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A LIT acha progressista a “a unidade de ação entre as massas e o imperialismo” na Líbia?
por : André Augusto

02 Sep 2011 | No dia 25/07 publicamos o artigo “a OTAN busca assegurar-se do controle da Líbia”, no qual buscamos fazer uma primeira avaliação da tomada de Trípoli por parte dos rebeldes, assim como de suas conseqüências políticas.

No dia 25/07 publicamos o artigo “a OTAN busca assegurar-se do controle da Líbia”, no qual buscamos fazer uma primeira avaliação da tomada de Trípoli por parte dos rebeldes, assim como de suas conseqüências políticas. De lá para cá, Kadafi segue sem ser encontrado, os enfrentamentos entre os rebeldes e as forças do antigo regime seguem em alguns pontos importantes do país, e paira a dúvida sobre a capacidade que terá a CNT de conseguir colocar de pé um novo governo minimamente estável.

Neste artigo, polemizamos com a avaliação que a LIT/PSTU faz desses últimos acontecimentos, pois, coerente com seus anteriores posicionamentos sobre a intervenção imperialista na Líbia e a política em relação ao CNT, esta corrente vem chegando a conclusões cada vez mais distantes de uma estratégia revolucionária. Uma “tremenda vitória política e militar do povo líbio”?

Havia uma possibilidade de que o levante popular iniciado em Bengasi se estendesse e derrubasse a ditadura de Kadafi por uma ação independente do movimento de massas, que nos primeiros dias passou a se armar espontaneamente. Mas essa possibilidade foi abortada. Rapidamente, o CNT, sob o qual passaram a ter crescente peso setores burgueses, lideranças das tribos opositoras, ministros e chefas militares que rompiam com Kadafi, tratou de conter a espontaneidade dos primeiros dias de levante e centralizar milícias sob sua completa e rigorosa direção. Frente ã evidente impotência do CNT para enfrentar as forças militares de Kadafi sem um armamento massivo do movimento de massas, este buscou o auxílio das potências imperialistas, que viram nessa ligação uma excelente oportunidade para se relocalizarem frente ã Primavera Árabe. Pois, como nos primeiros embates na Tunísia e no Egito as potências imperialistas tinham aparecido sustentando as ditaduras odiadas, o apoio aos rebeldes na Líbia foi fundamental para que pudessem dar credibilidade ao seu cínico discurso de apoio aos “direitos humanos”, “à liberdade” e ã “democracia”. O caráter reacionário rapidamente assumido pelo CNT, contraposto pelo vértice a qualquer ação emancipatória genuína das massas líbias, se demonstra não só em sua política de completa subordinação aos ditames do imperialismo, mas também em sua nefasta política em relação aos 2 milhões de negros imigrantes que compunham a classe trabalhadora no país.

“Diferente do Egito, onde uma década de ativismo e insurgência operária cultivaram redes de ativistas e sindicalistas capazes de socavar a ditadura, na Líbia não existiu um espaço mínimo para a oposição da sociedade civil. (...) A revolta de fevereiro envolveu centenas de milhares de pessoas em toda a Líbia. No início de março, o movimento estava em refluxo, forças especiais ultramarinas estavam entrando na Líbia, e figuras centrais na rebelião pediam pela intervenção estrangeira. Foi o exército rebelde que assumiu subseqüentemente a linha de frente na perseguição dos trabalhadores negros.”.1

Entretanto, a impossibilidade do imperialismo de colocar abertamente suas tropas em solo líbio para o combate teve seus custos. Apesar da zona de exclusão aérea, do bombardeio ás forças militares de Kadafi para tentar abrir passo aos rebeldes, esses continuaram incapazes de vencer o ditador. Mesmo com todo o esforço da CNT para disciplinar as milícias, só a partir de junho a França passou a fornecer armas e treinamento militar aberto aos rebeldes.

O analista George Friedman, da Stratfor, assim relata a tomada da capital: “O ataque parece ter consistido de três partes. A primeira foi a inserção de tropas de operações especiais da OTAN (na ordem das centenas, não milhares), que, guiados por agentes de inteligência em Tripoli, atacou e desestabilizou as forças do governo na cidade. A segunda parte foi uma operação de informação em que a OTAN fez com que pareça que a batalha acabou. (...) Após os ataques de operações especiais e as operações de informação, os rebeldes entraram na cidade ocidental com grande alarde, incluindo tiros de comemoração para o ar."2

A “proteção” oferecida pelos imperialistas nunca foi neutra, era a expressão militar da política das grandes potências, que buscou desde o início condicionar a luta rebelde segundo seus próprios objetivos. Por tudo isso, a essência política por trás da imagem dos “rebeldes” comemorando com armas nas mãos a queda do regime de Kadafi é que, nas condições em que se deu, representa não uma primeira conquista do processo revolucionário, mas um triunfo da política imperialista sobre o avanço da “primavera árabe”3.

Não é a opinião da LIT/PSTU. Numa “síntese” incontida, que deseja aparentar uma avaliação correta de toda a modificação da situação, pode-se ler em sua declaração: “Há que chamar as coisas por seu nome: estamos diante de uma impressionante vitória do povo (sic) que [...] armado e organizado em comitês populares, está liquidando não somente um governo ditatorial, senão todo um regime opressor com sua principal instituição: as Forças Armadas”.4

Para a LIT/PSTU – que comete o mesmo erro que em sua avaliação do processo no Egito, sem chegar a concluir que a separação da etapa “democrática” da etapa socialista da revolução foi responsável pelo desvio do processo e pela usurpação das conquistas parciais dos trabalhadores egípcios por parte do Conselho Supremo – a direção do CNT só constitui um perigo agora, depois da queda de Kadafi. A ausência de qualquer perspectiva estratégica de classe está disseminada na sentença deixada em negrito: “Desde a LIT-CI sustentamos que, uma vez caído o ditador Kadafi, é o povo líbio o único que pode decidir sobre seu destino”. Longe de encontrar uma das maiores debilidades do processo líbio – assim como da primavera árabe – na ausência de hegemonia da classe operária, organizando os anseios democráticos das massas no bojo de sua estratégia independente de classe, e na ausência de uma direção marxista revolucionária que levasse o processo conscientemente ao triunfo, a LIT não se incomoda com o fato de que as condições para a queda de Kadafi foram preparadas a partir do colaboracionismo do CNT com o imperialismo. Limita-se a dizer que “depois da tremenda vitória do processo revolucionário” (sic), o povo líbio deve se resguardar contra “a instância pró-imperialista e burguesa do CNT”.

Mesmo enfrentando-se com ditaduras abertamente pró-imperialistas (como a ditadura de Ben Ali na Tunísia e Mubarak no Egito) outro importante limite da primavera árabe consistiu na inexistência de um programa de ação conscientemente anti-imperialista, e essa falta de sintonia entre o fator subjetivo das massas e dos trabalhadores e as condições para a resolução das tarefas democráticas estruturais do país – como a emancipação do jugo imperialista e a repartição das terras – se reflete na confiança dos “rebeldes” na direção burguesa do CNT, que liquidou todo o setor independente da ditadura kadafista e das grandes potências.

A LIT acha que pode desembaraçar-se dessa contradição com uma descrição escandalosa (sem nenhum paralelo com a tradição marxista revolucionária) das distintas “vontades”; assim escreve: “a contradição é que, no terreno militar, existiu uma unidade de ação entre o imperialismo e as massas (!!!) para derrubar Kadafi, mas com objetivos de fundo totalmente opostos: as massas querem liberar o país da opressão e o imperialismo deter a revolução para prosseguir o saque das riquezas líbias”. Esta definição quebra a interação entre os fatores objetivos e subjetivos da análise e portanto se torna uma caracterização anti-marxista; é uma lógica objetivista na qual o fator subjetivo não tem conseqüência sobre os resultados. É inadmissível que se subestime o conteúdo social reacionário da política que pautou a subordinação das massas ã tutela imperialista na luta contra Kadafi, como se o imperialismo pudesse cumprir qualquer papel progressivo na vida dos povos oprimidos. Lógica esta tributária da tradição de Nahuel Moreno, que afirmava que não era obrigatório que a burguesia “democrática” tivesse um papel reacionário na primeira etapa de uma luta contra um regime ditatorial. Levando essa lógica de definir a política dos revolucionários a partir do regime (a forma) e não do caráter de classe (conteúdo) do Estado, Nahuel Moreno chega a dizer que o exército norte-americano poderia ter cumprido um papel progressista durante a Segunda Guerra Mundial5. Será que a LIT opina que a OTAN cumpriu um papel progressista?

Outra dedução que fica desse raciocínio, que não mede o fator determinante das estratégias das classes, é que a derrubada de Kadafi não poderia ter sido efetuada de maneira independente da burguesia e da intervenção militar. Que faz a LIT senão reconhecer acriticamente a preponderância dos métodos do imperialismo, e não da luta de classes revolucionária, para a derrubada de Kadafi em troca de um governo que advogará a submissão nacional em seu lugar?

A preponderância da ação imperialista não foi um “detalhe”, como quer fazer parecer a LIT: ela negou a possibilidade de uma atuação independente das massas, fazendo com que os “rebeldes” atuassem enquanto “tropa terrestre” da intervenção aérea das potências, seguindo seus planos. Não se trata absolutamente de “minimizar a ação das massas líbias”, como coloca a LIT, mas de definir sob a direção de que força de classe o povo líbio atuou nesse estágio de seu despertar para a vida histórica.

O ódio legítimo das massas frente ã ditadura de Kadafi é certamente um elemento a ser levado em conta. Mas isso não exime os revolucionários de buscar a orientação política dos acontecimentos, e reconhecer que a ausência de um programa de classe independente e que opusesse a vontade dos trabalhadores e do povo aos interesses da burguesia internacional fez com que esse ódio servisse como instrumento da classe inimiga, que interveio para frear o processo líbio.

Não basta, agora e tardiamente, alertar sobre o CNT. É preciso entender a mudança da situação, que ora favorece grandemente a burguesia imperialista. Subestimar com o papel da OTAN como ator fundamental da queda de Kadafi ajuda a alimentar ilusões de que os inimigos dos povos oprimidos podem atuar em favor de seus interesses.


1 The Guardian, Richard Seymour, Tuesday 30, August 2011.

2“Líbia: a celebração de uma prematura vitória”, George Firedman, Stratfor, 30/08/2011.

3 Ver “A OTAN busca asegurar-se do controle da Líbia” http://www.ler-qi.org/spip.php?article3071 .

4 Ver “Correio Internacional: Grande vitória do povo líbio e da revolução árabe - O povo em armas está destruindo o regime de Kadafi!”; em www.pstu.org.br.

5 Ver “Polêmica com a LIT e o legado teórico de Nahuel Moreno”, revista Estratégia Internacional n3, dez/93, em http://www.ft.org.ar/estrategia/ei3polemica_con_moreno.html#¿UNA GUERRA MUNDIAL DE REGIMENES?

 

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