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Revolta social na Grécia
por : Simone Ishibashi

10 Dec 2008 |

No sábado, 6 de dezembro, as ruas das principais cidades gregas, como Atenas, Hania, Creta e Salônica foram tomadas por milhares de manifestantes que protestavam contra o assassinato de Andreas Grigoropulos, de 15 anos, pela polícia. A manifestação apesar de duramente reprimida pela polícia, durou horas tendo se estendido para o domingo, deixando o saldo de 40 feridos.

Entretanto, a dura repressão não conseguiu amedrontar a juventude e os setores populares que se levantaram contra o brutal assassinato executado pela polícia. Após os confrontos, professores universitários, que já estavam preparando uma mobilização contra a reforma da previdência e a política econômica do desgastado governo de Kóstas Karamanlís, do partido de direita Nova Democracia, anunciaram que integrarão os protestos de três dias, marcados para ocorrer a partir de 09/12, enquanto a universidade de Tessalônica foi ocupada por centenas de estudantes que reagem com pedras e coquetéis molotovs ás investidas da polícia. Também foi convocado pelo Partido Comunista grego, e o Pasok, partido socialista, uma marcha para a noite de 08/12, ã qual deverão comparecer os principais sindicatos do país.

As repercussões da revolta social grega já percorrem pela União Européia. Na manhã de 08/12 o consulado grego em Berlim foi ocupado por 15 jovens cidadãos gregos, que levavam um cartaz no qual se lê “O Estado assassina”. As manifestações gregas expressam a raiva popular contra o governo de Kóstas Karamanlís e os efeitos da crise econômica, que tem golpeado o país duramente, aprofundando a já péssima distribuição de renda do país, e podem ser o anúncio de grandes embates da luta de classes e de uma crise política profunda do entreguista e reacionário governo grego. Assim, os enfrentamentos gregos fazem parte das primeiras respostas do movimento de massas aos efeitos da crise capitalista, e podem transformar o antigo berço da civilização ocidental numa barricada avançada da luta de classes internacional, tendo assumido desde já um caráter político na medida em que questiona o governo de Kóstas Karamanlís.

Grécia: crise política e econômica

A atual situação política grega está marcada por um profundo impacto da crise econômica internacional. A despeito dos números apresentados pelo governo que atestavam avanços nos índices econômicos a partir da entrada do país na União Européia em 2001, desde o início deste ano a Grécia, ao lado de países como o Estado Espanhol, foi um dos primeiros a ver sua economia cair. A economia grega, que é sustentada em grande parte pelo setor de serviços que correspondente a 74,5% do PIB nacional, do qual o turismo é responsável por uma grande parte, tem sofrido com a recessão de alguns de seus vizinhos europeus. Porém, é o setor industrial, responsável por 20,7% do conjunto da atividade econômica, que tem sido o mais golpeado: o volume de exportações caiu 13,2% em relação ao ano passado, enquanto a atividade industrial de conjunto apresentou retração de cerca de 3,5%. Mesmo os empregos criados no último ano são em sua maioria precarizados, não tendo revertido a proporção de 1 em cada 5 gregos vivendo abaixo da linha da miséria, ganhando menos que 5000 euros por ano. Além disso, a Grécia já estava na mira da União Européia por ter excedido o déficit permitido aos países da zona do euro.

O governo de Kóstas Karamanlís tem sido um dos mais resolutos em despejar a crise nas costas dos trabalhadores. Como via para atender aos ditames dos principais imperialismos da UE, o governo busca privatizar diversas empresas, dentre as quais a empresa aérea estatal, além de realizar reformas que atacam imensamente o sistema de aposentadorias, com um projeto que aumenta a idade para mesma e diminui o seu valor. O governo da Nova Democracia também é responsável pelo corte de investimentos dedicados a programas sociais, aumento dos impostos e ataques ao ensino superior. Assim, a reação popular que explodiu nas últimas manifestações também é uma resposta ao resgate bilionário anunciado pelo governo grego para salvar o sistema financeiro e os bancos, a exemplo dos EUA e da UE. Assim, ao contrário do discurso burguês de saudar a entrada da Grécia na União Européia como a via para o crescimento econômico, frente ã crise se evidencia que os países de menor poder econômico além de estruturalmente seguirem mantendo as mesmas disparidades que impõem ás massas imensos sofrimentos e privações, ainda significa para estas ataques aos direitos historicamente conquistados em nome da “busca por competitividade”, e da “modernização” imposta pelos imperialismos europeus. Isso confirma que a União Européia, como já discutimos em outros artigos, nada mais é que uma tentativa dos principais imperialismos europeus de submeter seu próprio proletariado e dos países do continente.

No interior da Grécia, os efeitos da crise econômica se somam a uma grande crise política que começa a se abrir no alto escalào do governo da Nova Democracia. Como se não bastassem os ataques do governo, e a dura situação ã qual está submetida uma imensa parte da população e dos trabalhadores gregos, inúmeros ministros estão sendo acusados de corrupção. Junto com a explosão da crise internacional em setembro deste ano vieram ã tona os escândalos envolvendo o ministro da Marinha Mercante, Yorgos Vulgarakis, que foi obrigado a se demitir após a descoberta de que os negócios escusos e lucrativos de sua família estavam baseados em abusos de poder. Outras instituições que foram favorecidas no governo da Nova Democracia, como a própria Igreja Ortodoxa, também são alvos de escândalos de corrupção, o que debilita os apoiadores de Kostas Karamanlís. Em uma tentativa de não parecer ainda mais debilitado, o presidente grego após ter perdido uma série de outros colaboradores, foi forçado a negar o pedido de demissão de Prokopis Pavlopoulos, ministro do Interior, que estava disposto a entregar o cargo em decorrência do assassinato do jovem em Atenas. Porém , esta decisão pode aprofundar a raiva popular, contribuindo para debilitar seu governo ainda mais.

Resgatar e aprofundar a tradição de luta dos trabalhadores e da juventude

A Grécia tem sido um dos países mais instáveis da Europa, e já foi o cenário de vários enfretamentos de setores populares e dos trabalhadores com o governo. A revolta social que explodiu nos últimos dias é mais um episódio que mostra a imensa combatividade da juventude e do povo grego. A entrada em cena dos trabalhadores pode elevar as manifestações a um patamar superior. Apesar da linha pacifista e traidora adotada pela burocracia do Pasok, que quando estava no governo em 2001 tentou aprovar ataques similares ao sistema de pensões e quase foi derrubado também pelas manifestações populares, e do PC (KKE por suas siglas em grego) é possível que haja um recrudescimento das mobilizações, que podem forçar as direções a irem mais além do que gostariam, dando continuidade e radicalizando as diversas mobilizações ocorridas desde o início deste ano.

Estas mobilizações foram muito importantes, como a greve geral de 24hs deflagrada em 21 de outubro, que contou com a adesão de 90% dos trabalhadores do setor de serviços, e que culminou numa marcha com a participação de 15.000 pessoas em Atenas contra os ataques do governo, e sob o lema “Não agüentamos mais”. Os movimentos estudantis secundarista e universitários se somaram ativamente, em protesto contra a privatização do ensino superior e o corte das verbas para a educação, culminando em 250 institutos e escolas ocupadas por todo o país. A greve terminou com a ocupação do prédio central da Olympic Airways por parte dos trabalhadores, que foram também duramente reprimidos pela polícia. Em 22 de outubro as paralisações continuaram e desta vez abarcaram os setores rurais, que aderiram em quase 100%.

Hoje, muitos já comparam a revolta social detonada pelo assassinato do adolescente com as manifestações encabeçadas pelos estudantes em 1985 quando a polícia também assassinou um jovem que participava das homenagens aos atos de novembro de 1973. É uma tradição da juventude e de setores populares e de trabalhadores gregos sair ás ruas para relembrar a queda da chamada “Ditadura dos Coronéis”, regime comandado pelo general Yorgos Papadópulos que havia submetido o povo e os trabalhadores gregos com grande brutalidade desde a queda da monarquia por um golpe de estado impulsionado pelos coronéis em 21 de abril de 1967. As manifestações de 1973 tendo os estudantes como vanguarda, rapidamente se tornaram massivas, abarcando amplos setores populares e de trabalhadores, que tornaram a ocupação da Escola Politécnica de Atenas o epicentro da mobilização. Este movimento colaborou enormemente para a queda do regime da Ditadura dos Coronéis em 1974.

Assim, é preciso que os trabalhadores entrem em cena com seus métodos históricos de luta, dotando a revolta social que incendeia as ruas das principais cidades do país de um programa capaz de impor uma saída dos trabalhadores e completar o caminho aberto em 1973, impedindo que a crise econômica seja descarregada nas costas dos trabalhadores e do povo grego. A combativa classe operária e a juventude grega precisam superar suas direções, hoje nas mãos do KKE e do Pasok, e unificar suas fileiras, lutando por impor uma saída definitiva ás mazelas impostas pelo governo de Kostas Karamanlís e sua burguesia atrelada aos interesses da UE. Sigamos com atenção.

Para saber mais

Grécia: mais uma revolução esmagada com o aval do stalinismo

Como vimos, a tradição de luta da classe operária e da juventude grega não vem de hoje. Em plena II Guerra Mundial desenvolveu-se em 1943 uma fortíssima resistência armada operária e camponesa contra a invasão alemã. Na época a monarquia patrocinada grega pela Grã-Bretanha havia instaurado a ditadura do general Metaxas, que se caracterizou por uma crueldade contra os trabalhadores e o povo sem limites. Assim, a resistência ã invasão alemã rapidamente virou suas armas em direção ao governo do rei Jorge II e de Metaxas. A resistência grega ganhou proporção tamanha que obrigou o primeiro-ministro britânico Churchill a se encarregar pessoalmente de esmagar o levante operário-camponês grego, mostrando a demagogia do discurso dos imperialismos “democráticos” de que sua motivação na II Guerra seria o combate ás ditaduras. No caso da Grécia tornou-se evidente que a “democrática” Grã-Bretanha não hesitou um segundo em combater “os que estão sem dúvida contra o Rei e favoráveis a uma república”.

A derrota do levante operário-camponês que Churchill definiu como o que poderia ser “a vitória aberta do trotskismo”, contou com a colaboração inestimável da burocracia stalinista, tal como antes havia ocorrido na Revolução Espanhola. Em 1944 já contando com o compromisso da burocracia stalinista de que não interviria em favor das massas gregas, Churchill vai ã Grécia e ajuda o agora governo de Papandreu a vencer os trabalhadores, que ainda sem contar com nenhum apoio a URSS combate em Atenas contra as tropas do governo por 33 dias. A orientação dada por Moscou para os comunistas gregos é de considerar o rei Jorge e os metaxistas como “aliados democráticos”, e os dirigentes que participaram da resistência foram chamados a capitular frente ã Grã-Bretanha.

Como já citamos na apresentação do livro Guerra e Revolução [1]: “Stalin inaugura na Grécia o primeiro ato do pacto com o imperialismo inglês e norte-americano que depois será legitimado, no final da guerra, nos acordos de Yalta. Como atesta o próprio Churchill ‘...Stalin aderiu e cumpriu lealmente o acordo de outubro conosco e durante todas as longas de semanas de luta contra os comunistas nas ruas de Atenas não se viu uma só palavra de reprovação nas páginas dos jornais do PC russo, Pravda nem Izvestia”. Esta colaboração de Stalin foi fundamental para que a saída da II Guerra Mundial tenha sido marcada não pela derrota do capitalismo, mas pela sua sobrevida, que hoje mergulha o mundo inteiro em mais uma de suas crises.

 

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