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Editorial
02 Aug 2005 |

A revista Estrategia Internacional, órgão teórico da Fração Trotskista - Quarta Internacional, já leva mais de uma década de existência, período ao longo do qual tem polemizado com a inte-lectualidade latino-americana e européia sobre distintas questões de teoria, política, economia e da luta de classes em diversos países e em nível internacional. No último período passou a ser publicada também em inglês, francês e alemão.

Este primeiro número da revista Estratégia Internacional Brasil - que combina artigos do número 21 da edição em espanhol com uma elaboração própria sobre a realidade brasileira - surge num momento de intenso debate sobre as perspectivas políticas e ideo-lógicas colocadas neste início do século XXI.

Se os processos de restauração capitalista no Leste Europeu e as derrotas sofridas pela classe trabalhadora na década de 1990 cria-ram as bases para o surgimento de uma ideologia de triunfalismo capitalista e de negação da perspectiva socialista, materializadas nas teorias que propagavam o “fim da história” e o “fim do trabalho”; este início de milênio começa a apontar para o ressurgimento de um ideário anticapitalista - mesmo que não ainda marxista - de distintas fisionomias, junto a amplos setores de vanguarda em di-versos países, o que expressa profundas transformações no pano-rama internacional.

Estamos frente a um cenário internacional convulsionado pela ofensiva imperialista no Iraque, que tem se transformado num du-ríssimo combate das tropas invasoras e de seu governo títere contra uma resistência popular heróica, a despeito do caráter burguës das distintas direções islà¢micas. A partir dos resultados desse conflito, serão definidos os caminhos da situação internacional e o novo equi-líbrio de forças entre as distintas potências.

A invasão do Iraque, programada para ser a maior demons-tração de força dos EUA, pode se transformar, e em certa medida já se transforma, em seu oposto, ou seja, em uma mostra cabal da debilidade de Washington para implementar seus planos de do-minação. O fato de o incomparável poderio militar norte-americano não ser suficiente para levar a uma vitória da ofensiva imperialista capaz de criar as bases para reverter sua decadência histórica como potência hegemônica, devido ás enormes contradições políticas em que este conflito está envolto, lança por terra todas as visões idílicas de desenvolvimento do capitalismo por fora de crises, guerras e re-voluções. Não apenas no Iraque, mas também pela situação convul-siva na América Latina e o acirramento das contradições inter-imperialistas, que hoje se expressa nos enfrentamentos comerciais e diplomáticos com a Europa, o que se evidencia cada vez mais é que o imperialismo norte-americano não pode mais que administrar sua decadência hegemônica, e ainda assim a um custo altíssimo.

Além disso, a reeleição de Bush após um dos processos eleitorais mais polarizados da história dos EUA, aponta para que no próximo período estas contradições estejam mais expostas. Não ã toa, o pri-meiro discurso de Kerry após o resultado das eleições incita os setores que se pronunciavam em seu favor a se unificarem com a base re-publicana, explicitando a necessidade da burguesia norte-americana de tentar conter a polarização aberta. Isso porque, se por um lado expressou-se o fortalecimento da base neoconservadora de Bush, por outro este terá que se enfrentar com o crescente sentimento de repúdio ás suas políticas, tanto interna quanto externamente.

Assim é que se torna uma questão candente, para determinar as perspectivas mais de longo prazo no plano internacional, res-ponder acerca da possibilidade de que outra potência possa cum-prir um papel de contrapeso ao declínio histórico dos EUA, e amor-tizar as contradições postas pelo capitalismo internacional. Frente ã manifesta debilidade que tem a União Européia para ocupar tal espaço, alguns setores vêem nos altos índices de crescimento da China uma possível resposta a este dilema. Para analisar as enormes contradições que envolvem este processo, rebatendo as distintas interpretações unilaterais em circulação, dedicamos um longo artigo sobre a questão, como parte de um esforço para responder a um dos problemas centrais de nosso tempo, com base no mais elevado arsenal marxista.

Torna-se patente que, para responder a estes problemas, já não basta refutar o pensamento único do “fim da história” - até porque ele já foi mais do que rechaçado pelo próprio evolver histórico. Ho-je, imperativo é combater as distintas variantes do “possibilismo”, seu descendente direto, que exerce nas condições transformadas atuais - por certo de maneira mais modesta, mas nem por isso me-nos daninha - o mesmo papel de obstáculo ao reencontro da pers-pectiva comunista com as massas.

No dossiê “O marxismo revolucionário como alternativa para o século XXI”, tomando por base o legado teórico de Leon Trotsky, refutamos as distintas interpretações unilaterais acerca do capita-lismo contemporâneo, bem como as estreitas conclusões “possibi-listas” a que invariavelmente conduzem. Mostramos que os pos-sibilistas são os verdadeiros utópicos, ao imaginar que é possível a convergência de interesses entre as potências imperialistas, destas com os países semicoloniais, e de todos com o movimento operário e as massas oprimidas. Da mesma forma, combatemos também aqueles que reduzem todo horizonte de transformação aos marcos da democracia liberal. Quanto mais porque, num e noutro caso, as teorias que propagam o fim da classe trabalhadora enquanto sujeito revolucionário, como resultante automática das transformações do capitalismo, começam a se deparar com questionamentos objetivos frente ao inicial processo de recomposição do movimento operário mundial.

Tal processo é fundamental, a despeito de não ser ainda o ele-mento primordial na situação aberta, porquanto traz em si a poten-cialidade de uma nova ofensiva da classe trabalhadora e da abertura de processos mais agudos da luta de classes.

Esta incipiente recomposição tem se mostrado em distintos países europeus com o conjunto de greves e mobilizações contra os ataques desferidos pelos governos com o desmantelamento dos Estados de bem-estar social, ações que se dão muitas vezes ã revelia das direções burocráticas de setores chave da classe operária européia - as chamadas greves selvagens na Itália, na França, na Inglaterra, na Alemanha.

Porém, é na América Latina que este processo tem mais peso. Após o destacado papel dos operários mineiros no Outubro boli-viano, sem dúvida a expressão mais avançada deste fenômeno, o mesmo tem se expressado em países como Argentina, México e Brasil num reverdecer de lutas e reorganização sindical e política. Ademais, nesse caso com a vantagem de combinar-se com um ascenso de massas contra o neoliberalismo que desde 2000 já per-correu Equador, Peru, Argentina, Venezuela e Bolívia. A tendência ã urbanização e a um crescente protagonismo do proletariado nos fenômenos da luta de classes no continente - em oposição ã pri-mazia absoluta dos setores camponeses e indígenas durante a dé-cada de 1990 - torna mais palpável a perspectiva de que o pro-letariado latino-americano possa cumprir no século XXI um papel de vanguarda do movimento operário mundial similar ao da Rússia no início do século XX.

Por outro lado, no Brasil a existência do PT, como grande aparato de contenção construído nas duas últimas décadas, possibilitou canalizar o descontentamento das massas com a aplicação das po-líticas neoliberais para uma via pacífica de alternância eleitoral. A localização de Lula como alternativa por dentro do regime conferiu a ele uma importância regressiva que transcende os limites na-cionais, ao salvar a burguesia brasileira da radicalização aberta das massas que se viu em quase todos os países da região.

Porém, a grande contradição que a eleição de Lula traz é que agora os trabalhadores se enfrentam com o que no período anterior se constituiu como sua principal direção histórica. Se na superfície o pacto de transição negociado com o imperialismo aplacou uma eventual radicalização de massas, num patamar mais subterrâneo são as energias contidas de anos e anos que ameaçam liberar-se. São tendências muitas vezes invisíveis, mas que preparam fenô-menos de enorme magnitude.

Por ora, a potencialidade dessa experiência tem se expressado em processos de movimentação de vanguarda, tanto intelectual e partidária, como no seio do movimento sindical, buscando a nova localização que o curso neoliberal do governo petista lhes impõe.

Porém, é a dialética entre desengano e prostração, indignação e revolta, atuando na psicologia das massas, que dará o tom do próximo período. Da resolução positiva dessas contradições depende a possibilidade de uma saída revolucionária, num dos países mais importantes do continente.

Conscientes do papel que a vanguarda marxista tem a cumprir neste processo, em uma série de artigos que apresentamos nesta edição de lançamento da revista Estratégia Internacional Brasil, bus-camos analisar criticamente o desenvolvimento e as contradições da situação nacional, e aportar para a constituição de um programa capaz de dar uma resposta em chave revolucionária para este inédito momento político. Para tanto, debatemos com as distintas estra-tégias colocadas, no campo teórico, em polêmica com “O Orni-torrinco” do sociólogo Francisco de Oliveira, e, no campo político, com o projeto do recém-fundado PSOL e com a direção que o PSTU tenta dar para o processo de reorganização sindical em curso.

A revista que lançamos agora pretende contribuir para um mo-vimento, tão necessário quanto urgente, no sentido de recuperar a unidade entre a teoria marxista e a atividade prática do movimento operário. Esperamos não estar sozinhos nessa tarefa, quanto mais porque as condições para tanto não são assim favoráveis há décadas. As elaborações que oferecemos ao leitor são uma pequena con-tribuição, na medida de nossas forças, ã tentativa de responder a essa exigência da realidade.

A atmosfera de recomeço que experimentamos, quando as der-rotas mais dolorosas já fazem parte do passado, nos obriga a superar tanto a atitude de resignação pessimista como a de rejeição em bloco do que passou. Isso significa elevar-se acima da tentação de procurar uma espécie de novo marco inicial, a partir do qual a história pudesse começar a ser escrita do zero, desta vez sem máculas.

É preciso saber combater tal tentação - tão compreensível na juventude quanto condenável nas velhas gerações - e, pelo contrário, aferrar-se intransigentemente aos ensinamentos presentes na totalidade da experiência vivida. É preciso sentir-se verdadei-ramente parte dessa experiência passada, para extrair de suas lições a energia revolucionária para avançar.

Nosso intuito aqui é nada mais que esse: abrir caminho para uma compreensão marxista revolucionária do Brasil, recuperando os fios de continuidade revolucionária - como tradição teórica que vai de Marx a Trotsky, mas também como tradição revolucionária viva.

Uma tradição que em nosso país é extremamente débil - pois que o marxismo revolucionário nunca terminou de deitar raízes por aqui - e que portanto precisa ser de certo modo inaugurada, a partir da fusão do melhor da teoria marxista revolucionária mundial com a experiência histórica de mais de um século de movimento operário no Brasil.

Isso significa uma ruptura com uma outra tradição, de conse-qüências profundamente deletérias, que desgraçadamente se ins-talou e predomina na esquerda brasileira, e cuja fisionomia se dis-tingue por dois aspectos centrais: a divisão mecânica de tarefas entre intelectualidade e militância partidária, e a diplomacia protocolar entre as distintas correntes intelectuais. Sem choques e sem atritos não há superação nem síntese - uma verdade dialética elementar, ã qual pretendemos nos elevar.

Compreendemos que a etapa histórica que vivemos hoje é pre-paratória para novas crises, guerras e revoluções. Por isso, através das distintas conjunturas que marcarão o próximo período, nossa tarefa primordial é fazer avançar a causa da construção de um par-tido revolucionário em nível nacional e internacional. É aproveitan-do o presente momento, marcado de ambos os lados pel abertura de espaços para uma nova ofensiva de nossa ideologia comunista, que queremos ajudar a forjar uma nova geração de intelectuais - educados na polêmica revolucionária e capazes de se fundir com os setores mais avançados da classe operária.

 

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