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Apresentação
por : LER-QI, Brasil

02 Jun 2009 |

A Revista Estratégia Internacional Brasil, que chega agora com este número ã sua terceira edição, é parte dos esforços da Fração Trotskista -Quarta Internacional, e de sua organização brasileira, a Liga Estratégia Revolucionária, para resgatar e tornar viva a tradição do marxismo revolucionário à luz dos novos desafios colocados neste início de século. Para tal, partimos de ligar de maneira indissociável este esforço teórico à luta pela reconstrução do partido mundial da revolução, a IV Internacional, e de suas seções nacionais, como via de colaborar para a retomada da teoria-programa capaz de aportar na resposta aos problemas chave de nosso tempo, em busca do avanço da classe trabalhadora no combate por sua emancipação.

Esta tarefa só será bem-sucedida se for empreendida em confronto com
as correntes que sustentam concepções e estratégias que a despeito de
tentarem se apresentar com uma nova roupagem, terminam repetindo todo o receituário da II Internacional em sua degeneração reformista, com o agravante de que o fazem em um momento em que o capitalismo é sequer capaz de oferecer concessões profundas ás massas. Pelo contrário, num momento em que a burguesia busca acabar com os resquícios de seu Estado de bem-estar social na Europa. Isso se demonstra com a política levada ã frente pelo presidente francês, Nicolas Sarkozy, que até o momento teve suas investidas dificultadas pela ação dos trabalhadores e da juventude, o que prenuncia a possibilidade de um novo emergir da luta de classes no Velho Continente, como de fato se dá neste exato momento com a mobilização de estudantes secundaristas, docentes e sindicatos franceses contra mais uma tentativa de reforma da previdência. O que, por sua vez, aprofunda a necessidade do combate teórico-político contra as correntes que em nome de um socialismo “modernizado” na verdade o despojam de seu conteúdo revolucionário, assumindo um caráter “neobersteiniano”.

Estamos tratando aqui das correntes que têm se lançado ao abandono da estratégica revolucionária em nome de construir “partidos amplos”, sem delimitação de classe, e emdefesa de um programa meramente “antineoliberal” que não leva ao combate decisivo contra a burguesia, emtodas as suas frações, e ao capitalismo, sob todas as suas formas. Pelo contrário, semeiam o engano de igualar a luta antineoliberal à luta anticapitalista, o que na prática só pode levar a classe trabalhadora e as massas ao engano e ao beco sem saída da adaptação detrás de alas da burguesia. Haja visto a política levada em nosso país pela direção do PSOL, que tem em Heloísa Helena seu principal expoente. Enquanto Heloísa Helena impulsiona uma política carregada de preconceitos morais cristãos expressados em sua posição contra o direito ao aborto, no plano político seu partido aplica um programa que privilegia setores não monopolistas da própria burguesia, tendo atacado os direitos dos trabalhadores votando leis antioperárias, como o Supersimples. No caso específico do PSOL o discurso do anticapitalismo sequer é posto.

No artigo “Qual partido para qual estratégia?” de Claudia Cinatti discutimos contra estas correntes que encontram no abandono da estratégia revolucionária e na liquidação do que ainda poderia restar dos fios de continuidade com os elementos revolucionários de sua própria tradição – liquidacionismo que tem na LCR francesa sua mais aguda expressão – uma pretensa via para se “ligar a setores mais amplos”. Via esta que já vem se mostrando um caminho oposto ã ruptura do isolamento e massificação destas organizações. Ainda que em alguns casos possa levá-las a ter maior presença midiática e influência eleitoral, vimos recentemente as contradições destas organizações materializadas em derrotas importantes. Para atestar este fato, basta retomarmos a recente derrota eleitoral da Refundazione Comunista e seus aliados na Itália, que havia integrado a coalizão do governo burguês centro-esquerdista de Prodi, ou a expulsão do SWP britânico da coalizão eleitoral Respect que haviam construído em aliança com diversos setores de centro-esquerda, dentre os quais figuravam desde setores da burguesia muçulmana até o parlamentar escocês George Galloway rompido com o Labour Party.

Isto deve servir de alerta para outras organizações que seguem se
reivindicando revolucionárias, mas em países onde têm um trabalho inicial acabam enveredando pelos tortuosos “atalhos” da participação em partidos amplos sem delimitação de classe, como é o caso da atuação da Frente da Esquerda Revolucionária – organização que integra a LIT-QI, que tem no PSTU brasileiro a sua organização mais importante – no Bloco de Esquerda de Portugal, frente ampla que de acordo com suas próprias palavras almeja lutar por "reformas fortes no plano dos direitos e do sistema político, em direção a uma democracia que encontre na cidadania a sua condição de existência e permanente Estratégia renovação" [1].

Esta política de acordos oportunistas sem delimitação de classe levada a
cabo ao mesmo tempo em que se fala da reconstrução da IV Internacional, se demonstrou na história de nosso movimento como via de construção de reagrupamentos estéreis, que nos momentos decisivos explodem. Por outro lado este método nada tem a ver com o elementar critério dialético de intransigência ideológica e flexibilidade táctica que Trotsky utilizou para a fundação da IV Internacional. Assim, o alerta contra este tipo de atuação serve para nos lembrar que ao longo da história de nosso movimento, a saber, o movimento comunista, a recusa de dar o combate por um programa revolucionário, quaisquer que sejam os pretextos táticos apresentados para tanto, tem levado ao fortalecimento dos reformistas, o que em última instância equivale a novas derrotas para a classe trabalhadora e as massas em sua luta pela emancipação.

Esta lição, que apesar de valiosa segue sendo muitas vezes deixada de
lado, emerge como uma das ferramentas fundamentais para tornar possível a reflexão sobre a natureza do que foi o maior ascenso da classe trabalhadora brasileira nas últimas décadas com as greves operárias do ABC e de São Paulo que culminou na situação pré-revolucionária aberta no ano de 1978, estendendo-se até o ano seguinte, e se fechando após a traição de Lula ã greve de 1980. Tal reflexão deve estender-se ã formação e consolidação do próprio PT, e também ao balanço da atuação das próprias correntes de esquerda no interior do processo, já que cada uma ã sua maneira foram incapazes de levantar uma política de independência com relação aos “Autênticos”, que desde aí se alçavam como uma burocracia sindical funcional ã transição ã democracia pactuada pela burguesia, levando ã frente
um projeto de se converter em parte ativa neste pacto de transição.

Como expressão do profundo ascenso proletário de finais dos anos 1970, e do caráter ambíguo do PT em sua fundação, não estava descartado que o trotskismo - cujo ator social transformador, o proletariado, vinha se radicalizando – conseguisse disputar e dotar de um programa e uma direção revolucionária este instrumento político da classe operária. Como Trotsky lembrava aos trotskistas espanhóis, nos momentos revolucionários o peso de um pequeno grupo pode ser fundamental para o desenvolvimento dos acontecimentos, alertando sobre o erro trágico de considerar o seu próprio partido como um objeto morto em lugar de tomá-lo como um fator vivo da revolução. A esquerda trotskista que interveio no processo de formação do PT, ao contrário, o fez em geral disciplinada ã direção reformista, ou fazendo a esta apenas críticas parciais, abandonando o conjunto da estratégia proletária, sendo parte da transição ã democracia burguesa. Na época era correto entrar no PT, não para substituir a estratégia revolucionária pelo
sindicalismo, mas para acelerar o ritmo da construção de um verdadeiro
partido revolucionário.

Assim, o PT, se por um lado em seu início tinha um caráter contraditório
na medida em que expressava os anseios dos trabalhadores em terem um partido político seu, independente da burguesia e da patronal, por outro lado frente ã hegemonia em sua direção de setores pequeno-burgueses e sindicais, tendo Lula como seu máximo expoente, terminou sendo rapidamente transformado em um instrumento de conciliação de classes.

Buscamos demonstrar como este processo de desvirtuar o caráter classista do PT já se dá no início da própria década de 80 – e não apenas nos anos 90 quando passou a administrar uma série de municípios, como pretendem ainda hoje setores da esquerda – em continuidade com a política que desde sempre havia sido levada por Lula, como bem o demonstra a já mencionada traição da greve de 1980. Assim, consideramos essencial trazer ã tona a história de um momento chave, que segue determinando os rumos atuais da classe operária brasileira, com o próprio PT tendo se transformado no aplicador direto dos ataques neoliberais em nome dos interesses da burguesia. Esta história muitas vezes até chega a ser narrada, mas que ao sêlo de maneira enviesada, apresentando explicações simplistas, liquida as
possibilidades de tirar as lições necessárias para avançar.

Para tal, apresentamos uma entrevista com Val Lisboa, dirigente da LER-QI que viveu estes processos, e hoje emprega seus esforços na elaboração das Teses Fundacionais de nossa organização. Estas Teses se propõem a aportar para a construção de um partido revolucionário em nosso país, partindo de uma compreensão marxista da formação do capitalismo brasileiro, do movimento operário, suas correntes políticas e da luta de classes, de modo a extrair as lições necessárias para evitar a repetição dos erros cometidos no passado, que tanto custaram ã classe operária brasileira, e forjando uma perspectiva de elaboração sobre qual a prática política, teórica e programática deve ser levada ã frente para o triunfo da revolução em nosso país.

Por fim, apresentamos o artigo “Crise e contradições do capitalismo no
século XXI” de Juan Chingo que traz uma análise marxista sobre os contornos estruturais e as perspectivas do capitalismo internacional, num momento em que a crise econômica do capitalismo segue golpeando desta vez não a periferia do sistema, mas a principal potência mundial, os Estados Unidos. As vésperas das eleições presidenciais norte-americanas que seguem marcadas por uma série de reviravoltas explicitando a ausência de um projeto claro da burguesia norte-americana para responder a sua crise, vemos como o processo de decadência histórica do imperialismo norte-americano, agravada pela desastrosa política dos neoconservadores no Oriente Médio, foi responsável pelo aprofundamento das contradições geopolíticas em nível
internacional. Resta saber agora qual será o resultado da evolução este
processo, marcado hoje pelo estouro da crise econômica norte-americana, lembrando que o relativo crescimento econômico foi um dos elementos que proporcionou certa estabilidade ao mundo no momento anterior.

Esta crise iniciada com a derrocada do mercado imobiliário norteamericano e de seus incontáveis ativos financeiros, leva a um profundo questionamento de todos as visões que, impressionadas pelo último ciclo de crescimento da economia internacional, defenderam que estaríamos diante de um novo ciclo de crescimento a exemplo do que ocorrera após a massiva destruição de forças produtivas após a Segunda Guerra Mundial. No artigo se demonstra como ao contrário disso a recente recuperação da taxa de lucro nos países centrais ocorrida nos últimos anos, longe de prenunciar novos “trinta anos gloriosos”, se dá sobre a base de exacerbar as contradições do capitalismo em nível mundial, sobretudo levando ã saturação dos escassos nichos de valorização do capital, como o é hoje a China, e sem o acompanhamento de uma acumulação capitalista durável e generalizada. Dessa maneira, resulta mais atual que nunca a máxima leninista contida em O Imperialismo, fase superior do capitalismo a respeito da natureza de nossa época, como sendo de crises, guerras e revoluções.

Isso traz implicações fundamentais para a própria situação econômica e geopolítica também da América Latina, cujas burguesias dependentes do imperialismo acreditavam estarem resguardadas de novas crises, por conta dos últimos anos de crescimento de uma média regional de 8%, questão que agora já começa a se fazer sentir nas pressões inflacionárias presentes em diversos países, e produto da erosão do dólar. Sobretudo quando vemos uma nova faceta desta crise, que explicita largamente o caráter anárquico do capitalismo – como sistema que visa a geração de lucro destinado ao enriquecimento de poucos, e não a satisfação das necessidades humanas – que se expressa de maneira dramática no que se convencionou chamar como
a presente “crise dos alimentos”.

Este fenômeno, posterior ã elaboração do artigo apresentado aqui, é
explicado pela burguesia como uma espécie de “efeito colateral” do
crescimento econômico internacional. Tentam nos fazer crer que a repentina inflação e escassez de preços dos alimentos básicos, seria resultante da escalada da demanda graças ao aumento do poder aquisitivo principalmente das populações dos países semicoloniais latino-americanos, da Índia e da China. Ainda que a demanda de fato tenha aumentado, os defensores do capitalismo não conseguem nos explicar como é possível estarmos diante de uma escassez de alimentos quando a produção de grãos mundiais está batendo recordes históricos [2]. Não conseguem nos explicar porque a única razão factível para isso atende pelo nome de ganância capitalista, ao privilegiar a produção de etanol impulsionada pelos EUA em detrimento da produção destinada ao consumo alimentar humano. Este novo aspecto da crise capitalista pode anunciar mais instabilidade para o cenário internacional, abrindo brechas para que novos episódios da luta de classes se dêem, a exemplo do que de fato já vêm acontecendo em países como México, Haiti, Bolívia, Egito e tantos outros cuja população famélica saiu ás ruas protestando contra mais esta miséria imposta pelo capitalismo.

É neste marco que ressaltamos a necessidade urgente de resolver a
contradição nomeada por Trotsky em seu Programa de Transição, elaborado há exatos 70 anos, entre as condições objetivas mais que maduras para a derrocada do capitalismo e o atraso das condições subjetivas, isto é, da direção revolucionária da classe trabalhadora. Sabemos que por mais decadente que esteja, o colapso do sistema capitalista por si só não levará automaticamente ã futura sociedade socialista. Que chegar a este fim almejado por nós, que deverá desembocar no início de uma nova história da humanidade a partir da derrubada da classe capitalista e de seu sistema, só será possível a partir da intervenção consciente da classe trabalhadora. E para isso é preciso responder aos novos desafios da realidade. As elaborações aqui
apresentadas visam ser um aporte humilde de nossa corrente para o avanço nesta direção.

 

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