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PSOL: um experimento pós-marxista
por : Luis Siebel

01 Sep 2004 |

A chegada de Lula e do PT ao governo federal abre oportunidades inéditas de enfrentamento de setores do movimento de massas com suas principais direções políticas nas últimas duas décadas. A política direitista do governo petista, que des-carrega ataques brutais contra a classe trabalhadora, já tem colocado em movimento um processo de descontentamento que atinge setores da classe trabalhadora e das classes médias, como demonstram as derrotas do PT em alguns dos principais centros urbanos do país nas recém concluídas eleições municipais, e tem dado origem a processos de ruptura aberta em setores de vanguarda, assim como demonstram as principais lutas que têm se desenvolvido no país, em especial a greve nacional dos bancários e as mobilizações do funcionalismo público.

É por se negar a empreender o giro neoliberal do PT e com isso perder suas bases sociais, que setores da chamada “esquerda” deste partido romperam com o mesmo para impulsionar o projeto do PSOL. Um passo ã frente única e exclusivamente porque colocam em pauta a necessidade de construção de um novo partido político no país, baseado na experiência das massas com o PT, que apresente uma alternativa de direção política operária e independente para o movimento de massas. Vários passos atrás porque apesar de se recusarem a converter-se ao neoliberalismo petista, os setores que hoje impulsionam o PSOL não realizam o mais mínimo balanço do que significou a experiência com o PT, reivindicando um suposto “PT combativo das origens” e suas “bandeiras históricas”:

Dentro do partido, temos setores que se declaram revolucionários e outros que se declaram reformistas. Creio que a dicotomia colocada para a esquerda, no momento, não é essa (...) devemos construir uma trincheira de resistência no campo partidário e no campo sindical, aglutinando a esquerda socialista que não se rendeu, sejam reformistas ou revolucionários.1

Essa é a estranha maneira que se propõem os dirigentes do PSOL para defender os interesses históricos da classe operária: trata-se de um partido com os reformistas, considerados pela tradição revolucionária como agentes políticos do capital, quer dizer, inimigos declarados da revolução social.

Nesse artigo procuramos desmascarar o reformismo do PSOL, analisando seu programa, sua estratégia e sua prática política. Nós que lutamos por um partido revolucionário, defendemos hoje, como tática para impulsionar o processo de en-frentamento de amplos setores da classe trabalhadora com a direção do PT, a construção de um Partido Operário Independente, controlado pelos sindicatos, que possa se constituir como um passo efetivo na luta pela independência política dos trabalhadores, e de preparação para dar uma resposta ã crise que atravessa o país, que tende a adquirir proporções superiores no próximo período histórico. A classe operária brasileira necessita de um programa claro de independência, e sua construção deve dar-se nos marcos da fusão dos elementos mais avançados da vanguarda ope-rária do país. Diante das tarefas preparatórias colocadas para a esquerda revolucionária no Brasil acreditamos ser necessária a dura crítica ás rupturas com o marxismo, e ás operações ideológicas que suprimem o caráter revolucionário do proletariado, bem como a recuperação de suas aquisições históricas colocadas pela estratégia soviética e pela ditadura do proletariado.

Um experimento pós-marxista

O PSOL é um partido constituído ao redor da figura de Heloísa Helena, sua presidente, senadora pelo PT, que foi expulsa deste partido em 2003 por opor-se ã reforma da previdência do governo Lula. Tanto é assim que, no Encontro de fundação do partido, já havia camisetas (antes mesmo que se constituísse a organização!) com o lema “Uma esperança outra vez, Heloísa 2006”, postulando-a como candidata ás longínquas eleições presidenciais.

Heloísa Helena pertencia ã corrente interna do PT chamada Democracia Socialista (DS), que é parte do Secretariado Unificado (SU) em nível internacional, corrente conhecida como “mandelista” em referência a seu principal dirigente, já falecido, Ernest Mandel. Sua principal seção nacional é a LCR francesa. Ao SU e ã DS pertence atualmente Miguel Rossetto, Ministro do Desenvolvimento Agrário do governo Lula. Militantes dessa organização integram inclusive o Ministério da Fazenda, bastião da ala direita do governo. Ainda que Heloísa Helena tenha formado sua própria agrupação fora do PT - chamada “Liberdade Vermelha” - segue pertencendo ã mes-ma corrente internacional que Rossetto e a DS. O SU põe um pé em cada canoa: a do “neoliberal” Lula, e a do “antineoliberal” PSOL. Heloísa Helena é uma das principais atrizes deste jogo, guardando cuidadoso silêncio sobre seu “companheiro”, o “Sr. Ministro Miguel Rossetto”. Os discursos veementes contra o governo por parte de seus parlamentares, e do conjunto de seus militantes parecem “esquecer” ou cons-cientemente “fecham os olhos” para o absurdo dessa ligação entre Heloísa Helena e Miguel Rosseto. Ou seja, o projeto de coexistência “plural” do PSOL permite até a existência de um certo “pacifismo” com um ministro “socialista”, que aplica os planos do imperialismo contra os trabalhadores e os setores explorados.2

Isso não é um dado menor: o PSOL como organização é um experimento “avançado” dentro da matriz teórica e política de adaptação democrático-liberal, de viés social-democrata, do “marxismo” dos principais dirigentes do Secretariado Uni-ficado, um experimento que pretende diluir a estratégia revolucionária dos trabalhadores em prol da “convivência pacífica” entre reformistas e “revolucionários”. No Brasil estão fazendo o que não conseguiram fazer ainda na França, ainda que seu curso liqüidacionista do programa marxista revolucionário - que inclui renegar o conceito de ditadura do proletariado - os prepara para postular-se como colaboradores de um eventual governo da “esquerda plural”.

“Democracia Plural” versus Democracia Soviética

Em 1917, Lênin dizia:

Na Rússia, despedaçou-se o aparelho do funcionalismo; dele não se deixou pedra sobre pedra; expulsaram-se todos os antigos magistrados, dispensou-se o parlamento burguês e deu-se aos operários e aos camponeses infini-tamente mais acessível, porque seus soviets substituíram os funcionários, seus soviets dirigem os funcionários; seus soviets elegem os juízes. Isto é o bastante para que todas as classes oprimidas reconheçam o poder dos soviets, isto é, a forma soviética de ditadura do proletariado, mil vezes mais democrática que a mais democrática das repúblicas burguesas.3

Por ditadura do proletariado entende-se a reorganização da sociedade dirigida pela classe operária, que traz em si o seu conteúdo permanente e de profundas transformações socialistas (incluídas as demandas democráticas). As reivindicações democráticas não estão separadas por etapas históricas da luta revolucionária pelo socialismo, e por isso formam parte de um programa de caráter transicional, um programa “que ajude as massas, no processo de luta cotidiana, a fazer uma ponte entre suas reivindicações atuais e o processo da revolução”, um programa que “inva-riavelmente os leve a uma conclusão: a tomada do poder pelo proletariado” (Trotsky, Programa de Transição).

No início do século XXI, a burguesia se encarregou de fomentar nas massas a ilusão de que não existe outro regime político e social possível que não seja a democracia burguesa, que toda revolução socialista conduz ao “totalitarismo”. O PSOL, na medida em que renega completamente a ditadura do proletariado, substituindo-a pela “defesa do socialismo com liberdade e democracia”, capitula abertamente ao proposital amál-gama que a propaganda ideológica da burguesia faz entre o marxismo e o stalinismo. Enquanto exalta a “liberdade”, colocando-a como bandeira central desse partido no mesmo nível do socialismo, não explicita nenhuma vez em seu extenso programa aprovado no encontro de fundação a formulação “revolução socialista”, nem explica como conquistar um governo dos trabalhadores e do povo. Pequeno problema: aqui estamos frente a uma expressão política concreta do que vimos observando na LCR francesa:

A influência das idéias pós-marxistas - e também liberais de esquerda - que substituem as definições de classe pela de cidadania e diluem a perspectiva da revolução pela radicalização da democracia. Isto se expressa através da fórmula recentemente enunciada (...) de que a “revolução é a luta pela de-mocracia até o final” e que o sufrágio universal e não a democracia dos con-selhos operários é o principio organizador da sociedade de transição ao so-cialismo.4

As demandas “democráticas”, ou seja, burguesas não podem levar a classe tra-balhadora a avançar em sua luta pela emancipação, o que não exclui o fato de que reivindiquemos de maneira episódica contra essa mesma burguesia a defesa de seus próprios princípios “democráticos”, na medida em que ela volta e meia tem que aboli-los para manter sua dominação. Mas reivindicar o sufrágio como uma conquista dos trabalhadores não seria correto nem se estivéssemos no século XIX! O ponto chave da questão é que a reorganização da sociedade deve ser realizada por meio da ditadura revolucionária do proletariado5, que oprime a burguesia por meio da mais ampla democracia entre as massas trabalhadoras. Essa é a forma na qual historicamente foi erigida a revolução russa de 1917. Nesse sentido, Lênin, citando Engels, escreveu que “Enquanto o proletariado ainda necessitar do Estado, ele não o faz no interesse da liberdade, porém a fim de oprimir seus adversários e, tão logo se torne possível falar de liberdade, o Estado enquanto tal deixará de existir”.6

Ao contrário de defenderem a democracia dos conselhos operários, na qual a minoria de capitalistas que vivem da exploração do trabalho alheio não tem nenhum direito, os principais dirigentes do PSOL reivindicam há muito tempo a “participação cidadã” (Orçamento Participativo, democracia participativa e outras formas de enganar os trabalhadores) como modelo de “democracia”, ã qual caracterizam como uma espécie de “duplo poder” institucional7, renegando a distinção de classe entre a bur-guesia e o proletariado. É por isso que não cessam de reivindicar como exemplo de “democracia” a “vermelha” cidade de Porto Alegre, há 16 anos governada pela “es-querda do PT”, assim como seus “Fóruns Sociais Mundiais”. No panfleto distribuído na campanha por assinaturas para a legalização do partido8, o PSOL propõe um regime “que garanta justiça e igualdade de condições para todos, com liberdade e a mais ampla democracia, que promova o respeito aos direitos civis, individuais e coletivos”.

O descaramento dos defensores da “participação cidadã” chega a ponto de Raul Pont, ex-prefeito de Porto Alegre, referindo-se a sua democracia participativa e seus “Conselhos Populares”, dizer que “um dos elementos sociais de um novo projeto para a sociedade é a consolidação da auto-organização dos movimentos sociais, com autonomia”9. Nada muito diferente do PSOL, que em seu projeto de programa defende supostos “organismos de auto-organização dos trabalhadores, verdadeiros organismos de contrapoder”, o que não passa de uma frase oca, na medida em que se coloca ao lado de apelações que não vão além de meras restrições ao capital financeiro, como a campanha pelo controle de capitais que levanta jun-tamente com distintos setores da burguesia.

Estas idéias são as bases de um programa cujo objetivo é aperfeiçoar a de-mocracia formal, não passando de um projeto político reformista, no qual sem romper os estreitos limites “institucionais” dessa mesma democracia formal deve ser alcan-çado seu “conteúdo social”. O que “esquecem” é que essa “resposta” intermediária, para dizer o mínimo, não é nova, já que a própria origem da social-democracia no início do século XX se pautava em “chegar gradualmente ã democracia política com conteúdo social. Nisto residia a essência do reformismo”10. Nas palavras de Lênin, são oportunistas, pois “querem crer em um desenvolvimento progressivo da democracia capitalista para uma democracia cada vez mais ampla”11. Para lembrar a perspectiva revolucionária dos bolcheviques que atestava, pelo contrário, que

“a tarefa do soviet não consistia em transformar-se em uma paródia do par-lamento nem organizar a igual representação dos interesses dos distintos grupos sociais, e sim em dotar de unidade a luta revolucionária do pro-letariado.12

Um programa de ação reformista

Desde os primórdios do movimento operário no século XIX, até a “sua expressão histórica mais elevada no bolchevismo”13 e na Revolução Russa de 1917, sustentamos que uma sociedade comunista é impossível sem que a classe operária promova a violenta destruição do estado burguês, e construa um estado operário de transição, baseado em organismos de autodeterminação das massas, que desenvolva a luta do proletariado mundial até a extinção das classes, e até que se coloque (para lembrar Engels) em um museu de antiguidades todos os aparatos de exploração e opressão capitalistas... Construindo um partido que é a antítese de um partido leninista de combate, uma arma da classe operária, e renunciando através de um imenso palavrório, pelo menos no período anterior ao “momento estratégico” (o da revolução pro-priamente dita), ao método e ao conteúdo da revolução proletária, o PSOL aplica o giro político que discutem os teóricos mais importantes do SU: em lugar de combater a experiência stalinista recuperando a estratégia soviética pela qual lutaram os bol-cheviques, a dos conselhos de operários, camponeses e soldados, com liberdade de partidos em seu interior, passam ao campo da tradição social-democrata.

Apresentam o socialismo como um “horizonte” (e é sabido que o horizonte nunca se alcança), enquanto se propõem a lutar por “reformas populares” e outros de caráter totalmente burguês, como “centralizar o câmbio e controlar a saída de capitais”. Esta não é uma demanda dos trabalhadores, mas sim de setores da burguesia brasileira - como a Fiesp - que se opõem ã política das altas taxas de juros do Ministério da Fazenda. Com isso, se colocam rebaixados não só com relação ao pro-grama dos marxistas que lutamos pelo monopólio do comércio exterior e a na-cionalização dos bancos, mas inclusive de governos burgueses como os de Perón na Argentina ou Cárdenas no México, que foram muito além das “exigências” que hoje levantam estes “socialistas”, já que na prática terminam defendendo medidas que não são mais do que meras restrições financeiras ao conjunto da política neoliberal.

Propõe no ponto 20 do seu programa de ação a defesa de uma “verdadeira Constituinte, soberana, democrática, capaz de organizar o país...”, quer dizer, reservam para os dias de festa a luta pela superação do sistema capitalista, já que o método histórico das verdadeiras conquistas da classe operária, a democracia soviética, é substituído pela “conquista” do sufrágio universal. Em outras palavras, colocam-se na perspectiva de reorganizar o país com a sua burguesia decadente, ao invés de colocar a centralidade da classe trabalhadora e seus métodos, os únicos elementos que podem desenvolver as tendências que foram estagnadas pelo capitalismo.

Propõe a “democratização das forças policiais (sic) e em particular do Exército” (demanda que também defende o PSTU), sem sequer mencionar o direito a autodefesa, para não falar do abandono total da política que é a tradição da classe operária em sua luta revolucionária contra a burguesia, materializada nas milícias operárias. Isto em um país em que há algumas décadas vive uma guerra civil no campo, com ocupações de terra massivas e forte repressão dos latifundiários e do Estado, que custaram mi-lhares de mortos ao Movimento Sem Terra (MST), e outros movimentos camponeses. O programa do PSOL, por esse extremo pacifismo e descolamento das demandas “mínimas”, não se propõe a travar nenhuma luta contra o estado burguês, cujo pilar fundamental são a polícia e as forças armadas, que atuam em defesa da propriedade privada e da reprodução do capital.

No ponto referente aos direitos da mulher, não aparece em nenhum lugar a de-manda democrática elementar da luta pelo direito ao aborto. Isto não é casual nem um esquecimento: entre os fundadores do PSOL se encontram setores da igreja católica, como o deputado João Fontes, que atualmente negocia sua ida para o PDT, partido burguês pelo qual Heloísa Helena diz ter “muito carinho”. E uma de suas alianças eleitorais no recente pleito municipal foi com o PTC (Partido Trabalhista Cristão), antigo PRN que levou Collor ã presidência.

Coroam o programa com a incrível consigna “Por uma Federação de Repúblicas da América Latina”, que significa a integração federativa das atuais repúblicas burguesas, similar ao defendido por Lula em seu discurso no dia 21 de setembro na ONU14, ou como a extensão do Mercosul dos monopólios. Pouco antes de sua saída do PT, João Machado ao fazer um “balanço” de nove meses do governo afirmou que:

O aspecto mais positivo da orientação do governo até aqui foi sua política externa. Além de se opor ao ataque dos Estados Unidos ao Iraque e de dar passos na direção de estabelecer uma política externa independente, houve um intento de construir uma unidade sul-americana, e também uma frente dos chamados países “em desenvolvimento”, oposto aos interesses dos centros imperialistas.15

Defendem um populista como Chávez na Venezuela:

O processo aberto na Venezuela que levou o presidente Hugo Chávez ao poder simbolizou um processo de ruptura popular com o regime bipartidário corrupto, neoliberal e fantoche dos Estados Unidos, que há décadas dominava a Venezuela. [...] Por isso, Chávez simboliza para o povo venezuelano uma nova alternativa que rompe com a herança política e econômica da globalização neoliberal. Enquanto Lula acata os ditames do FMI, põe o Brasil ã frente das tropas de ocupação do Haiti e agora ainda vai fazer um leilào de áreas petro-líferas que renderão pelo menos US$ 90 bilhões ás grandes multinacionais do petróleo, Chávez enfrenta o imperialismo e defende o petróleo venezuelano.16

A questão é que a luta antiimperialista não passa por embelezar Chávez, que “defende” o petróleo do país vendendo para o mesmo imperialismo que “combate”. Não somente defendem o possibilismo chavista, como também são recorrentes as sugestões que os dirigentes do PSOL fazem acerca de um governo “popular” do tipo venezuelano no Brasil, isto é, melhor um burguês populista como Chávez do que um burguês neoliberal como Lula?

Eleitoralismo e conciliação de classes

Não bastassem as deformações oportunistas de seu programa e de suas concepções estratégicas, o PSOL demonstra seu lado “obscuro” em diversos fenômenos da luta de classes. Como já dissemos, o lema “Uma esperança outra vez, Heloísa 2006” já é recorrente em suas intervenções públicas, bem como a nefasta tradição petista levada a cabo pelos parlamentares do PSOL e referências públicas de aproveitar as oportunidades da democracia burguesa para “lutar e votar”.

Nas recentes eleições municipais, o PSOL também demonstrou que carece de uma linha que delimite claramente os campos entre uma política independente da classe trabalhadora e a ala esquerda do regime, já que dizem que “reconhecemos que existem casos de candidaturas com trajetória de esquerda, que ainda estão vinculadas a partidos da base governamental (sic), surgem com críticas ã política econômica do governo Lula”. Mas, aclaram, ainda que “respeitamos tais candidaturas e o apoio que setores do PSOL possam dar-lhes eventualmente (sic), no entanto enquanto partido, não apoiaremos candidaturas”17. Assim, prestam apoio até a candidatos da burguesia. Para mencionar alguns casos relevantes: na cidade de Maceió, capital do estado de Alagoas, terra natal de Heloísa Helena apoiou o candidato do PPS, o par-tido burguês de Ciro Gomes atual Ministro de Integração Nacional do governo Lula. Em Goiânia, onde o PSOL possui uma relativa presença, sua principal figura está filiada ao Partido Verde, do atual Ministro da Cultura Gilberto Gil, e mantém uma alian-ça com o partido cristão PTC. Ademais, chamam voto em um grande número de pre-feitos e vereadores do partido que não servem ã classe operária, incluindo também candidatos de outro partido integrante do governo, o PC do B. Como se vê, são extre-mamente generosos com a direita e enormemente “avarentos” com a esquerda, já que sequer chamaram voto crítico em partidos independentes da burguesia como o PSTU. Essa é a mesma perspectiva que permite que Heloísa Helena se coloque escan-dalosamente ao lado do PFL e do PSDB, defendendo um salário mínimo de R$ 275,00 no Congresso este ano. Quer dizer, pretendem refundar um “novo Brasil” com a sua burguesia.

Um falso balanço do PT

O PSOL parte exatamente do “balanço” de que o PT foi uma grande conquista da classe trabalhadora e que agora traiu o seu projeto histórico quando Lula, um ex-operário na presidência (um fato de duvidoso “mérito histórico”), se tornou neoliberal. Luciana Genro afirma que “a vitória eleitoral de Lula foi parte de um acúmulo de lutas e movimentos sociais ao longo de vinte anos no Brasil”18. O PT que os militantes do PSOL construíram seria o PSOL que querem construir, com um programa que se colo-ca como nada mais que a “ala esquerda” do programa nacional-desenvolvimentista de setores da burguesia brasileira, que hoje se auto-intitulam “críticos” do neo-liberalismo. E essa é a base material dos freqüentes “namoros” de Heloísa Helena e seus parlamentares com o PPS e o PDT.

Expulsos do PT agora reivindicavam a recuperação das “bandeiras históricas” do Partido dos Trabalhadores antes de seu giro direitista, identificado pelos dirigentes do PSOL somente após as eleições de 2002.19 A luta contra as medidas neoliberais do governo Lula na época da expulsão é identificada pelos parlamentares como uma luta pela coerência com o pretenso programa histórico do PT.20 Tanto que em seu encontro de fundação em julho desse ano, aprovaram um programa provisório que objetiva “recuperar as bandeiras históricas do socialismo”, como tentativa de ser a plataforma para reagrupar a esquerda no país, e construir uma “alternativa dos trabalhadores”. O reformismo do PSOL é nucleado justamente por essa concepção que parte de igualar a luta socialista com o papel nefasto do petismo em nosso país, ou seja, colo-cam que a sua trajetória, o peso “fundamental” da esquerda petista, e a sua tradição “plural” são grandes conquistas dos trabalhadores, além de obviamente remarcar que o PT foi o grande centro irradiador das teses do “socialismo democrático”, sen-do tarefa do PSOL recuperar essas bandeiras históricas.21 Desde os anos 80, a Democracia Socialista e o SU definiram o PT como um projeto estratégico, ou seja, decidiram que não era uma tática já que a fundação de um partido operário de massas, mesmo que reformista, tinha uma importância histórica, adaptando-se a toda a trajetória de traições deste partido.

* * *

É evidente que na América Latina estão se produzindo enormes experiências políticas na classe trabalhadora, das quais pode emergir novos fenômenos que permitam recompor a subjetividade revolucionária após mais de duas décadas de derrotas e retrocessos. O enfrentamento com o governo do PT no Brasil será indu-bitavelmente uma das mais importantes, enquanto também começa a levantar-se a enorme classe operária mexicana, além da continuidade do processo de maturação política no rico fenômeno boliviano. É necessário que os que reivindicamos a luta pela revolução operária e socialista atualizemos nosso programa, aperfeiçoemos nossa estrategia à luz das novas experiências, debatamos com todas as atuais teorias polí-ticas, sem perder de vista que estão se abrindo as condições para a recomposição da subjetividade revolucionária da classe operária, para lutar de braços abertos pela verdadeira independência política dos trabalhadores, para temperar os dirigentes e quadros de um poderoso partido revolucionário inserido na classe trabalhadora, que seja parte da reconstrução da IV Internacional.

Como parte desta batalha, a partir da Liga Estratégia Revolucionária - Quarta Internacional, insistimos em nosso chamado no Brasil ao PSOL, ao PSTU, ao PCO e ao conjunto dos sindicatos que hoje começam a romper com a burocracia cutista a lutarmos juntos para que a CUT e seus sindicatos rompam com Lula e o PT, adotem um programa operário independente de enfrentamento contra o governo e impulsione a construção de um partido operário independente controlado pelos sindicatos. Os chamados para “resgatar a independência política dos trabalhadores e excluídos” e “impulsionar organismos de auto-organização dos trabalhadores, verdadeiros orga-nismos de contrapoder” do PSOL não são mais do que frases ocas. A única forma concreta colocada é o “rechaço a governos comuns com a classe dominante”, que ligado a ausência de um programa de luta por um governo de trabalhadores e rodeada de apelações contra o capital financeiro e “o que está aí”, deixa aberta a toda e qual-quer forma de colaboração de classes.

Em síntese, um partido que pretende ser alternativa a Lula e seu governo, que estão traindo miseravelmente os trabalhadores do país, não termina de romper com a tradição do PT de opor-se a luta pela verdadeira independência de classe, mas que, desde fora, continuam com a mesma política de busca de acordos com setores da burguesia e ainda mais com seus antigos companheiros de PT que ainda estão agru-pados na nefasta “esquerda petista”, como a DS, a Força Socialista (agora, APS) e a Articulação de Esquerda, que ativamente participam do governo burguês e não hesitam em renunciar as bandeiras do socialismo para negociar seus cargos no governo.

(*)Com a colaboração de Basilio Abramo e Freddy Lizarrague


NOTAS

1 Luciana Genro do MES no Correio da Cidadania, junho/2004.

2 Ver nessa edição “Campanha contra o ministerialismo”, por Simone Ishibashi e Edison Salles.

3 Lênin, A revolução proletária e o renegado Kautsky.

4 “Para além da democracia liberal e do totalitarismo”, por Claudia Cinatti e Emilio Albamonte, nesta edição.

5 Ver Marx, Critique du programme de Gotha, Paris, Editions Sociales, 1950. págs. 34/5.

6 Lênin, O Estado e a Revolução.

7 Daniel Bensaïd Le sourire du Spectre. Nouvel esprit du communisme, Editions Michalon, França, 2000, p. 197.

8 “Nossas bandeiras e compromissos”, boletim pela legalização do PSOL.

9 Raul Pont, Sobre o modo petista de governar, Porto Alegre, Em Tempo, março de 1997.

10 Trotsky, “El marxismo y nuestra época”, Naturaleza y dinámica del capitalismo y la economía de transición, Buenos Aires, CEIP León Trotsky, 1999, p. 183, www.ceip.org.ar.

11 Cf. Lênin, O Estado e a Revolução.

12 Trotsky, La revolución de 1905. Barcelona, Ed. Planeta, 1975, p. 192.

13 Trotsky, “Stalinismo e bolchevismo. Sobre as raízes históricas e teóricas da IV Internacional”, 29 de agosto de 1937, Retirado do CD Escritos de León Trotsky, livro 1. Buenos Aires, CEIP León Trotsky, 2001, www.ceip.org.ar.

14 Em seu discurso diz Lula: “O Brasil está empenhado na construção de uma América do Sul politicamente estável, próspera e unida, a partir do fortalecimento do Mercosul e de uma relação estratégica com a Argentina. O surgimento de uma verdadeira Comunidade Sul-Americana de Nações já não é um sonho distante graças ã ação decidida no que se refere ã integração física, econômica, comercial, social e cultural”. Quer dizer, qualquer semelhança não é mera coincidência. Esse ponto programático do PSOL de aliança com a “sombra do PT” e com os setores mais “progressivos” da burguesia brasileira além de não ser novidade é a expressão mais cabal da fragilidade de seu programa para o avanço da classe operária no Brasil. Podemos verificar esse elemento no “apoio irrestrito” a Chávez na Venezuela, que inclusive deu exemplos programáticos ao PSOL, como a realização de plebiscitos e referendos. Quer dizer, o NO na Venezuela não é automaticamente antiimperialista, assim como Chávez não representa nada de progressivo para a luta da classe trabalhadora, muito pelo contrário, é um clássico representante populista que trai com todas as mãos os seus trabalhadores enquanto negocia melhores condições com o imperialismo norte-americano.

15 International Viewpoint, 354, novembro de 2003.

16 “Dizer não ã oposição golpista e ao imperialismo”, 13 de agosto de 2004, Boletim eletrônico Luciana Genro.

17 “O PSOL e as eleições 2004”, São Paulo, 5 de agosto de 2004, Executiva Nacional do PSOL

18 Em Felipe Demier (coord.), As transformações do PT e os rumos da esquerda no Brasil., Rio de Janeiro, Bom Texto, 2003.

19 Nas “Bases de análise e caracterizações” do programa, o PSOL afirma que “depois de quatro disputas, Lula entregou-se aos antigos adversários, e voltou as costas ás suas combativas bases sociais históricas. Transformou-se num agente na defesa dos interesses do grande capital finan-ceiro”.

20 No artigo “The two souls of Lula’s government”, escrito para a revista do Secretariado Unificado (International Viewpoint 348, março de 2003) João Machado defende o “governo em disputa”. Heloísa Helena já afirmava essa perspectiva de que o governo Lula “poderia mudar” pelo res-paldo que teria entre as massas (a questão é que Lula ascendeu ã presidência com um respaldo não menor da burguesia e do imperialismo), em entrevista publicada na revista International Viewpoint 354, Novembro de 2003.

21 Cf. João Machado, “Brazil: nine months of Lula’s government”, International Viewpoint 354, Novembro de 2003

 

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