Independentemente dos desfechos que venham ter a “greve” dos policiais baianos após a prisão de seu líder, saída da assembléia legislativa, e a movimentação de diversos funcionários de distintas forças repressoras em vários Estados, como a iminente greve das polícias civil e militar e dos bombeiros no Rio de Janeiro , este movimento já deixou claro a preocupação que ele causa ã população trabalhadora, pois como ficou evidente na Bahia estes “grevistas” tem métodos um tanto especiais de “luta”, como o assassinato de moradores de rua e amedrontamento da população.
A mídia e o governo Dilma também se preocupam. Não se preocupam porque o fortalecimento e “dignidade” das forças que garantem ã ordem no país, em benefício da propriedade privada, seja algo que temam, muito pelo contrário, mas porque animaram tanto as forças policiais no país, aumentando seu efetivo e equipamentos, lhe dando carta branca, fazendo campanha ideológica, etc, que o feitiço ganhou vida própria e não sabem como conter as intermináveis ambições salariais dos “heróis” que eles mesmos criaram.
De nenhuma parte há divergência com o objetivo estratégico: fortalecer as forças repressoras. As divergências estão em como fazê-lo, que níveis salariais manter e prever, com tal ou qual respeito imediato ã hierarquia militar.
Aos trabalhadores estes eventos que tem se desenvolvido intensamente nos últimos dias, e prometem seguir com a prisão do líder dos bombeiros cariocas pelo governador Sérgio Cabral e a iminente declaração de "greve" no Rio, são uma oportunidade para avançar em uma visão crítica, que dista diametralmente do defendido por toda a esquerda brasileira, e ver claramente que as forças repressoras, polícia civil, militar, e bombeiros militares, não são assalariados como quaisquer outros, são cães de guarda da burguesia, e tal como alguns cães atacam seu dono. Foram treinados e selecionados para fazer uma e só coisa: defender a propriedade privada, matar pobres e negros, realizar repressão política atacando os trabalhadores e movimentos sociais, e mesmo quando quebram a hierarquia, “lutam” fazendo justamente o mesmo. O exemplo da Bahia está aí para todos verem.
A “luta” dos policiais baianos: diferenças e continuidades com a histórica campanha de assassinatos que precede o Carnaval, o infame “Faxinaço”
Em Salvador os militantes populares e da esquerda há muitos anos chamam um surto de violência policial que precede o Carnaval de “faxinaço”. Este ano o “faxinaço” foi igual e diferente ao mesmo tempo. Neste ano diferente dos anteriores a polícia ameaçava que não haveria carnaval se não tivessem suas reivindicações atendidas. E em grande parte tiveram, recebendo substanciais aumentos. Isto foi diferente dos outros anos. Seu “método de luta” no entanto teve mais pontos de contato com anos anteriores, com a exceção da tomada da Assembléia Legislativa. Esta polícia que é das mais assassinas do país, que tem intermináveis laços e constitui grupos de extermínio realizou seus serviços com uma presteza superior a observada previamente. Os índices de assassinatos estão mais de 100% maiores que a média histórica e mais de 40% dos mortos são pessoas sem identificação, mostrando a grande “faxina” dos moradores de rua que realizam com sua “luta”.
O governo baiano (PT) e o federal utilizam ás meias estes fatos. Não podem se indispor acusando o conjunto de suas forças repressivas de serem assassinas, nem podem deixar de usar isto para melhorar sua correlação de forças nas negociações salariais em curso. A oposição carlista (DEM) e tucana também não consegue usar isto plenamente, pois o dirigente dos policiais baianos é filiado ao PSDB e querem desgastar o PT mas não ao custo de minar as forças de repressão do Estado burguês.
Só os policiais e a esquerda sem uma estratégia revolucionária que os acompanha acusa exclusivamente “bandidos oportunistas”, o governo e a mídia por estes fatos. Os melhores exemplares desta esquerda que apóia as forças policiais são PSOL e PSTU, mas diversos grupos pequenos e locais o fazem país afora como o MNN na USP, entre outros.
Pano de fundo nacional para a situação na Bahia e Rio de Janeiro
A mais de uma semana o estado da Bahia, e particularmente sua capital Salvador vivem um clima de desestabilização fruto da paralisação dos policiais militares. Não faltam denúncias de assassinatos de moradores de rua, pobres em ocupações urbanas e saques nos últimos dias, em alguns casos com denúncias de serem incentivadas pela policia. Até o momento são mais de 150 homicídios na região de Salvador desde o início da greve.
O rápido deslocamento de 3500 homens do exército pelo Governo Federal para a Bahia e a promessa de 14mil soldados para o Rio de Janeiro tem a ver com um movimento que responde tanto a impedir questionamentos nestes Estados que são carros fortes da manutenção de elevadas ambições eleitorais do PT em 2012 e 2014 quanto para monitorar a perspectiva que se avizinha de uma "greve" nacional das policiais e bombeiros militares em outros estados pela emenda constitucional que lhes garantiria um piso salarial de R$ 3500,00 (conhecida como PEC 300).
Esta ofensiva reivindicação econômica dos policiais e bombeiros militares (força repressiva auxiliar mas que em localidades como Brasília já fazem policiamento ostensivo – de rua) não caiu do céu. Isto até o os aliados do governador petista da Bahia e do aliado PMDB no Rio de Janeiro sabem. O conflito na Bahia segue em aberto, e suas vias de contágio podem tomar proporções nacionais caso a greve se concretize no RJ hoje, 9/2, e dar um salto de qualidade caso afetem verdadeiramente o carnaval.
Há quem veja nesta greve uma justa reivindicação de assalariados mal-remunerados, posição que discordamos e discorremos abaixo. De nossa parte vemos a mobilização por uma reivindicação salarial de uma força assassina e repressora dos trabalhadores. A vitória dos policiais e bombeiros não seria uma vitória para os trabalahdores. Sua vitória seria o braço armado da burguesia estar melhor remunerado, satisfeito, para realizar sua função, atacar os trabalhadores e os pobres.
Polícia: fortalecimento de efetivo, equipamentos e seu ganho ideológico frente ás massas como motor de seus motins
Nos principais estados da Federação os gastos da secretária de segurança (sem incluir soldos na maioria dos casos) ultrapassam ou se aproximam dos gastos da secretaria de educação, beirando os 10% do orçamento (5,36% DF; 6,0% Ceará; 7,23% no RS; 10,13% na Bahia; 11,85% no Rio; 10,69% em SP; 10,8% em MG; 10,83% em PE).
Com o avanço objetivo do efetivo das tropas (só no Rio de Janeiro são quase 20 mil policias militares só nos últimos 5 anos), em um clima nacional de crescimento econômico e consumismo, os policiais buscam arrancar melhores salários fortalecidos por esta força objetiva que ganharam e por toda força ideológica a partir das UPPs, programas de TV e ainda por filmes de grande sucesso como Tropa de Elite.
Com uma população quase oito vezes menor que a dos Estados Unidos, o estado de São Paulo registrou 6,3% mais mortes cometidas por policiais militares do que todos os EUA em cinco anos, levando em conta todas as forças policiais daquele país. Mortes estas que são subnotificadas e classificadas como “autos-de-resistências”, “resistência seguida de morte”, mas a própria ONU afirma em diversos estudos que há evidências, claras, que a ampla maioria destes supostos autos-de-resistência são na verdade execuções sumárias. Estes são os assalariados que PSOL, PSTU e vários outras correntes apóiam. Gente que “trabalha” matando pobres e negros.
No Brasil de governo petista segue a violência policial, a impunidade aos torturadores da ditadura, aos responsáveis pelas chacinas de Carajás, Candelária e Carandiru, e todo um clima de crescimento econômico com militarização social. O caso mais emblemático desse projeto, desenvolvido no Rio de Janeiro para ser exportado ã Bahia e ao restante do país, são as "Unidade de Policia Pacificadora"(UPPs), que em nome do "combate ao tráfico", ocupam os morros cariocas combinado com cosméticas concessões sociais, criando todo um clima de militarização social, que em tempos de Copa do Mundo, Olimpíadas e crise capitalista em um país com um dos maiores índices de rotatividade do trabalho do mundo e com um gravíssimo problema de habitação, é estratégico e fundamental para os grandes empresários e a burguesia internacional. Ter centenas de policiais nas portas das casas dos trabalhadores facilita seu controle, impedir sua revolta. As UPPs são desenhadas para saturar as comunidades com um policial a cada 80 habitantes, proporção que só se compara com o efetivo que Israel dispõe frente a sua população civil somada a dos Palestinos.
Enquanto milhões seguem sem moradia, com empregos precários, saúde e educação pública de péssima qualidade, não faltam verbas regionais e federais para o fortalecimento do aparato repressivo no país da Tropa de Elite e dos capitães Nascimento, apesar da dificuldade momentânea do governo em lidar com essa crise.
Estamos com Jirau, com a USP, com o Pinheirinho, e não com nossos carrascos
Em um momento de estabilidade social e consumismo, a maior parte dos trabalhadores mantém ilusões nessa instituição repressiva. Pensam que com a “ordem” virá o “progresso”. Que depois das UPPs viriam avanços sociais. Por hora o que se vê além de uma sala de cinema no Alemão, uma piscina na Rocinha, é a supressão de direitos civis elementares como o direito de ir e vir, expressão, associação e uma enxurrada de contas e uma expulsão invisível, pela via do endividamento, destes moradores que estão incomodamente ainda vivendo em terrenos que agora valem várias vezes mais do que antes das UPPs.
O avanço da crise econômica mundial que levará a vias de contágio em nosso país e as lutas decorrentes desse processo poderá mostrar a amplas massas de nosso país, o que os lutadores de Jirau, da USP, do Pinheirinho e os sem-terra e sem-teto pelo país afora já sabem: os policiais estão a serviço de manter a estabilidade e a ordem social capitalista, reprimindo todo tipo de manifestação que busque questionar esses pilares.
Uma esquerda que não aprende nada com a história recente (nem falar da tradição marxista)
Uma grande barreira nesse processo é o papel que cumpre a esquerda brasileira. A reboque da direita, e não tirando lição alguma das diversas mobilizações do aparato repressivo apoiada nos últimos anos ou da repressão policial ocorrida a semanas atrás no Pinheirinho, mais uma vez PSOL e PSTU são entusiastas da greve da PM na Bahia, como foram em todos os processos de greves policiais nos últimos anos e alçam como é o caso do PSTU em seu último panfleto para desde a iminente greve no Rio de Janeiro chamar a uma greve nacional pela PEC 300 (ver “Todo apoio à luta dos policiais militares, bombeiros e policiais civis por salário justo, dignidade e respeito!”, disponível em seu site).
Mais do que isto: a rapidez com que respondem e mobilizam seus partidos chama a atenção; quisera que a brava luta dos trabalhadores de Jirau tivesse recebido a solidariedade nacional que recebeu a luta dos bombeiros cariocas em 2011. A hierarquia com que apóiam essas greves reacionárias é maior do que o apoio ã metade dos trabalhadores brasileiros, os terceirizados e temporários.
Independente de sua origem social, os policiais são um destacamento fundamental para a manutenção da estabilidade burguesa. Buscam com suas atuais greves melhores salários, melhores condições de trabalho, melhores equipamentos, viaturas, armas, projéteis e coletes para reprimir a população, em primeiro lugar, os jovens, os negros e pobres.
Utilizando a lógica formal, PSOL e PSTU fecham os olhos para essa questão estrutural e enxergam na suposta crise - chegando ao absurdo de que, em processos como no Ceará o PSTU chegar a definições como crise revolucionária - a via de resposta para a divisão do aparato das forças repressivas, quando na verdade, por mais que as greves de policiais desestabilizem momentaneamente o governo ou até mesmo o regime, seu resultado é concretamente um fortalecimento do próprio regime, e mais ainda do Estado, na medida em que se aprimoram as condições sob as quais os policiais exercem seu ofício, isto é, a repressão política e a defesa da propriedade privada.
É um fato evidente que as “greves” de policiais e bombeiros criam uma desestabilização dos governos e regimes. Mas não toda desestabilização é favorável aos trabalhadores. Na Bahia ocorre uma desestabilização reacionária ás custas de dezenas de moradores de rua, pobres e negros mortos pelos policiais “em luta”. A vitória deste movimento que desestabiliza o regime não seria um aprofundamento da desestabilização, ao contrário, levaria as forças policiais a estarem melhor remuneradas para realizar sua função social, garantir a propriedade privada e os interesses da burguesia em geral. Fortaleceria o Estado burguês.
Estas questões poderiam ser apreendidas de “greves” policiais recentes, como alguns anos atrás em Alagoas quando houve greve de todo funcionalismo, incluindo a polícia, e satisfeitas as demandas da polícia, esta voltou-se contra o funcionalismo. A mesma posição também poderia apreendida desde a tradição do marxismo revolucionário. Trotsky, em um artigo compilado em Revolução e Contra-Revolução na Alemanha, afirma:
“o fato dos agentes de polícia terem sido recrutados em grande parte entre os social-democratas, não quer dizer absolutamente nada. Aqui também a existência determina a consciência. O operário que se torna policial a serviço do estado capitalista é um policial burguês e não um operário. Durante estes últimos anos, estes policiais tiveram que lutar muito mais contra os operários revolucionários do que contra os estudantes nacional-socialistas. E uma tal escola não fica sem deixar traços. O mais importante, porém, é que todo policial sabe que os governos mudam, mas a polícia fica” (página 143, Lisboa: Centro do Livro Brasileiro, sem data).
Partindo desta citação como experiência histórica transformada em teoria pelo grande dirigente revolucionário russo, como pensaríamos nossos tempos? Os policiais recrutados do proletariado e camadas ainda mais inferiores da população passam por qual escola? Uma de se enfrentar com os latifundiários, empresários, ou pela escola dos autos-de-resistência e UPPs? E isto faria o que em sua mentalidade?
Só não vê isto quem não quer por sua deriva estratégia (PSTU) ou porque está engajado em uma operação muito superior de encobrimento e elogio aos assassinatos de pobres como se fosse uma forma de mobilização. É um vergonha que uma organização que se reivindica trotskista como o PSTU não denuncie os assassinatos de moradores de rua pela polícia na Bahia. E ainda mais degradante é a posição da deputada estadual Janira Rocha (PSOL-RJ). Esta senhora é porta-voz informal dos policiais e bombeiros do Rio de Janeiro junto a Wagner Montes (PDT, o apresentador do sanguinário e heteronormativo programa de TV “Balanço Geral”). Anteontem em pronunciamento na ALERJ ela afirmava:
“A despeito das notícias de que o movimento articula as piores coisas em relação ã população, no Rio de Janeiro, as pessoas que estão se mobilizando para construir aqui uma greve, uma operação padrão – eles vão discutir o que será na sexta-feira – têm, sim, preocupação com a população. Eles estão discutindo a garantia do efetivo de 30%, eles vão mandar recado para a bandidagem, eles vão dizer para a bandidagem que não permitirão o que está acontecendo em alguns rincões na Bahia. Aqui o crime, os corruptos de toda ordem não vão pensar, só porque haverá uma greve, que poderão fazer o que quiserem porque existirá uma mobilização. Muito pelo contrário, eles vão estar mais atentos ainda e alguns criminosos que durante o processo normal não caem nas mãos da polícia talvez durante a greve venham a cair .” (segundo discurso de 07/02/2012, grifo nosso, ver o discurso completo em www.janirarocha.com.br)
O que pode significar que os policiais em greve farão mais do que fazem normalmente, que prenderão Cabral, Eike, Cavendish, ou que tal como na Bahia usaram sua “luta” para desenvolver um faxinaço no Rio? Esta senhora não só ignora os assassinatos na Bahia mas parece apoiar este “método de luta” no Rio.
Não serão com chamados em panfletos, discursos em apoio, que os trabalhadores influirão nas forças de segurança, as quebrarão e destruirão. São utópicos os chamados do tipo que faz o PSTU, como o seguinte: “Fazemos um chamado aos policiais para que reflitam no momento de acatar uma ordem do governador ou dos comandantes para reprimir os trabalhadores ou os estudantes.” (no panfleto supracitado). Estes chamados do PSTU semeiam a ilusão que com propaganda será possível quebrar uma força treinada diariamente para defender a burguesia.
De nossa parte, seguiremos lutando para que os trabalhadores construam sua solidariedade de classe, em suas greves, piquetes e na auto-defesa, a fortaleza para se enfrentarem com todas as questões que um processo revolucionário colocará em nosso país. O exemplo para os trabalhadores brasileiros não está nos bombeiros cariocas e nem nos policiais baianos, mas na juventude e nos trabalhadores egípcios que seguem mostrando nas ruas e nos enfrentamentos contra a mesma polícia que somente a luta independente fará as mobilizações avançar. Nutrir qualquer ilusão nessa instituição é preparar a luta dos trabalhadores ã derrota.
Nenhum apoio ás “greves” de policiais e bombeiros! Não ao PEC 300! Retirada de todas tropas federais e do exército de todos os Estados! Verbas públicas para a educação e saúde públicas! Pela investigação independente realizada por organizações de diretos humanos, populares e sindicais, de todas as chacinas realizadas pela polícia na Bahia! Punição de todos policiais culpados! Pela indenização pelo governo do Estado de todos os pequenos comerciantes baianos prejudicados! Pela dissolução de todas forças policiais!
LIGA ESTRATÉGIA REVOLUCIONáRIA - QUARTA INTERNACIONAL (09/02/2012)
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