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A rebelião operária de Sicartsa e as contradições da "alternância"
04 May 2006 |

Por Martín Juárez

No dia 20 de abril as imagens da heróica resistência dos trabalhadores siderúrgicos de Sicartsa - complexo Las Truchas (propriedade do grupo Villacero), no porto de Lázaro Cárdenas, Michoacán, percorreram o país e foram difundidas no continente.

Chegou-se a esta situação quando depois da tragédia de Pasta de Conchos (ver o artigo seguinte) o governo deslegitimou Napoleón Gómez Urrutia como dirigente do sindicato mineiro-metalúrgico, impondo Elías Morales neste posto (ainda que nos anos prévios garantiu os planos patronais, havia tido tensões com setores da patronal mineira).

Este ataque ã autonomia sindical despertou o repúdio operário e provocou ações de protesto do sindicato. Nos dias 01 e 02 de março os 270,000 trabalhadores realizaram uma paralisação nacional; a participação operária defendia, não tanto o “seu” dirigente, senão a sua organização, e expressava o repúdio ante as mortes de seus companheiros e ante o ataque a suas condições de trabalho.

Nas semanas seguintes houve greves em empresas mineiras Nacozari, Sonora), e siderúrgicas (como em Lázaro Cárdenas), rechaçando a ingerência de Fox.Neste contexto, desde o dia 02 de abril os trabalhadores de Sicartsa foram ã greve, e depois de 19 dias cerca de 800 policiais sob a ordem do governo federal panista e do governo federal perredista, quiseram desalojá-los com gases lacrimogêneos e balas de borracha, provocando uma rebelião operária que -numa luta desigual e lançando mão do que estava a seu alcance - freou o desalojamento e gerou um movimento de solidariedade nesta cidade (onde há estaleiros, minas e fábricas de fertilizantes, que nos anos prévios protagonizaram várias lutas), com o qual centenas de trabalhadores de outras empresas se somaram à luta.

Depois de 6 horas de enfrentamentos, e quando já haviam sido assassinados dois trabalhadores (José Luis Castillo Zúñiga, trabalhador da Sicartsa, e Héctor álvarez Gómez, representante sindical em Mital Steel) e já havia mais de 40 feridos, o governo de Fox ordenou o recuo. Isto porque ao não deter a resistência dos grevistas, a rebelião poderia se transformar em uma semi-insurreição urbana encabeçada pela classe operária, com impensáveis conseqüências na região e no país.

Esta ação mostrou que os trabalhadores mineiros e metalúrgicos ocupam a vanguarda da luta de classes, e que há um novo estado de ânimo no movimento operário. Isto é parte de um processo iniciado em fins de 2003 com as marchas dos eletricistas, a paralisação nacional de 318/2004 e as lutas dos trabalhadores do Instituto Mexicano de Seguro Social (IMSS), nas quais uma vanguarda enfrentou o burocrata Vega Galina (mostrando o incipiente surgimento de fenômenos pela esquerda dos grandes aparatos sindicais), e que continuou nas mobilizações de fevereiro e março de 2005. Depois de anos de passividade e de estar aprisionado por suas direções burocráticas, setores da classe operária começam a ocupar um lugar destacado na luta de classes.

Hoje os trabalhadores mantêm a greve e o controle de parte da fábrica, enquanto a Polícia Federal Preventiva e a Armada permanecem em pontos “nevrálgicos” do porto e em áreas da empresa. Enquanto isso continuam as negociações entre a Secretaria de Governança (que substituiu a desprestigiada Secretaria de Trabalho) e o sindicato para levantar o conflito.

Para além de como vai terminar, por ter-se mantido em greve por mais de 20 dias numa empresa chave (Las Truchas é o principal complexo acerero do continente), pela radicalização de seus métodos (enfrentando uma selvagem repressão e evitando a derrota pelo desalojamento), pela solidariedade existente entre os trabalhadores da zona por ter-se mostrado que se pode enfrentar os ataques do governo, a rebelião de Sicartsa é um verdadeiro marco na luta do movimento operário dos últimos anos, que pode ter importantes conseqüências em outros setores do proletariado e na mesma situação nacional.

O que está por ver-se é se a rebelião de Sicartsa empurra ao surgimento de novas lutas operárias e populares que compliquem a situação do governo e a própria transição eleitoral.

Vulnerabilidade do governo e crise política

O ataque de Fox contra o sindicato, que deu um salto com a tentativa de desalojamento de Sicartsa, ao não ter triunfado está gerando o efeito contrário do buscado: maior vulnerabilidade do governo em sua “reta final” para as próximas eleições presidenciais. Setores do regime (como o PRI) questionam sua “incapacidade política” para resolver o conflito, e outros colocam que “depois do enfrentamento as coisas estão como na manhã de quinta-feira, os trabalhadores têm o controle da fábrica”. Tanto que a patronal lançou uma ofensiva ultra-reacionária promovendo atas contra os operários por despojo e terrorismo. A repressão e a morte de dois trabalhadores acrescentaram desprestígio e descontentamento junto ao movimento de massas; descontentamento que impulsionou as direções sindicais da Unión Nacional de Trabajadores e as priistas CROC y CROC (todas integrantes da recém formada Frente Nacional por la Unidad y la Autonomía Sindical) a anunciar uma paralisação de 12 horas no dia 28 de abril.

Esta importante polarização política se expressa em um contexto e disputas entre “os de cima” frente ás eleições.
O oficialista Partido Acción Nacional seguramente sairá golpeado pelos efeitos da repressão de Sicartsa e um debilitamento do governo, e seu candidato, - que não despontava como vencedor das eleições - pode cair mais.
O PRI, principal pilar do regime, arrasta uma importante crise, e seu candidato, Roberto Madrazo não desponta nas pesquisas. Como pano de fundo disso está o desprestigio junto aos trabalhadores e os camponeses, que pode levar a que setores da burocracia abandonem o PRI e passem ao PRD, ou a novas rupturas (uma primeira cisão foi a de seu dirigente no magistério, Elba Esther Gordillo). Para a classe dominante é alarmante que as lutas operárias ocorram em meio de uma crise dos aparatos sindicais priistas, como o Congreso del Trabajo (CT) e a CTM cuja base está no desprestígio do charrismo entre os trabalhadores e que é acicateada pela ofensiva do próprio governo. Isto se dá porque os elementos de crise nas instituições do regime podem ser aproveitados pelos trabalhadores para sair a lutar contra o ataque do governo.

O ascenso eleitoral do PRD

Neste contexto de instabilidade e desprestígio do regime, o candidato perredista, Andrés Manuel López Obrador (AMLO) vinha capitalizando o descontentamento e a crise do PRI e do PAN, com um discurso antineoliberal que gerou simpatias entre os oprimidos e explorados.

As lutas operárias, as mobilizações do EZLN em todo país, junto ao movimento democrático de massas que em março de 2005 derrotou a intentona bonapartista de Fox, o PRI e o PAN para proibir o candidato perredista, expressaram mudanças no estado de ânimo e uma evolução ã esquerda de grandes setores das massas. Este processo também se expressou, passiva e distorcidamente, no crescente apoio popular ao AMLO. Este crescimento do PRD, que avançou em direção a um posicionamento mais moderado para tranqüilizar os capitalistas (integrando a ex priístas), se favoreceu da política das direções operárias “opositoras” que levaram água ao moinho do PRD. A última prova de que o PRD está a favor dos capitalistas foi a repressão em Michoacán, governado pelo perredista Cárdenas Batel.

A possibilidade de um governo “progressista” é visto pela burguesia e o imperialismo como uma opção para conter o descontentamento popular, já que o PRD, para além da sua retórica, continuará com o essencial de uma política econômica favorável para as transnacionais. Frente ao processo eleitoral o PRD se joga a desviar as aspirações populares sob a ilusão num governo anti-neoliberal, que ajudaria a legitimar novamente o regime de alternância.

Todo apoio aos trabalhadores de SICARTSA

Por um primeiro de maio de unidade e luta operária
Nos últimos meses o descontentamento empurrou reorganizações entre o sindicalismo opositor (como o surgimento da Frente Nacional por la Unidad y la Autonomía Sindical) e chamados a ações de protesto, enquanto que as direções do SME e da UNT apostavam no triunfo eleitoral do PRD (integrando alguns de seus dirigentes ás listas do mesmo). O EZLN, que em 2005 convocou a “outra campanha” corretamente criticou o PRD e o charrismo. Entretanto, se manteve por fora das mobilizações do SME e da UNT, caindo em uma proposta sectária, em lugar de lutar por uma política alternativa no interior das mesmas.

Desde a LTS pensamos que a heróica luta de Sicartsa e a selvagem repressão do governo que provocou duas mortes operárias, exige impulsionar uma mobilização unificada de todo movimento operário e popular, com um verdadeiro plano de luta, com independência dos partidos do regime (responsáveis pela repressão como o PAN ou o PRD em Michoacán e cúmplices da tragédia operária de Pasta de Conchos, como o PRI). Há que demonstrar a força da classe trabalhadora e sair ã ofensiva contra o ataque do governo.

Desde a LTS-CC pensamos que a primeira e imediata tarefa é a mais ampla solidariedade com os companheiros de Lázaro Cárdenas. Para frear a repressão e conquistar as demandas operárias, a direção do Sindicato Mineiro tem que convocar a paralisação nacional; e por sua vez, os sindicatos e organizações políticas, camponesas e populares, como o SME, a UNT e “La otra campaña” devem chamar a mobilização em todo país.

Há que preparar uma grande paralisação nacional em solidariedade, para obrigar a retirada imediata do exército, conseguir o julgamento e castigo dos mandantes e executores da repressão e do assassinato dos dois companheiros trabalhadores, levantar as demandas das famílias e mineiros de Pasta de Conchos, contra a ingerência do governo nos sindicatos e pela sua democratização nas mãos dos trabalhadores.
A paralisação nacional para o dia 28 de abril deve ser garantida em todos os centros de trabalho.

Este 1° de maio deve ser uma jornada de luta unitária, classista e internacionalista, com uma grande mobilização unificada. E continuá-la com um Encontro Nacional de Organizações operárias, camponesas e populares, com delegados de base, para tirar um plano de luta. Convocamos aos setores operários que se reclamam combativos (como os trabalhadores de “la otra campaña” que impulsionam o Encontro Operário), a impulsionar unitariamente esta política na mobilização que o SME e a UNT realizarão neste 1° de maio, e também no seio das organizações operárias.

 

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