre o Estado, já que a Irmandade Muçulmana é vista por muitos egípcios seculares como uma ameaça ao processo desatado pelas manifestações e aos direitos democráticos. Isso é um dado que já se demonstrou em outras ocasiões, como por exemplo, quando as marchas obrigaram Mohamed Mursi a retroceder de sua tentativa de aumentar seus poderes, na votação Constituinte. Apesar das manifestações terem conseguido impedir o avanço dessa medida bonapartista de Mursi, a carta aprovada manteve alguns itens de orientação islà¢mica que já são o suficiente para aumentar a desconfiança do setor secular. Porém, um dos manifestantes entrevistados pela imprensa espanhola, Zaid Sultan, de 35 anos, resume com precisão os motivos da mobilização contra Mursi: “Três foram os princípios daquela revolução (que resultou na queda de Mubarak): pão, justiça e liberdade. Mursi não cumpriu nenhum”. Mas um elemento político que pode elevar as mobilizações atuais a um patamar superior, até mesmo em relação ao processo que acabou com a ditadura de Mubarak, é a denúncia que os manifestantes estão fazendo sobre a política de submissão mantida por Mursi em relação ao imperialismo. Nos atos do dia 29 de junho algo que esteve ausente nas mobilizações de 2011 fez-se notar. Foram inúmeros cartazes e faixas nos quais se via o rosto de Barack Obama riscado em vermelho, com os dizeres “Obama apoia a Irmandade Muçulmana e o terrorismo”. Também se viam inúmeras imagem de Mursi com a bandeira de Israel e dos EUA. São elementos que apontam que a máscara já dificilmente mantida por Obama de ser apoiador das aspirações populares do povo egípcio, como afirmou no primeiro discurso que fez como presidente recém-eleito no Cairo, começa a cair.

Ainda que as demonstrações não tenham assumido até o momento a forma de consignas anti-imperialistas claras, conformam-se como uma questão extremamente importante, já que é evidente um sentimento de desprezo pela política levada adiante pelos EUA em relação ao país, e a manutenção da subserviência ao estado de Israel praticado por Mursi. O presidente da Irmandade Muçulmana manteve o infame acordo de paz firmado entre os dois países em 1979, que assegura uma convivência pacífica com o Estado sionista, peça fundamental para a garantia da sua política opressora em relação aos povos árabes. Também aí Mursi é alvo de rechaço generalizado.

Por uma saída independente dos trabalhadores e do povo! Um governo operário e camponês!

A juventude, a classe trabalhadora e o povo não poderiam ser mais claros: eles querem a derrubada de Mursi. Entretanto, as direções burguesas opositoras não podem resolver as demandas mais sentidas, que estão impulsionando essas mobilizações. Cedo ou tarde tentarão atuar para desviá-las. Esse será o objetivo da Frente de Salvação Nacional, coalizão que se alçou como oposição a Irmandade Muçulmana da qual participam também movimentos como o 6 de Abril, que atuou nas mobilizações pela queda de Mubarak, e que também agrega setores que eram apoiadores da ditadura anterior, e que depois passaram ã oposição. Dentre eles figuram também Mohamed El Baradei, ex-inspetor da ONU no Iraque, o multimilionário Naguib Sawiris, fundador do Partido Livre Egípcio, o ex-funcionário de Mubarak e ex-presidente da Liga Árabe Amr Moussa, e o Partido da Dignidade (nasserista e timidamente nacionalista burguês). Assim, o que a Frente visa não é responder ás demandas mais sentidas pela população, mas se postular como próximo eleito, a partir de sua política de antecipação das eleições.

Contra essa tentativa de setores burgueses, reafirmamos que é preciso levantar desde já uma estratégia de independência de classe, para levar essa luta ã uma vitória efetiva. Com os atuais movimentos fica provado que as principais demandas democráticas mais sentidas seguem em aberto. Não há justiça, nem pão, nem liberdade. E é claro que a Frente de Salvação Nacional não será capaz de prover isso ao povo, pois não buscará tocar na propriedade privada, nem nos interesses da burguesia local, que atua em seu interior, muito menos será capaz de promover uma real libertação nacional do país das amarras do imperialismo, ou resolver a questão da distribuição de terras. É preciso combater também qualquer tentativa do Exército de definir a situação. Hoje se colocam demagogicamente ao lado dos trabalhadores e do povo dando um “ultimato” ao governo, mas o que buscam mesmo é salvaguardar seu imenso peso na economia e na política egípcia.

Portanto, reafirmamos que é preciso lutar por uma saída independente dos trabalhadores e do povo. A classe trabalhadora que cumpriu um papel importante, ainda que não tenha sido o sujeito central, na queda de Mubarak deve dar um passo além, e decretar uma greve geral até que caia o regime de Mursi. Deve avançar para organizar a produção e a circulação de bens, de modo a coloca-los em serviço do avanço dessa luta, constituindo seus organismos de autodeterminação. Em base a isso é necessário lutar para por abaixo todos os traços do regime, superar a direção burguesa que tenta canalizar as manifestações, e instaurar uma Assembleia Constituinte que discuta a partir das organizações do povo e da classe trabalhadora, como colocar os recursos do país a serviço de seus interesses. As imensas manifestações de massas devem ao lado dos trabalhadores lutar pela instauração de um governo operário e camponês, que realmente seja capaz de dar emprego a todos, aumentar os salários, e libertar o país e seus recursos do saque imperialista que há décadas condena a imensa maioria da população a pioras crescentes de suas condições de vida. Essa é a maneira de atender ao clamor por “justiça, pão e liberdade”.

 

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