WEB   |   FACEBOOK   |   TVPTS

 
Uma polêmica com Francisco de Oliveira
por : Edison Salles , Ronaldo Fonseca

01 Sep 2004 |

Francisco de Oliveira é um intelectual amplamente reconhecido tanto nos meios acadêmicos quanto na esquerda brasileira. Depois de longos anos de colaboração teórica e política com o PT, através do Centro de Estudos dos Direitos de Cidadania da USP, rompeu com o partido em fins de 2003. Nos últimos meses, tem animado junto a outros intelectuais o projeto do PSOL. Queremos neste artigo iniciar uma crítica a seu ensaio recém publicado “O Ornitorrinco” (2003), e indicar, por um lado, os laços teóricos e políticos que o ligam ã sua Crítica ã Razão Dualista, obra escrita em 1972, e, por outro, os pontos em que se distancia da análise contida naquele que já é um li-vro clássico no Brasil.

Introdução

A história recente do Brasil fez ressurgir questões fundamentais, na política, na economia e no âmbito social. Quando o Partido dos Trabalhadores venceu a eleição de 2002, parte significativa da opinião pública, do mundo acadêmico-intelectual e de setores do movimento de massas adquiriu a esperança, solapada historicamente pelo dito “campo conservador”, isto é, pela classe dominante, de conquistar aquilo que o PT lhes prometeu ao longo de duas décadas de atividade política ostensiva: melhores condições de vida, distribuição de renda, participação na política decisória e eticidade pública são algumas das resoluções prometeicas nas quais o PT “educou” politicamente milhões de pessoas. A constelação de intelectuais e professores aca-dêmicos que participaram direta e indiretamente, consciente e “inconscientemente”, orgânica e “inorganicamente” desse projeto político é enorme. Indiscutivelmente, nunca na história brasileira um partido político e um projeto-programa vinculado ã esquerda arregimentou uma parcela tão grande da intelligentsia.

Também nesse sentido, a eleição do Partido dos Trabalhadores trouxe uma ebu-lição intelectual e política que mudará sobremaneira os rumos da luta de classes no Brasil. Colocando em suspenso as diversas indagações ligadas ao balanço histórico do PT e ás questões de programa, estratégia e tática que devem ser respondidas para superar definitivamente essa experiência histórica, e focando apenas a questão das principais análises teóricas dos intelectuais (ex) petistas, buscaremos no presente artigo empreender uma abordagem crítico-revolucionária de um dos sociólogos mais importantes para o debate intelectual brasileiro, tanto no passado como no atual es-tágio do pensamento social no país. Tomaremos como base o livro de Francisco de Oliveira que reúne o texto integral da Crítica ã Razão Dualista e o ensaio “O Orni-torrinco” (Ed. Boitempo), o qual criou frisson na medida em que discorre sobre os “descaminhos” do petismo no comando do Estado burguês brasileiro, bem como a “rendição” ao capital financeiro imperialista e a “insuficiência” na estruturação de um projeto político-econômico visando a retirar o país dos programas de ajuste con-servador impostos pelos organismos de dominação das burguesias imperialistas. A tese sobre a “nova classe” surge como tentativa de explicação para aliviar a perplexi-dade quase geral, depois de confirmada a dura realidade do governo Lula.

Procuraremos apontar em que aspectos a Crítica ã Razão Dualista rompe com as interpretações burguesas dominantes acerca do capitalismo brasileiro, e em que pontos se revela sua profunda inconsistência, ao não desenvolver os elementos po-sitivos de análise a partir de uma perspectiva revolucionária do ponto de vista dos trabalhadores. Apontando as razões dessa inconsistência, e atravessando a transição marcada pelo período petista, ao longo dos anos 1980 e 1990, buscaremos mostrar como e porque se deu o retrocesso presente nas teses do “Ornitorrinco”, evidente a partir da comparação entre o Francisco de Oliveira de 1972 e o de 2003. No percurso, o contraponto com a teoria da revolução permanente de Trotsky será referência obri-gatória, não apenas pelo valor intrínseco dessa teoria para compreender os países de desenvolvimento capitalista atrasado como o Brasil, mas também para apontar a incongruência de Oliveira ao tentar se apoiar em aspectos isolados da teoria de Trotsky separando-os de uma concepção de conjunto, coerente com os enunciados que reivindica.

As antinomias da Crítica ã Razão Dualista

Do ponto de vista de uma compreensão marxista da formação e do desenvolvi-mento do capitalismo brasileiro, a Crítica ã Razão Dualista constitui uma tentativa de se contrapor ao dualismo da Cepal e ao evolucionismo corrente não apenas nas visões tradicionais burguesas, mas também no etapismo stalinista, como de fato ex-plicita o próprio autor, buscando sustentação na teoria do desenvolvimento desigual e com-binado, elaborada originalmente por Trotsky. Por outro lado, como ficará evi-dente, Oliveira não leva até as últimas conseqüências o elevado arsenal teórico esco-lhido por ele mesmo para empreender esse necessário combate teórico e político. Is-so porque, ao tentar transformar essa teoria em um mero marco analítico, destituído da perspectiva revolucionária que a torna viva, Francisco de Oliveira cai numa série de inconsistências.

Uma tentativa de explicar o Brasil pela ótica marxista

Comecemos reafirmando que a CRD faz parte do restrito grupo de livros consi-derados clássicos na compreensão da formação e da estrutura da sociedade burguesa brasileira, juntamente com Caio Prado Jr., Florestan Fernandes, Octavio Ianni, Nelson Werneck Sodré e Fernando Henrique Cardoso, para citar os maiores expoentes (inde-pendente das grandes diferenças entre as teses que defende cada um desses autores). Particularmente, a obra de Francisco de Oliveira constitui um aporte para o pensamento de esquerda no confronto com outras interpretações teóricas, principalmente com as construções conceituais da matriz weberiano-cultural. O cientista político Décio Saes aponta duas dessas formulações de veio weberiano que disputam com o marxismo a hegemonia do pensamento social brasileiro; assim ele nos diz “... sobre a evolução do Estado no Brasil” duas linhas competem com a teoria marxista, “a primeira delas se caracteriza pela defesa da tese segundo a qual tem ocorrido, ao longo da evolução histórica do Brasil ‘a preponderância do poder privado sobre o Estado’”1 e a outra “segunda grande concepção não-marxista sobre a evolução do Estado no Brasil, ca-racteriza-se pela defesa da tese de que um Estado patrimonial teria estado presente ao longo de toda a evolução histórica do Brasil. Esse tipo de Estado se caracteriza pe-la privatização dos cargos públicos”2. Por exemplo, Sérgio Buarque de Hollanda, um dos pais da ciência política brasileira, defendia a tese segundo a qual a falta de “racio-nalidade societal” de nossas relações sócio-culturais resultou no “gigantismo” de nosso Estado - constantemente interventor, exageradamente paternalista e inco-mensuravelmente inchado nas suas atribuições administrativas e gestionárias. A formulação clássica3 de SBH e de seus epígonos só “esqueceu de perguntar-se” quem historicamente se beneficiou da constância interventora, do exagero paternalista e da administração inchada! É evidente, de acordo com dados estatísticos sobre nos-sa situação social, que não foram as classes trabalhadoras que retiraram seu quinhão do nosso “apavorante” e “monstruoso” Estado. Sem dúvida, e de forma indelével, a burguesia nacional (que por sua fraqueza precisou do intervencionismo estatal), em conjunto com a burguesia imperialista, são os setores sociais historicamente favore-cidos por essa característica estatista.

Em sua CRD, Oliveira aporta teoricamente objetivando desconstruir a argumen-tação acima referida. Partindo de buscar estabelecer o real papel do Estado no desen-volvimento industrial brasileiro, e em particular da legislação trabalhista como política de Estado para favorecer a acumulação burguesa, Oliveira contraria os epígonos de SBH4 - que no que concerne à legislação trabalhista pós-1930, dizem que se criou no Brasil uma política salarial corporativista e de cunho populista, através de medidas artificiais empregadas pelo Estado varguista. Sobre isto Oliveira responde: “Em primei-ro lugar, é estranha a abstração que se faz do papel do Estado na própria criação do mercado: a que mercado se referem, quando dizem que os níveis do salário mínimo fo-ram ou são fixados acima do que se poderia esperar num mercado livre?” E mais abai-xo: “Importa não esquecer que a legislação interpretou o salário mínimo rigorosamente como salário de subsistência, isto é, de reprodução...”5 Deste modo, o Estado burguês brasileiro, intervindo para fomentar o modo de produção capitalista e promover sua expansão na medida em que nossas classes burguesas são débeis, criou uma política salarial ratificada pela legislação trabalhista de rebaixamento do conjunto do salariato - de tal modo que permitiu ã burguesia um espaço significativo para o incremento do capital. Se por um lado o Estado deprimiu o salário depreciando sobremaneira o nível de vida das classes trabalhadoras, por outro lado configurou as bases da descomunal concentração de capital nas mãos de um setor capitalista; sobre isto consta na CRD:

[...] se o salário fosse determinado por qualquer espécie de mercado livre, na acepção da teoria da concorrência perfeita, é provável que ele subisse para algumas categorias operárias especializadas; a regulamentação das leis do trabalho operou a reconversão a um denominador comum de todas as cate-gorias, com o que antes de prejudicar a acumulação, beneficiou-a.6

Buscando explicar a especificidade do desenvolvimento capitalista brasileiro, Francisco de Oliveira dá um passo além do “lugar comum” da chamada “substituição de importações”, polemizando com a errônea visão da Cepal7 de que o desenvolvi-mento do capital e sua valorização se realizariam no “mercado” com a dinâmica dos preços, ou seja: a Cepal argumenta que um dos elementos constitutivos do processo de industrialização brasileiro, a substituição das importações, pautava-se nas neces-sidades do consumo, e não nas necessidades da produção. A conseqüência dessa tese é o desprezo pela divisão da sociedade em classes como motor do desenvolvimen-to do capitalismo - este tipo de abordagem da Cepal, balizada pela economia margina-lista-neoclássica8, tem como característica (implícita no caso cepalino) uma crítica contra a teoria do valor de Marx -, enfatizando o aspecto do consumo, considerado por eles como fundamento para a evolução da sociedade moderna. Assim, Francisco de Oliveira na CRD descreve a concepção da Cepal: “Parece, assim”, para ela:

“que a industrialização substitutiva de importações funda-se numa neces-sidade do consumo e não numa necessidade da produção, verbi gratiae, da acumulação; além disso, as formas de consumo impostas de fora para dentro parecem não ter nada que ver com a estrutura de classes...”9.

Contra essa visão, Oliveira sustenta o argumento de que o contexto internacional forçou a alteração no programa de acumulação do capital da burguesia brasileira. Es-te processo, segundo a CRD, foi efetivado com o objetivo claro de satisfazer as “ne-cessidades de acumulação”.

Fincadas as bases econômico-materiais da evolução do processo de industriali-zação, com a fixação do salário mínimo e a formação do programa de produção de bens de consumo duráveis e de capital, o Brasil marcha na trilha da modernização ca-pitalista. A função da agricultura de subsistência e de seu excedente articula-se dia-leticamente com a disposição de acumulação concentrada de capital formando um processo combinado, já que o conjunto das relações modernas de produção capitalista se apropria e se apóia indefectivelmente em nosso atraso expressado pelo setor agrí-cola. Sobre esse ponto se dá uma das inflexões importantes com respeito ã tradição interpretativa cepalina sobre “a função da agricultura de subsistência para a acumu-lação interna de capital. Aqui, a Cepal, Prebisch e Furtado haviam empacado com a tese do setor atrasado como obstáculo ao desenvolvimento”. Sumariando a tese de-fendida por Francisco de Oliveira, pode-se dizer que a não superação da problemática agrária10 “permitiu” a manutenção da força de trabalho a níveis reduzidíssimos, circuns-tância esta que permitiu uma acumulação de capital e um incremento industrial com maior intensidade e viabilidade: “Sustentei, então, que a agricultura atrasada financiava a agricultura moderna e a industrialização”. Ainda de acordo com o autor, a prevalência de mecanismos de atraso no nosso sistema agrícola forneceu para os centros urbanos industrializados um “enorme contingente de mão de obra” e uma ampla “expansão do exército industrial de reserva”. Diz ele:

“as culturas de subsistência tanto ajudavam a baixar o custo de reprodução da força de trabalho nas cidades, o que facilitava a acumulação de capital industrial, quanto produziam um excedente não-reinvertível em si mesmo, que se escoava para financiar a acumulação urbana”.11

Aqui, mais uma vez, evidencia-se a repressão sistemática sobre os salários como pilar da expansão capitalista brasileira12. Desse modo, é de Francisco de Oliveira o mérito por desvendar as relações efetivas entre esses elementos constitutivos do desenvolvimento capitalista no Brasil: “Esse conjunto de imbricações entre agricultura de subsistência, sistema bancário, financiamento da acumulação industrial e bara-teamento da reprodução da força de trabalho nas cidades constituía o fulcro do pro-cesso de expansão capitalista, que havia deixado de ser percebido pela teorização ce-palino-furtadiana”.

Por último, o sistemático e ostensivo rebaixamento do custo da força de trabalho é completado por um relacionamento urbano caótico e antidemocrático (já que a questão habitacional é um dos elementos constitutivos das demandas democráticas) para as classes trabalhadoras, de modo a reduzir o custo de reprodução da força de trabalho, através da criação de mutirões (e hoje de centros habitacionais nas periferias), inva-riavelmente realizados pelos próprios proprietários, “impossibilitando” a exigência de melhores salários e condições de vida mais dignas para o operariado. Durante o pro-cesso de expansão capitalista baseado na intensa exploração da força de trabalho, nas palavras de Francisco de Oliveira: “Uma não-insignificante porcentagem das residências das classes trabalhadoras foi construída pelos próprios proprietários, utilizando dias de folga, fins de semana e formas de cooperação como o mutirão”, e “assim, uma ope-ração que é, na aparência, uma sobrevivência de práticas de ‘economia natural’ dentro das cidades, casa-se admiravelmente bem com um processo de expansão capitalista, que tem uma de suas bases e seu dinamismo na intensa exploração da força de trabalho”.13

As conclusões tiradas e suas inconsistências

Expostos então dessa maneira os elementos que se colocariam como fundantes do capitalismo nacional, Francisco de Oliveira sistematiza os termos de sua polêmica e explicita a conclusão “econômica” (e logo política) de sua análise:

Tive que entrar em forte discordância com as teorias do atraso na agricultura como fator impeditivo, com a do “inchaço” das cidades como marginalidade, com a da incompatibilidade da legislação do salário mínimo com a acumulação de capital, o que não quer dizer que as considerasse fundamentos sólidos pa-ra a expansão capitalista; ao contrário, sua debilidade residia e reside ainda precisamente na má distribuição de renda que estrutura, que constituirá sério empecilho para a futura acumulação.14

Ou seja, a ruptura com as visões dualistas (típicas do senso comum) e o avanço em ver o conjunto de elementos como partes de um mesmo processo integrado (uma totalidade dialética) são jogados por terra quando Oliveira eleva a “momento prepon-derante” de sua dialética a questão da distribuição de renda.15 De resto, a ênfase na má distribuição de renda como fator impeditivo (potencial) para a continuidade da ex-pansão capitalista não seria uma tentativa de convencer a burguesia de que é melhor para ela mesma redistribuir um pouco para não perder muito? Ainda que a última cita-ção trate de uma releitura problemática da CRD, feita pelo autor em seu “Ornitorrinco”, como veremos a seguir, nesse aspecto a frase citada explicita o fundo de uma questão que de fato está presente na CRD.

Para nós, essa é uma expressão dos impasses em que cai Oliveira ao não abando-nar a ilusão em uma política burguesa capaz de aplacar as injustiças engendradas pelo capitalismo no Brasil. Assim, o horizonte reformista termina não apenas amesquinhando as conclusões, mas deformando a própria realidade descrita: desse modo, a má distri-buição de renda aparece como o grande pecado dessa sociedade superexploradora, do mesmo modo como a possibilidade de transformação social, para o bem e para o mal, se restringe ã intervenção possível nesse único elemento da realidade.

No último capítulo da CRD, Oliveira analisa como com o plano de metas do go-verno Kubitschek e a economia pós-1964, respectivamente, o processo de expansão capitalista se intensifica e aprofundam-se suas contradições - o plano de metas de Juscelino (cinqüenta anos em cinco), balizado pela aceleração da industrialização, tem que recorrer a financiamentos externos, tornando nossa economia ainda mais de-pendente; na ditadura militar o nível das contradições aumenta, na medida em que a dependência externa cresce com as necessidades de incremento da economia. O di-ferencial entre os dois momentos, de acordo com Francisco de Oliveira, é que a partir de 1964, com a monopolização da economia e a intensificação dos empréstimos exter-nos, surgem com maior peso no sistema econômico brasileiro os setores financeiros ligados ao mercado de capitais, dando início ã “precoce hegemonia do capital finan-ceiro”; lembrando ainda que a característica fundante da política econômica e da “política” propriamente dita na ditadura foi a contenção repressiva do salário e a opressão política sobre os trabalhadores. Ou seja, a ditadura foi o instrumento utilizado pela burguesia para levar ao extremo esse processo que vem da própria constituição do capitalismo nacional.16 Após descrever amplamente as contradições decorrentes desse processo, Francisco de Oliveira termina afirmando:

A superação dessas contradições não é um processo que possa ocorrer es-pontaneamente, nem os deserdados do sistema podem sequer pensar que uma reconversão da economia brasileira a um padrão menos desigualitário é uma operação de pura política. No estágio atual, nenhuma das duas partes po-de pedir que abra mão de suas próprias perspectivas: nem ã burguesia se pode pedir que abra mão da perspectiva da acumulação, que é própria dela, nem ás classes trabalhadoras se pode pedir que incorporem a perspectiva da acumulação que lhe é estranha.17

Porém, o que significa do ponto de vista prático e de classe pedir que a burguesia abra mão da acumulação? Ou então, desejar e pedir que a classe trabalhadora se in-corpore ã acumulação? Essa é uma maneira extremamente confusa de colocar a ques-tão. Se do que se trata é de “pedir ã burguesia” no sentido de alimentar ilusões de que ela, de boa vontade, pode ser sujeito de alguma transformação estrutural do quadro existente, de fato não se pode pedir nada, pois significaria pedir ao senhor que deixe de ser senhor. Por outro lado, entretanto, do que se trata é de arrebatar o poder po-lítico e, com ele, o conjunto dos meios de produção da burguesia, obrigando-a a “abrir mão da perspectiva da acumulação”. Na verdade, Francisco de Oliveira coloca essas indagações para tentar ilustrar o grau de polarização das tendências nacionais, num momento em que a ditadura ainda estava no auge, porém já se incubavam suas contradições (basta assinalar que o trecho citado, e com ele o livro, termina afirmando que a disjuntiva a que tal polarização conduz é “apartheid ou revolução social”). Po-rém, se em termos históricos estaria correto colocar assim a questão, Francisco de Oliveira subestima justamente a capacidade de auto-reforma do regime, que foi a perspectiva que se confirmou. E pior, nega-se assim a ver que a continuidade da opressão de classe pode (como de fato pôde) agravar-se sem necessariamente tornar-se mais explícita (como levaria a crer a metáfora do apartheid), precisamente devido aos efeitos cosméticos da política de reação democrática (como foi o caso de nossa transição pactuada ã democracia).

Além disso, a maneira como Oliveira coloca o problema, que evidentemente já implica um campo particularmente estreito de soluções possíveis, ignora completa-mente uma das principais conquistas da teoria marxista no século passado, a qual foi justamente o desenvolvimento da teoria e do método da revolução permanente, ela-borados por Trotsky a partir do início do século XX. Partindo de uma compreensão dialética da totalidade do capitalismo mundial, Trotsky aportava ao marxismo com a concepção na qual, dado o nível de contradição entre as relações sociais de produção e o desenvolvimento das forças produtivas, haveria uma alteração crucial na correlação de forças sociais e políticas no interior das nações burguesas. De tal modo que, nos países recém entrados no sistema capitalista internacional como a Rússia e nos paí-ses semicoloniais como os da América Latina, tal alteração criaria um novo estatuto para a luta de classes e a revolução proletária. Assim, a reflexão teórica visando ao entendimento e ã superação do mundo burguês deveria focar-se na política, no sen-tido de compreender as ligações entre as contradições na estrutura econômica, suas expressões políticas e de um modo geral o conjunto de manifestações da luta de clas-ses. A. Brossat tem um comentário explicativo sobre este momento histórico:

Trotsky mostrou como, ao contrário, a revolução proletária era possível na Rússia, a partir de situar-se no ponto de vista da totalidade do sistema burguês mundial. Assim colocava em relevo como - na época em que a revolução bur-guesa já realizou globalmente seus fins históricos e o sistema burguês, tal e qual está estruturado politicamente ã escala internacional, constitui um obstá-culo ao crescimento das forças produtivas - instaura-se uma relativa auto-nomia do campo político ã escala do planeta, que invalida para sempre a ma-neira marxista vulgar de raciocinar mecanicamente sobre o curso da revolução em termos de totalidades isoladas, no marco dos Estados nacionais, pela sim-ples aplicação de um modelo histórico universal supostamente infalível.18

Ao contrário dessa perspectiva, o esquema teórico desenvolvido por Francisco de Oliveira na CRD possui uma grave insuficiência, na medida em que não capta a dialética entre a estrutura objetiva e a disposição subjetiva, ou seja, o papel que o proletariado pode ter como sujeito independente, algo imprescindível no arcabouço conceitual da teoria da revolução permanente. A defesa da economia mundial como totalidade interdependente, concepção explícita para Trotsky, é em Francisco de Oli-veira apenas abstrata e entra em gritante contradição com o ecletismo de sua obra, que reivindica o desenvolvimento desigual e combinado, porém persegue um desen-volvimento nacional capitalista autônomo.

Ao não realizar este salto metodológico (pelas razões acima descritas), Francisco de Oliveira não vislumbra nenhum caminho para o proletariado brasileiro, já que a questão fundamental seria propugnar uma saída política de independência de classe, através da qual os trabalhadores pudessem avançar em constituir-se como sujeito histórico, adquirindo e ampliando sua influência política sobre as demais classes não capitalistas, e colocando como perspectiva concreta um governo dos trabalhadores. O “economicismo” de Oliveira é apenas a contrapartida de sua ausência de confiança nessa capacidade subjetiva do proletariado para dar uma resposta revolucionária ã situação descrita. No esquema de Francisco de Oliveira, os trabalhadores existem apenas como “classe em si”.

De conjunto, poderíamos dizer que o principal problema da CRD é que ela se serve de uma espécie de teoria do desenvolvimento desigual e combinado truncada, restrita ao âmbito econômico, sem vantagem do atraso, sem negação da negação, nem transformação da quantidade em qualidade; em suma, uma visão que aprisiona a grande contribuição dialética de Trotsky a um marco formal e, quando não estático, pelo menos restrito ã uma harmonização compulsória entre os opostos. As contra-dições de classe apenas aparecem como descrição da miséria do trabalhador, mas nunca como luta de classes efetiva. Não existe em sua análise a tensão dialética entre a condição objetiva e a disposição subjetiva da classe trabalhadora. É por isso, por exemplo, que o próprio avanço do movimento de massas no pré-1964, em resposta ao qual veio o golpe, nem é nomeado na análise. De conjunto, em Oliveira, a interpene-tração dos contrários perde todo caráter explosivo, e triunfa uma espécie de “equi-líbrio” impossível, que se tem algum efeito é o de tornar opaca toda visão de futuro: daí o necessário estreitamento de perspectiva entre os dois textos, ainda que ambos sejam devedores de uma mesma matriz, a qual buscamos esboçar aqui. Sua concepção não contempla salto ou ruptura. As contradições da combinação de desigualdades não são vistas tais como são, isto é, como contradições, mas apenas como articulações de desigualdades, por assim dizer, “perfeitas”. O resultado é um todo “harmonioso”, para além de se aprovar ou não seus resultados efetivos.

A transição dos anos 1980 e 1990

Durante as décadas de 1980 e 1990, que compõem o período de transição entre a CRD e “O Ornitorrinco” e, ao mesmo tempo, configuram os anos de engajamento do sociólogo no projeto petista, houve uma transição nas concepções e nas teses defendidas por ele.

Como se sabe, o PT foi criado a partir das greves operárias ocorridas num dos principais pólos industriais do país, e que representaram um momento histórico da luta de classes no Brasil. A evolução das greves demonstrou, por um lado, a po-tencialidade revolucionária da classe trabalhadora brasileira e exemplificou o que o movimento operário é capaz de realizar quando se organiza de forma independente. Tragicamente, por outro lado, não só as greves do ABC não atingiram o vértice de sua capacidade política (a unificação com outros setores do movimento de massas e a formação estendida de organismos de democracia direta), como também engendraram contraditoriamente o PT, isto é, um partido incapaz de expressar a independência de classe dos trabalhadores.

Francisco de Oliveira animou por vários anos o projeto de conciliação de classes do petismo e foi um dos mais vigorosos na defesa do programa “democrático-cidadão” do PT. Ele foi um intelectual de grande atuação, tanto no meio acadêmico como no político, defendendo a idéia de se chegar ao socialismo por dentro da democracia burguesa. Com isso, contrariava inclusive sua análise teórica anterior, onde havia reunido evidências suficientes para demonstrar que a burguesia brasileira, atrelada ao imperialismo, não deixaria “nichos” no interior de sua democracia de classe para o “preenchimento” pelos interesses dos trabalhadores.

Nesse sentido, a própria trajetória do PT mostrou que não bastava a defesa “in-gênua” do aprofundamento da democracia, visto que o subproduto da retórica de “defesa da democracia” foi a conciliação de classes praticada pelo partido desde sua origem, assim como as traições ás lutas reais dos trabalhadores, como por exemplo a greve dos petroleiros de 1995, na qual o PT negociava com a burguesia o fim da greve enquanto FHC ordenava a repressão dos operários paralisados, e isto porque estes, além de defender seus salários, estavam combatendo os planos de privatização do petróleo brasileiro.

Ora, Francisco de Oliveira foi, em todos os momentos, um defensor infatigável do PT, e sempre confiou que este partido, por meio de reformas democráticas, realizaria seu sonho social-democrata, adornado com o nome de “direitos do antivalor”. Quan-do dizemos que “O Ornitorrinco” é um retrocesso com relação ã CRD, é preciso ficar claro que tal regressão teve seu marco inicial no advento do PT e em sua participação orgânica no mesmo.

É o que se expressa em textos como “O surgimento do antivalor” e “A economia política da social-democracia”19, escritos nesse período de transição. Isso porque, no plano teórico, Francisco de Oliveira não apresenta elementos dissonantes de sua militância política. O ponto nevrálgico dessa elaboração de Oliveira é o conceito de antivalor - através do qual o autor busca demonstrar que a evolução da economia mundial levaria ao esvaecimento da teoria do valor, na medida em que a composição do salário indireto (previdência, seguro desemprego, benefícios sociais) estaria colo-cando o núcleo de composição do salário direto em questão, assim como os investi-mentos estatais (fundo público e financiamento público) na produção determinariam uma nova forma de incremento, de tal modo que a composição orgânica de capital-valor não estaria determinada pelas relações sociais de produção e por sua conexão interna. A principal conseqüência política seria então a necessidade de alargamento da democracia e da esfera pública, intuindo a consecução do projeto do antivalor.

Finalmente, a crença de Francisco de Oliveira de que o Partido dos Trabalhadores realizaria o projeto do antivalor foi completamente para o ralo após a eleição de 2002. O sociólogo, tanto não “enxergou” as traições contidas na história do partido, como não analisou teoricamente (como todo nacional-reformista) a situação do sistema político-econômico internacional. Deste modo, seu “Ornitorrinco” surge como guarida para os que não vêem a necessidade da explicação teórico-revolucionária do país e do próprio PT. É por isso que, se as greves do final dos anos 1970 e começo dos 1980 são reações concentradas do movimento de massas ao processo relativamente captado pela CRD, a história política do PT não entra em seus ensaios posteriores. Em particular no “Ornitorrinco”, existe um certo vácuo de idéias, suficiente para que, no momento mesmo da realização de sua aposta, que sempre foi pela cidadania, distribuição de renda etc (a chegada de Lula ã presidência), o sociólogo economista não tenha nada mais a nos dizer do que esconder-se atrás da “teoria” da “nova classe”.

O retrocesso presente no “Ornitorrinco”

Difícil seria estabelecer uma comparação entre o ensaio “O Ornitorrinco” e a CRD de 1972. Não se trata apenas de que “O Ornitorrinco” apresente um tom “menos cien-tífico”, mais ensaístico, mas sim de que, vistos ambos de um ponto de vista teórico, salta aos olhos o desnível em matéria de rigor científico e metodológico. No entanto, para além do tom despojado, “O Ornitorrinco” expressa problemas diretamente ligados ã derrota de um projeto político, e ã ativação dos limites de uma incursão explicativa de-terminada. Se na CRD, como vimos, a falta de uma saída proletária levava ás incon-sistências apontadas, no “Ornitorrinco” o problema se agrava sensivelmente.

De todas as questões abordadas no livro, marcado em grande medida por uma certa tentativa de reconciliação tardia com a Cepal20, gostaríamos de salientar dois aspectos que nos parecem centrais: um, a tese de que o Brasil já teve a chance de conquistar uma localização superior na divisão internacional do trabalho, porém te-ria perdido a oportunidade. Isto ligado ã sua interpretação do significado das mu-danças tecnológicas ocorridas nas últimas décadas. O segundo aspecto sobre o qual nos deteremos é sua tese sobre o surgimento de uma “nova classe” em torno ã administração dos fundos de pensão.

Antes, do ponto de vista teórico, chamemos a atenção para o ecletismo presente no “Ornitorrinco”: o ensaio de fato se constitui como um amálgama de sociologia pós-moderna, revalorização do pensamento da Cepal, elementos de marxismo, defesa do Welfare State, e por aí vai! Este ecletismo é o motivo principal da fraqueza teórica do tex-to. Tanto é assim, que a releitura que se faz da CRD enfatiza justamente estes aspectos; no “Ornitorrinco”, a CRD aparece como manifestamente eclética: “como ‘crítica’, ela pertence ao campo marxista, e, como especificidade, ao campo cepalino”. Nesse mesmo sentido, prossegue em tom de desculpas: “Embora arroubos do tempo (!) tenham-lhe inscrito invectivas contra os cepalinos, eu já me penitenciei desses equívocos, a for-ma tosca de ajudar a introduzir novos elementos na construção da especificidade da forma brasileira do subdesenvolvimento”.21 Não se trata aqui de uma questão menor, pois se a força da CRD era colocar-se como um passo mais ou menos decidido rumo a uma rup-tura com a interpretação cepalina, e sua debilidade estava precisamente no fato de que não pudesse levar a perspectiva crítico-revolucionária até as últimas con-seqüências, hoje o sociólogo se apóia manifestamente no elemento mais atrasado contra o mais avançado de sua teorização. Ao relativizar sua crítica ã Cepal e, pior, atribuí-la a “arroubos” de juventude, Francisco de Oliveira dá um passo enorme... para trás.

Burguesia nacional e imperialismo

Começando então pela visão que apresenta Francisco de Oliveira sobre as dife-renças entre o que ele chama de segunda e terceira revolução industrial, diz ele:

O subdesenvolvimento pareceria ser uma evolução ás avessas: as classes dominantes, inseridas numa divisão do trabalho que opunha produtores de matérias-primas e produtores de bens de capital, optavam por uma forma de divisão do trabalho interna que preservasse a dominação: “consciência” e não acaso. Ficava aberta a porta da transformação (!).

Ou seja, o período do “subdesenvolvimento” seria marcado, em primeiro plano, pelas possibilidades que mantinha abertas e, nesse sentido, se expressa mesmo uma certa “saudade do subdesenvolvimento”. O que contrasta fortemente com a visão do presente mostrada a seguir:

Hoje, o ornitorrinco perdeu a capacidade de escolha, de “seleção”, e por isso é uma evolução truncada: como sugere a literatura da economia da tecnologia, o progresso técnico é incremental... Sendo incremental, ele depende funda-mentalmente da acumulação científico-tecnológica anterior. Enquanto o pro-gresso técnico da Segunda Revolução Industrial permitia saltar ã frente, ope-rando por rupturas sem prévia acumulação técnico-científica, por se tratar de conhecimento difuso e universal (?!), o novo conhecimento técnico-científico está trancado nas patentes, e não está disponível nas prateleiras do super-mercado das inovações... Essa combinação de descartabilidade, efemeridade e progresso incremental corta o passo ás economias e sociedades que perma-necem no rastro do conhecimento técnico-científico.

Sim, porém não se trata tanto da natureza do conhecimento respectivo a cada etapa de desenvolvimento técnico, mas das condições da economia mundial que permitiram a industrialização e das condições atuais de crise estrutural capitalista, que não dão margem a que o país participe organicamente do desenvolvimento tec-nológico. Ou seja, a questão real é a da divisão internacional do trabalho, e da curva de desenvolvimento capitalista22.

O que temos a nos perguntar é quais condições permitiram ao Brasil, no intervalo entre a crise mundial capitalista dos anos 1930 e as primeiras décadas do pós-guerra, passar de um país eminentemente agrícola a um país ainda atrasado, mas com um de-senvolvimento industrial significativo. O papel da política externa de Vargas de jogar com as brechas interimperialistas, alinhando-se primeiro com o Eixo, em particular com a Itália, e mais tarde com os EUA, foi chave para o início desse processo, assim como o foi o aproveitamento das condições do chamado “boom” econômico do pós-Segunda Guerra. Se partimos dessa explicação, vemos que não se trata tanto de uma questão de desenvolvimento tecnológico como a das patentes, mas sim de que hoje, nas condições de crise estrutural capitalista, declínio da hegemonia norte-americana e ausência de um bloco competidor capaz de se alçar ao posto de novo líder hege-mônico, não existem brechas significativas para o desenvolvimento capitalista na periferia (ainda que sim haja para a recuperação do movimento operário). Mais ainda, os anos de ofensiva imperialista “neoliberal” significaram um enorme avanço na do-minação direta das economias da periferia pelos países imperialistas centrais, através dos mecanismos da penetração direta das transnacionais, em muitos casos via pri-vatização de empresas estatais ligadas a ramos estratégicos da economia, assim co-mo pela camisa de força da dívida externa, que durante esses anos saltou a patamares inéditos e acarretou um atrelamento direto das políticas econômicas “nacionais” aos interesses do capital financeiro internacional. Essa é uma base material indiscutível para a transformação de muitos social-democratas de ontem em neoliberais de hoje, como ilustra a retórica da política externa de Lula que não consegue ir além disso, isto é, uma retórica vazia ligada a um atrelamento ímpar ao imperialismo. Nesse marco é que o fato de colocar as patentes como elemento central, não é um mero acaso, mas uma simplificação unilateral da realidade, que impede ver o conjunto das relações existentes, expressando uma concepção que poderíamos chamar de “determinista tecnológica”. Desse modo, a opressão imperialista é reduzida ã questão, importante, porém absolutamente parcial, da possibilidade ou não de acesso ã tecnologia.23

Dizemos isso porque, despida de sua “insuportável unilateralidade”, a análise aponta corretamente os mecanismos que impedem que os países chamados “emer-gentes” como o Brasil terminem de emergir, pela necessidade de investimento intensivo de capital que só pode ser alcançado reiterando a dependência e subordinação ex-terna.

Os países ou sistemas capitalistas subnacionais periféricos podem apenas copiar o descartável, mas não copiar a matriz da unidade técnico-científica... a acumulação que se realiza em termos de cópia do descartável também entra em obsolescência acelerada, e nada sobra dela... Isso exige um esforço de in-vestimento sempre além do limite das forças internas de acumulação, o que reitera os mecanismos de dependência financeira externa... Em termos bastante utilizados pelos cepalinos, a relação produto-capital se deteriora: para obter cada vez menos produto, faz-se necessário cada vez mais capital. 24

Justamente devido a esses limites, a questão do desenvolvimento tecnológico na periferia capitalista não pode ser vista de um ponto de vista evolutivo ou linear. Pelo contrário, assinalada a debilidade da burguesia nacional para lutar contra o im-perialismo, e estabelecido o papel de liderança do proletariado nesse combate, é pre-ciso reconhecer que toda revolução proletária no terreno nacional num país da periferia aposta no desenvolvimento do processo revolucionário nos países imperialistas, e em que o proletariado dos mesmos venha em seu “auxílio” trazendo o mais avançado da técnica. Por isso, para além de apoiar os passos dados pelas nações oprimidas e, evidentemente, por qualquer Estado operário, no sentido de alcançar desenvolvi-mentos técnicos e científicos independentes e de comemorar qualquer êxito econô-mico episódico, sabemos que não há possibilidade de superação por via evolutiva dos recursos de que o imperialismo dispõe, como mostraram não só a reconversão dos desenvolvimentistas de ontem em neoliberais de hoje, como também a crise da própria União Soviética e dos sonhos dos burocratas de superar o capitalismo pela via econômica, sem necessidade de alentar a revolução proletária internacional. Por isso a estratégia proletária internacionalista é não apenas a via mais econômica, co-mo de fato a única realista e possível.

Num texto escrito pouco mais de um ano após a tomada do poder pelos bol-cheviques, Trotsky afirmava:

a ditadura da classe operária russa poderá fortalecer-se e levar a cabo uma ge-nuína construção socialista em toda a linha, só a partir do momento em que a classe operária européia nos livre do jugo econômico e, especialmente, do mi-litar, da burguesia européia, quando já derrubada esta, venha em nossa ajuda com sua organização e sua tecnologia. Ao mesmo tempo, o principal papel re-volucionário será transferido ã classe operária com maior poder econômico e organizativo.25

Assim, a contribuição do proletariado dos países avançados não se limita ã ta-refa democrática importantíssima de livrar o país atrasado do jugo econômico colocado pela pesada carga das dívidas com relação aos países centrais. Há, com efeito, um se-gundo aspecto, uma contribuição “tecnológica”, quando com sua técnica avançada ajuda a superar mais rapidamente o atraso, evitando assim o surgimento da burocracia ou da restauração pura e simples. Não foi por internacionalismo abstrato que os bol-cheviques lutaram tanto pela revolução socialista na Alemanha.

Por outro lado, a incapacidade de romper de maneira irreconciliável com toda variante do ponto de vista burguês veda a possibilidade de uma tal perspectiva inter-nacionalista proletária, e leva a que se veja a relação com o imperialismo como rela-ção com um “adversário-aliado”, mas não claramente como inimigo: como fonte de conhecimento e avanço, por um lado, e por outro como obstáculo ã aquisição desse conhecimento. Essa concepção caminha lado a lado com seu esforço por encontrar uma resolução para as contradições do capitalismo brasileiro por dentro desse mesmo capitalismo.

Perspectivas teóricas e ferramentas políticas

Francisco de Oliveira se move do ponto de vista teórico no espaço aberto a par-tir da formulação geral do Imperialismo de Lênin, com a referência de análise concreta de uma formação social contida no Desenvolvimento do Capitalismo na Rússia, e fugindo do esquematismo stalinista e das diversas variantes evolucionistas e duais burguesas, busca concretizar a análise econômica marxista do Brasil. Até aí, vai bem26. O problema é preencher essa lacuna com Furtados27 e Prebisches28. Para Celso Furtado, as ferramentas de transformação são o Banco Nacional para o Desenvolvi-mento Econômico (BNDE), o Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nor-deste (GTDN), a Sudene (Superintendência para o Desenvolvimento do Nordeste), o Ministério do Planejamento etc29. Isto é, são as armas do aparato estatal capitalista, as agências para elaboração e execução das políticas nacional-desenvolvimentistas. Até porque, como afirma Francisco de Oliveira:

“a proposição de Furtado e da Cepal converte-se na mais poderosa ideologia industrialista e, ao contrário do destino de muitas ideologias, influencia e determina políticas concretas, agendas de ação de vários governos latino-americanos”.30

O problema é que Oliveira não consegue resistir ao duvidoso poder de sedução dessa mesma “poderosa ideologia”. Por isso afirma: “A singularidade do subdesen-volvimento poderia ser resolvida não-evolucionisticamente a partir de suas próprias contradições, ã condição de que a vontade das classes soubesse aproveitar a “riqueza da iniqüidade” [vantagem do atraso desfigurada?] de ser periferia.” A “vontade das classes”, como indica o prefácio de Roberto Schwarz ao ensaio31, é a fórmula em que se depositam as esperanças do autor. Note-se que há uma divisão de tarefas quase perfeita entre os distintos sujeitos no interior dessa fórmula: aos camponeses caberia lutar pela reforma agrária; aos trabalhadores, organizarem-se para conquistar a dimi-nuição da superexploração; aos capitalistas, o papel hegemônico, não só de conceder a uns e outros, mas de encabeçar propriamente o “projeto nacional”, em particular por meio da aquisição dos “meios técnicos modernos”. Nas palavras do autor:

A inserção na divisão internacional do trabalho capitalista, reiterada a cada ciclo de modernização, propiciaria os meios técnicos modernos, capazes de fazer “queimar etapas”, como os períodos Vargas e Kubitschek mostraram. O crescimento da organização dos trabalhadores poderia levar à liquidação da alta exploração propiciada pelo custo rebaixado da força de trabalho. A reforma agrária poderia liquidar tanto com a fonte fornecedora do “exército de reserva” das cidades quanto o poder patrimonialista. Mas faltou o outro lado, isto é, que o projeto emancipador fosse compartilhado pela burguesia nacional (!!!), o que não se deu. Ao contrário, ela voltou as costas ã aliança com as classes subordinadas, ela mesma já bastante enfraquecida pela invasão de seu reduto de poder de classe pela crescente internacionalização da propriedade indus-trial, sobretudo nos ramos novíssimos.32

Apenas restaria dizer que essa ilusão sustentada na burguesia brasileira se completou durante os anos no PT em algo que poderíamos chamar uma “dupla ilu-são” de Francisco de Oliveira: de um lado, na capacidade dirigente da burguesia, do outro, no projeto social-democrata. O PT seria o agente dessa convergência, e ver-dadeiro “demiurgo” (para usar uma expressão cara ao autor) da nação brasileira. Não é de se estranhar que, dado esse papel para o partido que carrega seu nome, aos tra-balhadores não fosse reservado nesse esquema um papel maior do que o de fazer a pressão necessária para que o amálgama se produzisse.

Infelizmente não podemos deixar de criticar duramente tais posicionamentos. Como marxistas revolucionários, nossa luta é para construir as ferramentas próprias da classe trabalhadora, adequadas a cada momento histórico, para justamente se contrapor tanto aos aparatos criados pela burguesia, como também aos que tentam se erguer como conciliadores dos antagonismos de classe, como o PT. De onde pode partir um marxista para tentar materializar suas idéias de transformação social? Entre a admiração pelo trabalho desenvolvido por Furtado ã frente dessas instituições, e seu próprio trabalho no Cenedic (e indiretamente no PT), Francisco de Oliveira passa longe de buscar um instrumento efetivo para a “irrupção dos trabalhadores nas decisões sobre seus destinos”. Até porque, como tentamos demonstrar, não existe para ele a possibilidade de que os trabalhadores realizem uma ação histórica inde-pendente33.

Avanço tecnológico e estrutura de classes

Para Francisco de Oliveira, os avanços técnicos e científicos dos últimos anos levaram a uma reconfiguração completa da sociedade brasileira. Sobre a situação atual e as perspectivas do Brasil, é assim que se expressa Oliveira: “Como é o ornitor-rinco? Altamente urbanizado, pouca força de trabalho e população no campo, dunque nenhum resíduo pré-capitalista; ao contrário, um forte agrobusiness”. Porém, levando assim o desenvolvimento do agrobusiness como tendência até o final, não pode ex-plicar nem mesmo o MST, que é organizado, e muito menos o conjunto da situação no campo, onde existem regiões, em particular no Nordeste e no Norte, onde o atraso está tão longe do agrobusiness como da luta organizada pela terra. Aqui não há, na análise de Francisco de Oliveira, desenvolvimento desigual e combinado. Dando se-qüência ao trecho citado, prossegue ele com sua descrição: “Um setor industrial da Segunda Revolução Industrial completo, avançando, tatibitate, pela Terceira Revo-lução, a molecular-digital ou informática”. Ou seja, exageros para ambos os lados, pois ainda que possua um desenvolvimento industrial significativo, seria difícil defender que o Brasil apresente um setor industrial “da Segunda Revolução Industrial” completo; por outro lado, se exagera no impacto negativo da “Terceira”: “Avassalada pela Terceira Revolução Industrial, ou molecular-digital, em combinação com o mo-vimento da mundialização do capital, a produtividade do trabalho dá um salto mortal em direção ã plenitude do trabalho abstrato”.34 A análise da “Terceira Revolução In-dustrial” é uma mostra do típico pensamento acadêmico que pensa os fenômenos numa só direção, unilateral e homogênea, e não desigual e combinada; Francisco de Oliveira abandona aí sua tentativa de contemplar essa lei dialética. Pior, com a ênfase na suposta “plenitude” do trabalho abstrato, preenche esse vazio com os mais surrados clichês do pós-modernismo. Dado que não nos debruçaremos aqui sobre essa ques-tão, basta assinalar que as teses sobre a hegemonia do trabalho imaterial (ou a “pleni-tude do trabalho abstrato”), de uma maneira geral, contribui para ocultar as recon-figurações reais da situação da classe trabalhadora, em benefício de visões que ten-dem a dar ao processo de valorização do capital uma independência com respeito ao trabalho assalariado que é totalmente fictícia.

Como não denunciar como unilateral uma análise que pretende que o mercado informal e o setor de serviços teriam “engolido” a indústria e o trabalho assalariado, quando numa população economicamente ativa de cerca de 80 milhões, há nada me-nos que 40 milhões de assalariados? A análise de Oliveira tende a vincular-se com os teóricos do Welfare, na medida em que ele vê apenas os direitos e benefícios do tra-balhador e a legislação trabalhista que o sustenta como maneira de mensuração do nível de configuração e força política da classe trabalhadora. Isso leva Francisco de Oliveira a não enxergar o setor informal como parte da classe e negar a possibilidade de uma união entre assalariados, informais e desempregados.

Não é evidente, por exemplo, que o crescimento do setor terciário não pode apoiar-se nas nuvens, e que por isso é maior precisamente ali onde historicamente houve maior desenvolvimento industrial? Por outro lado, esse mesmo crescimento, longe de negar a potência da classe trabalhadora, mostra uma ampliação da esfera das atividades humanas penetradas pela relação de assalariamento. Porém essa é a realidade brasileira que Francisco de Oliveira não vê. Tendo se industrializado nas condições descritas na CRD, o Brasil, no mínimo, pode regozijar-se de haver atra-vessado os sombrios anos noventa sem atingir o fosso da desindustrialização. Houve privatizações, precarização do trabalho, quebras de todo tipo e anos de estagnação capitalista, o que agravou enormemente as condições de opressão econômica sobre a classe operária e o conjunto dos explorados, porém ela está longe, muito longe, de haver sido dizimada, de haver perdido sua potência social.

O papel da “nova classe” na nova tentativa de explicação

Esta tese segue a anterior: se todo horizonte de transformação social é visto em completa dependência da iniciativa burguesa, a potência subjetiva das classes tra-balhadoras é reduzida a nada e, assim, as distinções vitais entre classe e direção e o processo trágico através do qual camarilhas pequeno-burguesas puderam apoiar-se na máquina partidária para se elevar por sobre a classe operária, sem quase resistência da esquerda, são reduzidos a um mero automatismo econômico, em que as mudanças estruturais, vistas pela ótica das unilateralidades descritas, se condensam repenti-namente em uma “nova classe”, cuja descrição, antes de explicar, obscurece o ver-dadeiro papel do PT como direção traidora da classe.

Convém iniciar aqui pela visão de Francisco de Oliveira sobre os objetivos da organização dos trabalhadores:

a organização dos trabalhadores poderia operar a transformação da estrutura desigualitária da distribuição da renda, tal como ocorreu nos subsistemas na-cionais europeus do Welfare State... A eclosão dos grandes movimentos sin-dicais nos anos 1970, de que resultou, em grande medida, o Partido dos Tra-balhadores, parecia indicar um caminho “europeu”.

Esta abordagem de Francisco de Oliveira é típica dos teóricos da social-democracia derrotados com o avanço do neoliberalismo, pois acreditavam na possibilidade (utopia reacionária) de uma economia planejada nos moldes keynesianos para melhorar o ca-pitalismo decadente, viabilizando isto através da disputa no interior da democracia burguesa (lembremos que Francisco de Oliveira sempre foi adepto da luta parlamentar e da política do voto, marca histórica do PT). Deste modo, hoje se vêem obrigados a um derrotismo falso, pois nunca colocaram a necessidade de uma direção revolucio-nária e de independência de classe para os trabalhadores lutarem contra a dita “ofen-siva” da Terceira Revolução Industrial técnico-científica, já que o desenvolvimento das forças produtivas não é um processo absolutamente autônomo, nem é seu resultado independente da luta de classes.

Para Oliveira, entretanto, o PT aparecia como grande veículo para que a classe atingisse estes (incrivelmente modestos) objetivos. O problema surgiria então depois, quando:

Esse movimento deteve-se nos anos 1980 e entrou em franca regressão a par-tir dali. As forças do trabalho já não têm “força” social, erodida pela reestru-turação produtiva e pelo trabalho abstrato-virtual e “força” política, posto que dificilmente tais mudanças na base técnico-material deixariam de repercutir na formação da classe.

Seria interessante notar ao longo do “Ornitorrinco”, principalmente na parte fi-nal do artigo, a recorrência sistemática de Francisco de Oliveira em enxergar uma im-potência nos setores dos trabalhadores em travar uma luta decidida contra o capital financeiro; esta é uma visão que cede terreno para a direita conservadora que argu-menta tendo como parâmetro a chamada “sociedade pós-industrial”, que vem levando a fragmentações na unidade do trabalho.35 Esta abordagem consta na argumentação de um dos principais teóricos da pós-modernidade, Lyotard, e de tantos outros, em sua critica ao marxismo e ao sujeito revolucionário da transformação, o proletariado.

A operação ideológica que denunciamos no dossiê teórico publicado nesta edi-ção, que tenta demonstrar que os fundamentos estruturais da estratégia marxista se modificaram, está completamente presente no “Ornitorrinco”. Daí nossa tese de que entre 1972 e 2003 houve uma gritante regressão teórica do autor. De fato, Francisco de Oliveira, como diversos outros autores que fizeram parte da moda acadêmica dos anos 1980 e 1990, se apóia nas derrotas políticas da classe operária para “naturalizar as condições emergentes da ofensiva capitalista”, com o detalhe de fechar os olhos para o papel das direções petistas nessas derrotas: “A representação de classe per-de sua base e o poder político a partir dela se estiola”. Não há como negar que tal con-cepção, ao diminuir a autonomia relativa da esfera política, nega o papel consciente dessas direções.

Explicando mais sua tese, Oliveira prossegue:

a estrutura de classes também foi truncada ou modificada: as capas mais altas do antigo proletariado converteram-se... [em] administradores de fundos de previdência complementar... fazem parte de conselhos de administração, como o do BNDES, a título de representantes dos trabalhadores (...) É isso que explica recentes convergências pragmáticas entre o PT e o PSDB, o apa-rente paradoxo de que o governo Lula realiza o programa de FHC, radicalizando-o: não se trata de equívoco, nem de tomada de empréstimo de programa, mas de uma verdadeira nova classe social, que se estrutura sobre, de um lado, técnicos e economistas doublés de banqueiros, núcleo duro do PSDB, e trabalhadores transformados em operadores de fundo de previdência, núcleo duro do PT.36

Para que não se possa dizer que exageramos a importância dada ã discussão, o próprio autor faz o paralelo direto com um dos defensores da teoria que via uma nova classe na burocracia da URSS, como é o caso de Milovan Djilas.37

Francisco de Oliveira comete aqui o mesmo erro de todos os “descobridores de ‘novas classes’”, o qual consiste em deixar de apontar a que classe real servem de instrumento essas camadas, que pontualmente em momentos específicos, cumprem um papel transitório de destaque. Esse tipo de raciocínio se assemelha à quele de-fendido por James Burnham (um ex-dirigente do SWP norte-americano nos anos 30, que logo rompeu com o trotskismo e o marxismo em 1938) acerca da “revolução dos managers”, querendo ver uma nova classe dominante onde não havia, confundindo aqueles que administram a serviço do capital com os próprios capitalistas, a quem a “teoria” da “nova classe” deixa num cômodo segundo plano. Aqui também não seria necessária a ciência, se não fosse para desvendar, sob aquilo que é ruidoso e efêmero, o que há de silencioso e estrutural. Trotsky, que em seu momento combateu as fala-ciosas teses de Burnham, deixava claro que o papel, tanto dos administradores pro-fissionais como das burocracias dóceis (que são seu perfeito correlato), é o de ins-trumento do grande capital:

“O imperialismo capitalista pode tolerar (até certo ponto) uma burocracia re-formista, sempre que esta funcione como um acionista, pequeno, porém ativo, de suas empresas imperialistas, e de seus planos e programas tanto dentro do país como em escala mundial”.38

Negando-se a ver essa realidade, Oliveira prossegue em seu procedimento que, para além da intencionalidade ou não de propósitos, ajuda a justificar o papel da dire-ção do PT:

A nova classe tem unidade de objetivos, formou-se no consenso ideológico sobre a nova função do Estado, trabalha no interior dos controles de fundos estatais e semiestatais e está no lugar que faz a ponte com o sistema financeiro. Aqui não se trata de condenação moral, mas de encontrar as razões para o que, para muitos, parece uma convergência de contrários despropositada e atentatória contra os princípios do Partido dos Trabalhadores.39

Seguramente não se trata de condenação moral, mas também não se pode cair numa tentativa de justificação moral daquilo que é injustificável, ainda mais quando deveria tratar-se de uma luta política encarniçada. Sobre isso, Trotsky, por exemplo, afirmava:

O papel dos sindicatos em nosso tempo é, pois, ou o de servir como instru-mento secundário do capitalismo imperialista para subordinar e disciplinar os operários e para impedir a revolução, ou, pelo contrário, transformar-se nas ferramentas do movimento revolucionário do proletariado.40

A questão de fundo é que Francisco de Oliveira confunde a classe com suas di-reções políticas e sindicais. Porém, se fazer isso seria cometer um grave erro metodo-lógico, com grandes conseqüências políticas, durante todo o intervalo entre os anos 1980 e 2002, na atual situação em que o descolamento entre a direção do PT e a buro-cracia sindical, por um lado, e o conjunto da classe e seus interesses, tanto imediatos quanto históricos, por outro, já beira o absurdo.

Referindo-se ao exemplo da burocracia sindical mexicana, no tempo das na-cionalizações das petrolíferas inglesas pelo general Cárdenas, dizia Trotsky:

A administração das estradas de ferro, campos petrolíferos etc, por meio de organizações operárias, não têm nada a ver com o controle operário sobre a indústria, pois a essência da questão nesta administração é que se realiza por meio da burocracia trabalhista que é independente dos operários, mas que ao contrário, depende completamente do Estado burguês. Esta medida por parte da classe dominante persegue o objetivo de disciplinar a classe operária.41

Ou seja, não é novidade o uso dos instrumentos de representação de classe dos trabalhadores pela burguesia, contra os próprios trabalhadores.

Pelo contrário, o fato de que os próprios instrumentos dos trabalhadores sejam usados pela burguesia para atacá-los, apenas reforça a necessidade de que a luta destes se torne mais implacável, como prossegue o revolucionário russo:

Em tais condições, a tarefa da vanguarda revolucionária consiste em empre-ender a luta pela completa independência dos sindicatos e pela criação de um verdadeiro controle operário sobre a atual burocracia sindical, que foi trans-formada em administradora das estradas de ferro, das empresas petrolíferas e outras. (...) Na realidade, a independência de classe dos sindicatos quanto ás suas relações com o Estado burguês, somente pode garanti-la, nas condições atuais, uma direção revolucionária.42

Não é ã toa que, ao não fazer essa diferenciação entre o conjunto da classe e as parcelas minoritárias que se descolam dela para cumprir o papel de agente inimigo, Francisco de Oliveira avança para formulações que imputam de alguma maneira ã classe em seu conjunto a responsabilidade pelas derrotas e traições, chegando assim a defender a tese de que existiria um processo em curso de “decomposição da classe trabalhadora”. Essa conclusão escandalosa é obtida partindo de um amálgama entre inovações tecnológicas, precarização do trabalho e traição política (agora aberta) do PT e da burocracia cutista, e desse aglomerado desforme tentando tirar a conclusão de que a classe estaria se “decompondo”, quando se trata precisamente do contrário.

No fim das contas, o que poderia ser um valioso aporte no sentido de identificar as raízes “sociológicas” para a consolidação da oposição de interesses entre as ca-marilhas sindicais e a base dos trabalhadores, com o efeito político de contribuir para a organização dos trabalhadores para o combate que tal oposição projeta, termina distorcido dentro do esquema montado, como se de repente o interesse maior do tra-balhador comum fosse a valorização financeira de tal ou qual fundo de pensão de sua empresa, quando na verdade essa é uma questão residual, que não compõe o campo de interesses, nem imediatos nem futuros, dos setores mais amplos da classe e é, pe-lo contrário, um objeto principal de atenção e interesse apenas para uma parcela ultra reduzida de burocratas sindicais. É isso que Oliveira não reconhece quando afirma: “Trabalhadores que ascendem a essas funções estão preocupados com a rentabi-lidade de tais fundos, que ao mesmo tempo financiam a reestruturação produtiva que produz desemprego”. Pois justamente se trata aqui de denunciar que nesse caso já não se trata mais de “trabalhadores”, mas de agentes do capital no interior da classe trabalhadora.

Conclusão: que perspectiva para a nação semicolonial brasileira?

Ao longo deste artigo, procuramos chamar a atenção para uma série de incon-sistências teóricas na obra de Oliveira. Agora cabe perguntar: a que perspectiva futura elas nos levam? Não há na própria expressão escolhida para nomear o ensaio -”or-nitorrinco”, animal evocado por seu caráter esdrúxulo, extravagante, atípico etc. - uma espécie de ironia amargurada?43 A desilusão que subjaz aqui decorre do fato de que, no fundo, Francisco de Oliveira sempre colocou o grosso de suas esperanças em sua aposta na burguesia e quase se igualaria a Hélio Jaguaribe nesse aspecto, se não fosse porque hoje, sem que sua fé na vitória dos trabalhadores tenha aumentado em nada, se tornou igualmente pessimista sobre o papel que pode desempenhar a burguesia bra-sileira. É com esse tom que o ensaio finaliza:

O ornitorrinco é isso: não há possibilidade de permanecer como subdesen-volvido e aproveitar as brechas que a Segunda Revolução Industrial pro-piciava; não há possibilidade de avançar no sentido da acumulação digital-molecular... O ornitorrinco está condenado a submeter tudo ã voracidade da financeirização, uma espécie de “buraco negro”: agora será a previdência so-cial, mas isso o privará exatamente de redistribuir a renda e criar um novo mer-cado que sentaria as bases para a acumulação digital-molecular. O ornitorrinco capitalista é uma acumulação truncada e uma sociedade desigualitária sem re-missão. Vivam Marx e Darwin: a periferia capitalista finalmente os uniu.

Esse é o beco sem saída de um pensamento caudatário da iniciativa burguesa, que apesar de suas aproximações com o marxismo, não pôde ligar-se ã perspectiva concreta da classe operária, e assim não chega e nem pode chegar a desenvolver co-mo perspectiva um plano independente de reorganização social, e menos uma estra-tégia independente capaz de levar a esse objetivo, ligando meios e fins.

É por isso que para esse pensamento não há nada na época atual além de um ho-rizonte de resignação amarga, de lástima pela conversão definitiva em “ornitorrinco” social, quando do que se trata é justamente do contrário, isto é, de que em meio a essa miséria escrupulosamente construída e reconstruída ao longo de décadas pela bur-guesia nacional, pôde se conformar, com mil e uma desigualdades e clivagens internas, um proletariado poderoso, distribuído numa produção econômica diversificada e rela-tivamente desenvolvida, concentrado em grandes centros urbanos, e com um setor operário industrial considerável em diversos ramos como os metalúrgicos, petroleiros, químicos etc, e que conformam grandes parques industriais em estados como São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Bahia e Rio Grande do Sul. Essa é uma realidade que nem a voracidade da ofensiva neoliberal transformou essencialmente e que faz da classe operária no Brasil uma potência que impõe seu peso objetivamente. A grande questão para os marxistas é, portanto, como fazer com que essa potencialidade se desenvolva concretamente do ponto de vista subjetivo, isto é, com relação ã sua capa-cidade de organizar-se a si mesma como sujeito independente. Nesse sentido cabe ape-nas apontar que hoje vivemos, tanto no plano imediato como principalmente desde uma perspectiva mais histórica, momentos de início de recuperação operária e popular no país, em particular com a experiência histórica com a direção petista.

Porque nos separamos completamente de Francisco de Oliveira nessa questão, e porque está viva nossa confiança no potencial transformador dos trabalhadores organizados enquanto classe, defendemos hoje a construção de um Partido Operário Independente, baseado nos sindicatos e controlado através destes pela base dos trabalhadores por meio de seus organismos de democracia direta, e oposto frontal-mente ã alternativa reformista do PSOL defendida por Francisco de Oliveira. Se o PSOL aparece hoje como um partido para abrigar os petistas desiludidos que, como Oliveira44, se recusam a enxergar um papel histórico independente para a classe tra-balhadora, a perspectiva de um partido operário independente se liga ã estratégia de reorganizar o conjunto da classe, de oferecer uma alternativa de massas ã desilusão com o PT, e proporcionar aos trabalhadores a condução democrática de sua ferramenta política, ao contrário do que foi a desgraçada história do PT. Essa é a única perspectiva coerente com o peso social do proletariado brasileiro e sua potencialidade para lide-rar a aliança revolucionária com a pequena-burguesia pobre das cidades e com os camponeses, de forma a tirar as classes populares do Brasil de sua prostração. É tam-bém a única resposta ampla capaz de acelerar o processo de formação de uma van-guarda revolucionária da classe trabalhadora.

Por isso combatemos as teses de “O Ornitorrinco”, as quais no momento atual exercem um papel regressivo ao mostrar como estruturalmente impotente a única for-ça social capaz, se avança em sua independência política com relação ã burguesia, de hegemonizar o conjunto das classes exploradas. Dizemos abertamente que a única alternativa realista é o poder operário, oposto pelo vértice ás utopias de Furtado ou Jaguaribe, que tentam obrigar a burguesia brasileira a gastar menos e investir em de-senvolvimento social. Não há saída por fora da revolução social dirigida pela classe operária, o século XX já o demonstrou.

Inversamente, uma tal perspectiva permite que se descortine todo um novo ho-rizonte de possibilidades para o futuro. Contrariamente a todo tipo de visão amargurada, encerramos este artigo retomando a imensa força das idéias de Trotsky (bem como as do revolucionário argentino Liborio Justo45) que apontavam claramente o caminho capaz de libertar os povos latino-americanos. Dizia Trotsky:

A América do Sul e Central só poderão romper com o atraso e a escravidão unindo todos os seus Estados numa poderosa federação. Mas não será a atrasada burguesia sul-americana, essa sucursal do imperialismo estrangeiro, a chamada a resolver esta tarefa, mas sim o jovem proletariado sul-americano, que dirigirá as massas oprimidas. A consigna que presidirá a luta contra a violência e as intrigas do imperialismo mundial e contra a sangrenta exploração das camarilhas compradoras nativas será, portanto: Pelos Estados Unidos Soviéticos da América do Sul e Central.46

Essa perspectiva, que exige do proletariado brasileiro que assuma uma posição de vanguarda no continente, se afasta ao mesmo tempo de toda concepção terceiro-mundista, ao colocar a ênfase no fato de que, mesmo uma federação assim obtida, a partir de triunfos revolucionários em países chave da região, seria apenas uma trincheira para seguir combatendo pela extensão mundial da revolução socialista. Tal é a nossa bandeira: nenhuma esperança na reacionária burguesia brasileira, toda confiança na potencialidade revolucionária de nosso proletariado e em seu papel histórico.


NOTAS

1 Décio Saes, República do Capital: Capitalismo e processo político no Brasil. Ed Boitempo.

2 Idem.

3 Cf. Sérgio Buarque de Hollanda , Raízes do Brasil, Ed. Cia das Letras.

4 Cf., por exemplo, a obra de Bolívar Lamounier.

5 Francisco de Oliveira, Crítica ã Razão Dualista O Ornitorrinco, p. 37. Ed. Boitempo.

6 Idem, p. 39.

7 Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe.

8 Cf. Murray N. Rothband, Introdução e Cap II “A Escola Austríaca” de O Essencial Von Mises, Ed José Olympio/ Instituto Liberal.

9 Francisco de Oliveira, op. cit., p. 49.

10 Nota-se, do ponto de vista do sistema econômico internacional a disposição da estrutura social brasileira em manter enfaticamente suas relações agrícolas. A sistemática exportação de produtos agrícolas até hoje comprova a assertiva. Ainda hoje na composição da balança co-mercial brasileira as commodities cumprem uma função estratégica. Para uma discussão sobre como o Brasil se insere na divisão internacional do comércio a partir da agricultura cf. Florestan Fernandes “Sociedade escravista no Brasil”, pp. 227, 233 e 235. In: Coleção Grandes Cientistas Sociais. Ed ática. Advertimos que abordamos o problema do ângulo genético-estrutural, pois ao longo dos anos houve alterações e oscilações importantes, que entretanto não comprometem a estrutura global do sistema.

11 Francisco de Oliveira, op. cit., p. 129.

12 No prefácio da primeira edição de O Capital, Marx afirma sobre o desenvolvimento do capi-talismo inglês em comparação com outras regiões da Europa: “Onde a produção capitalista se implantou plenamente entre nós, por exemplo, nas fábricas propriamente ditas, as condições são muito piores do que na Inglaterra, pois falta o contrapeso das leis fabris. Em todas as outras esfe-ras, tortura-nos - assim como em todo o resto do continente da Europa ocidental - não só o de-senvolvimento da produção capitalista, mas também a carência do seu desenvolvimento. Além das misérias modernas, oprime-nos toda uma série de misérias herdadas, decorrentes do fato de continuarem vegetando modos de produção arcaicos e ultrapassados, com o seu séquito de rela-ções sociais e políticas anacrônicas. Somos atormentados não só pelos vivos, como também pe-los mortos. Le mors saisit le vif”.

13 Francisco de Oliveira, op. cit., p. 59.

14 Idem, p.130.

15 Sobre a relação entre produção e distribuição, diz Marx: “A articulação da distribuição é intei-ramente determinada pela articulação da produção. A própria distribuição é um produto da pro-dução, não só no que diz respeito ao objeto, podendo apenas ser distribuído o resultado da produ-ção, mas também no que diz respeito ã forma, pois o modo preciso de participação na produção determina as formas particulares da distribuição, isto é, determina de que forma o produtor participará na distribuição. (...) Na sua concepção mais banal, a distribuição aparece como distribuição dos produtos e assim como que afastada da produção, e, por assim dizer, independente dela. (...) Aqui ressurge novamente o absurdo dos economistas que consideram a produção como uma verdade eterna, enquanto proscrevem a História ao domínio da distribuição.”, K. Marx apud José Chasin,, “A ‘politização’ da totalidade: oposição e discurso econômico”, A miséria Brasileira, Edições Ad Hominem, 2000. No prefácio ao mesmo livro, a cientista política Lívia Cotrim co-menta nesse mesmo sentido: “Produção e distribuição deixam, assim, de ser tomadas como duas esferas desvinculadas, uma das quais - a produção - seria regida por ‘leis naturais’, enquanto a outra - a distribuição - poderia ser objeto de alterações dependentes da vontade, ou da política. Esta forma inadequada de as apreender vem se mantendo, até os dias atuais, como apanágio negativo das oposições, que descartam, assim, a crítica ã base material da existência, ao modo pelo qual os homens produzem e reproduzem sua vida, e sustentam a suposição de que seja pos-sível acoplar, ã estrutura da produção existente, uma política de distribuição de renda, de sorte que a própria renda a ser distribuída é tomada de modo inteiramente abstrato, tanto no que diz respeito ã especificidade dos produtos que a constituem, quanto no que se refere aos critérios de sua apropriação.”

16 Não ã toa esse processo levaria ao ascenso operário de fins dos anos 70 e início dos 80, que se orientou inicialmente pelo questionamento ao arrocho salarial, ã super-exploração e ás péssimas condições de trabalho.

17 Francisco de Oliveira, op. cit., p. 118 e 119.

18 A. Brossat, El pensamiento político del joven Trotsky: en los orígenes de la revolución per-manente. p. 11. Siglo Veintiuno Editores. (tradução nossa).

19 Cf. Os Direitos do Antivalor: A Economia política da hegemonia imperfeita, p. 29, 30 e 31. Editora Vozes

20 Reivindicando para a elaboração da Cepal um estatuto de contribuição científica universal, Francisco de Oliveira abre seu ensaio com a seguinte afirmação emblemática: “A teoria do sub-desenvolvimento, única elaboração original alternativa ã teoria do crescimento de origem clássica, de Adam Smith e David Ricardo, não é, decididamente, uma teoria evolucionista”. Para Oliveira, como desenvolve no tópico de abertura “De Darwin a Raúl Prebisch e Celso Furtado”, a inter-pretação oferecida pela teoria do subdesenvolvimento seria o único empreendimento sério no sentido de escapar do etapismo stalinista e do evolucionismo, “que no fundo são a mesma coisa”. p. 128.

21 Francisco de Oliveira, op. cit., p. 128.

22 Cf. Trotsky, Naturaleza y dinámica del capitalismo y la economía de transición. CEIP “León Trotsky”, Buenos Aires, 2000. www.ceip.org.ar.

23 Como desenvolvemos em outra matéria desta revista, existem pelo menos cinco áreas em que se baseia o domínio mundial pelas potências imperialistas: o monopólio sobre as novas tecno-logias; sobre o controle dos fluxos financeiros; sobre o acesso aos recursos naturais do planeta; sobre os meios de comunicação e sobre os grandes armamentos. Uma conseqüência elementar de não assinalar esse conjunto de elementos é o fato de Oliveira não tecer nenhum comentário sobre a necessidade de lutar contra o pagamento da dívida externa.

24 Francisco de Oliveira, op. cit., p. 139.

25 Leon Trotsky. “A caminho: considerações acerca do avanço da revolução proletária”. 1919.

26 Num artigo publicado pela primeira vez em 2000, e reunido em seu livro sobre Celso Furtado, A Navegação Venturosa, Francisco de Oliveira expõe sua posição sobre Lênin, Trotsky e Stálin com respeito ã teoria marxista do desenvolvimento capitalista: “A hegemonia da III Internacional produziu a conhecida ‘teoria das etapas’, sustentada por Stálin, com o que a capacidade inter-pretativa do marxismo sumiu pelo ralo. Trotsky, mais insistentemente, e Lênin, de forma menos acentuada, colocaram o acento no desenvolvimento desigual e combinado do capitalismo co-mo sistema, mas a elaboração marxista posterior esqueceu-se dessa originalidade e esteve sem-pre subordinada, na teoria e na prática do movimento comunista internacional, ao etapismo de Stálin”, p. 110.

27 Na introdução escrita em 1983 para o volume sobre Celso Furtado da Coleção Grandes Cien-tistas Sociais, escreve Oliveira: “No vácuo da produção marxista, que desde Lênin, com O De-senvolvimento do Capitalismo na Rússia - rigorosamente um estudo da formação de uma eco-nomia subdesenvolvida -, parou e ficou repetindo velhas arengas, Furtado emerge nos anos 1950, a partir dos estudos da Cepal, inaugurando o que veio a ser chamado “método histórico-estrutural”. Reunido em A Navegação Venturosa, p. 11-12. Ed Boitempo, São Paulo, 2003.

28 Referimo-nos a Raúl Prebisch, criador da Cepal e, segundo Oliveira, “mentor daquela brilhante equipe de que Furtado foi um dos mais eminentes membros”. Idem nota anterior, p. 11.

29 Sobre o papel de Furtado, cf. op. cit., por exemplo, p. 47, 63-64.

30 Idem, p. 14.

31 No prefácio ã Crítica ã Razão Dualista O Ornitorrinco, Schwarz esclarece: “Francisco de Oli-veira não é bolchevique, e a sua idéia de enfrentamento entre as classes está menos ligada ao assalto operário ao poder que ao auto-esclarecimento da sociedade nacional, a qual através de-le supera os preconceitos e toma conhecimento de sua anatomia e possibilidades reais, podendo então dispor de si”. Não é de estranhar então que na mesma página (p. 20) Schwarz enumere, como “melhores aliados” do sociólogo, Celso Furtado, José Serra e Fernando Henrique Cardoso.

32 Francisco de Oliveira, Crítica ã Razão Dualista O Ornitorrinco, p. 131-2. Ed Boitempo.

33 Esse papel independente do proletariado é substituído pela idéia de integração nacional. Nas palavras de Roberto Schwarz no referido prefácio: “Em lugar do antagonismo assassino entre Ci-vilização e Barbárie, que vê os pobres como lixo, entrava a idéia generosa de que o futuro depen-dia de uma milagrosa integração nacional, em que a consciência social-histórica levasse de vencida o imediatismo. Uma idéia que em seu momento deu qualidade transcendente aos es-critos de Celso Furtado, ás visões da miséria do Cinema Novo, bem como ã Teoria da Dependência [de FHC]”, p. 19. Cabe ressaltar o caráter irresolutivo da reflexão de Oliveira, pois da análise de que a miséria faz parte da totalidade orgânica do desenvolvimento capitalista (e não é um mero resquício do passado pré-capitalista), conclui pela via da ética e da ajuda aos pobres.

34 Francisco de Oliveira, op. cit., p. 135-137.

35 O conceito de “sociedade pós-industrial”, empregado fortemente pela reação ideológica pós-moderna contra o marxismo, se disseminou a partir da obra de Daniel Bell e Alain Touraine.

36 Francisco de Oliveira, op. cit., p. 147.

37 Idem, p. 147, nota de rodapé.

38 León Trotsky, “Os sindicatos na época da decadência imperialista”, Escritos sobre Sindicato, p. 105-6, Ed. Kairós, São Paulo, 1978. Aqui e nas demais referências ao texto, cotejamos a tradução com diversas edições em espanhol.

39 Francisco de Oliveira, op. cit., p. 148.

40 Trotsky, op. cit., p. 104.

41 Idem, p. 108.

42 Idem, pp. 108-9.

43 Segundo a tese defendida por nós, o tom de decepção deixaria transparecer, de maneira não muito velada, a frustração de ilusões cultivadas durante longo tempo acerca de um “Brasil-po-tência”. As seguintes palavras de Roberto Schwarz nos parecem fornecer indicações nesse sentido, apesar de seu esforço para ocultar a questão: “Contudo é possível que, em versão sublimada, o seu recorte permaneça tributário do aspecto competitivo dos esforços desenvolvimentistas. Por outro lado como não seria assim? Num sistema mundial de reprodução das desigualdades, como não disputar uma posição melhor, mais próxima dos vencedores e menos truncada? (!) Como escapar ã posição prejudicada sem tomar assento entre os que prejudicam?”(!!?). Prefácio ã Crítica ã Razão Dualista O Ornitorrinco, p. 20.

44 Outros intelectuais o acompanharam em seu apoio ao projeto do PSOL, como Carlos Nelson Coutinho, Leandro Konder, Ricardo Antunes e, em menor medida, Paulo Arantes.

45 No texto “Argentina y Brasil en la integración continental”, Liborio Justo afirmava: “Não se equivocam os que crêem que a liberação e a integração da América Latina depende, sobretudo, da conjunção e do entendimento argentino-brasileiro... porque os dois países estão destinados, mediante a aliança de seu proletariado, a ser a vanguarda na luta pelo socialismo no continente”. Buenos Aires, 1983.

46 Citado no artigo “O futuro da América Latina”, Escritos Latinoamericanos, CEIP “Leon Trots-ky”, Buenos Aires, 2000. www.ceip.org.ar.

 

Receba nosso boletim eletrônico.
Online | www.ft-ci.org


Organizações da FT
A Fração Trotskista-Quarta Internacional está conformada pelo PTS (Partido de los Trabajadores Socialistas) da Argentina, o MTS (Movimiento de Trabajadores Socialistas) do México, a LOR-CI (Liga Obrera Revolucionaria por la Cuarta Internacional) da Bolívia, o MRT (Movimento Revolucionário de Trabalhadores) do Brasil, o PTR-CcC (Partido de Trabajadores Revolucionarios) do Chile, a LTS (Liga de Trabajadores por el Socialismo) da Venezuela, a LRS (Liga de la Revolución Socialista) da Costa Rica, Clase Contra Clase do Estado Espanhol, Grupo RIO, da Alemanha, militantes da FT no Uruguai e Militantes da FT na CCR/Plataforma 3 do NPA da França.

Para entrar em contato conosco, escreva-nos a: [email protected]