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Egito. O povo quer a queda do regime
por : Claudia Cinatti

13 Dec 2012 | A velha consigna que gritavam centenas de milhares contra a ditadura de Mubarak no início de 2011 volta a ressoar com toda sua força nas ruas de Cairo e nas principais cidades do Egito...

A velha consigna que gritavam centenas de milhares contra a ditadura de Mubarak no início de 2011 volta a ressoar com toda sua força nas ruas de Cairo e nas principais cidades do Egito, mas dessa vez dirigida contra o governo de M. Morsi do Partido Liberdade e Justiça (ligado a Irmandade Muçulmana) e ã Assembleia Constituinte, com maioria de partidos islamistas.

Desde há duas semanas, centenas de milhares de jovens de classe média, estudantes, mulheres, trabalhadores e setores populares vem se mobilizando contra o decreto pelo qual o presidente egípcio se concedeu poderes quase ditatoriais, buscando consolidar um regime autoritário hegemonizado pelo islamismo moderado e que tem o apoio pelo imperialismo em troca dos serviços prestados por Morsi para conseguir o cessar fogo entre Hamas e Israel.

Longe de retroceder frente aos novos protestos, a resposta de Morsi foi fazer votar em tempo recorde o projeto de nova constituição e convocar um plebiscito constitucional para 15 de dezembro, esperando que a extensão nacional da Irmandade Muçulmana e suas redes de clientes em setores populares permita ganhar a votação, ainda que seja por uma pequena diferença.

Essa atitude ofensiva de Morsi precipitou a dinâmica da mobilização: o 4 de dezembro dezenas e quiçá centenas de milhares rodearam o palácio presidencial, obrigando Morsi a abandonar escondido o edifício. Dia 5 de dezembro a Irmandade Muçulmana convocou a base islamista do governo a uma “contramobilização”, desatando violentos enfrentamentos entre ambos os grupos, com pedras e coquetéis molotov, com um saldo provisório de 3 mortos e centenas de feridos. Até agora o exército não vem participando nas tarefas repressivas, continuam os enfrentamentos nas imediações do palácio presidencial e em outras cidades importantes do país. O aprofundamento dessa situação extrema pode colocar em xeque a continuidade do governo de Morsi e a “transição democrática” como forma de desvio do processo revolucionário.

Uma constituição na medida do islamismo, dos militares e do imperialismo

A nova constituição, produto de um processo constituinte completamente antidemocrático, pactuado com o Conselho Supremo das Forças Armadas, é uma tentativa de consolidar um regime baseado na aliança da Irmandade Muçulmana (e seguramente outras variantes islamistas como os salafistas) com os militares e o imperialismo, que substituiu a velha ditadura de Mubarak por uma “democracia vigiada” que conserva o fundamental do velho regime. Entre outras coisas, a nova constituição proclama o islà como religião de Estado (o que já regia na constituição anterior e durante Mubarak), declara os princípios da lei islà¢mica como a fonte da legislação e mantém as forças armadas como principal instituição do regime, deixando o controle do orçamento de defesa (no qual ingressam 1.300 milhões de dólares como ajuda financeira dos EUA) e o manejo dos assuntos militares, além do fundamental o papel das forças armadas na economia e na conservação dos odiados tribunais militares para julgamento de civis (nos quais tem sido processados cerca de 12.000 ativistas desde o final da ditadura).

Esse giro bonapartista tem um duplo propósito: por um lado está destinado a resolver a disputa que tem o governo com o poder judicial, onde se concentram os remanescentes do velho regime, e por outro, liquidar a resistência da juventude e setores avançados da classe operária. Como parte dessa política de manter sob controle a classe operária, o governo de Morsi, com a medida demagógica de limpar a Federação sindical da velha direção mubarakista, editou um decreto pelo qual remove a velha direção, mas dá o direito ao Ministro do Trabalho, um membro da Irmandade Muçulmana, de nomear a nova direção, liquidando dessa maneira toda a possibilidade de democratização das organizações operárias, uma demanda muito sentida por amplos setores dos trabalhadores que vem fundando sindicatos independentes.

Dessa maneira, o governo busca limpar o caminho para avançar com a implementação de um programa neoliberal de ajuste negociado com o FMI para descarregar as consequências da crise capitalista sobre os setores populares e dar confiança e oportunidade de negócios a possíveis investidores estrangeiros.

A Irmandade Muçulmana e seu braço político, o Partido Liberdade e Justiça, atuam com o apoio dos EUA e outras potencias imperialistas que vem o islamismo moderado egípcio como um aliado, junto ã Turquia, Qatar e Arábia Saudita, além de Israel – para manter a estabilidade regional e liquidar as tendências revolucionárias da primavera árabe. Por isso, como explica o diário Washington Post, EUA tem se negado a criticar publicamente Morsi ou a condenar diretamente a constituição proposta, o que se tem visto claramente nas declarações da secretária de Estado norte americana, Hillary Clinton, que se limitou a chamar o diálogo e que a nova constituição garantisse que o Egito cumpra suas obrigações internacionais, quer dizer, mantenha sua aliança com os EUA e o Estado sionista.

Entre a frente popular e a perspectiva da revolução

Essa nova onda de lutas enfrenta grandes desafios. A enorme polarização entre partidários e opositores de Morsi se baseia fundamentalmente no antagonismo entre o caráter laico ou religioso do Estado, sob o qual se ocultam os profundos antagonismos de classe. A Irmandade Muçulmana é um partido de um setor da burguesia egípcia que usa a religião e suas redes de assistência para manter sob controle uma ampla base popular, utilizando a religião como instrumento de submissão. Contudo, a oposição laica, reagrupada na Frente de Salvação Nacional, que hoje se propõe a dirigir as mobilizações, ainda com um discurso democrático formal, representa os mesmo interesses dos inimigos da classe operária e dos setores populares. Essa frente que pretende se consolidar como uma oposição liberal burguesa séria é conformada por Mohamed El Baradei, ex-inspetor da ONU no Iraque, o empresário multimilionário Naguib Sawiris, fundador do Partido Livre Egípcio, o ex-funcionário de Mubarak e ex-presidente da Liga Árabe Amr Moussa e o Partido da Dignidade (nasserista e tibiamente nacionalista burguês) do ex-candidato H. Sabbahi. A esse rejunte de figurões e partidos liberais laicos, burgueses e pequeno-burgueses, grande pare da esquerda capitula junto ás organizações surgidas na praça Tahir, como o movimento juvenil 6 de abril.

A Frente de Salvação Nacional pretende usufruir as bandeiras democráticas do processo revolucionário para negociar com a Irmandade Muçulmana a retirada do decreto ditatorial de Morsi, a suspensão do referendo e a eleição de uma nova Assembleia Constituinte, com maior representatividade de setores laicos, mas com o mesmo programa de estabelecer um regime tão pró-imperialista e patronal como o atual. Os jovens, os trabalhadores das grandes concentrações operárias e os setores populares e empobrecidos pelas consequências das políticas neoliberais de Mubarak e da crise capitalista tem feito uma enorme experiência de luta em quase dois anos que transcorreram desde a caída do ditador, criando organizações políticas e sindicatos independentes, protagonizando greves e mobilizações e enfrentando a repressão. A oposição burguesa democrática, baseando-se na denúncia da opressão religiosa, busca limitar essa experiência reduzindo os termos do enfrentamento entre laicos e islamistas. As mobilizações atuais mostram que a contenção do desvio parece débil e que as tendências mais profundas do processo revolucionário voltam a ganhar o centro da cena. É necessário que os trabalhadores e jovens combativos forjem suas próprias organizações revolucionárias que enfrentem a armação do desvio frente populista e unam a luta democrática a uma perspectiva anticapitalista e anti-imperialista.

 

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