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"Sem racismo não existe capitalismo", Malcom X
por : LER-QI, Brasil

19 Nov 2008 | Entrevista com Mara Onijá

O Jornal Palavra Operária entrevista nesta edição Mara Onijá, dirigente da LER-QI e militante do Hip Hop e do movimento negro.

JPO: O principal fato da política internacional desde a semana passada tem sido a eleição de Barack Obama nos EUA...

Mara: Sem dúvida, a eleição de Barack Obama nos Estados Unidos é um fato histórico. Em meio a maior crise capitalista desde a crise desencadeada pelo crack de 29, o perfil e o discurso de Obama convenceram milhões de estado-unidenses a depositar nele suas esperanças de mudança e resolução da crise. É um acontecimento de grande magnitude a eleição de um candidato negro num país que é ainda o principal imperialismo mundial e que, além disso, é um país que há poucas décadas vivia sob a segregação racial. E vale lembrar que Obama se tornou um fenômeno internacional, que tem despertado esperanças no mundo inteiro. Os anos de unilateralismo de George Bush, onde tem destaque a sua guerra no Iraque, provocou internamente um alto índice de desaprovação desse governo, além de um amplo sentimento anti-Bush internacionalmente. Acredito que esse foi também um fator da situação que possibilitou que Obama conquistasse tamanho apoio das massas.

E qual pode ser o papel de Obama para o povo negro nos Estados Unidos?

Quando falei que as massas estão depositando suas esperanças em Obama, com certeza tem um destaque imenso as esperanças depositadas pelos negros, que representam cerca de 13% da população. Não é um fato qualquer que 95% dos negros votaram em Obama. Nos Estados Unidos, apesar de a segregação racial ter acabado - depois de muita luta e muito sangue negro, é importante dizer - a maioria da população negra ainda vive uma realidade muito distinta da população branca e o racismo sobrevive não só como ideologia. Por trás das políticas de ações afirmativas adotadas há algumas décadas, persistem políticas brutalmente racistas por parte do Estado. Afinal, o que significou o Katrina, que atingiu a população negra que não tinha como sair da cidade, enquanto os brancos puderam se salvar? O que significou a Guarda Nacional apontando armas e ameaçando matar os negros que não saíssem de suas casas depois do furacão? O que dizer da especulação imobiliária e do festejo por parte dos turistas em New Orleans festejando meses depois que a cidade estava menos negra? Pegando um episódio como esse, já podemos ver que o discurso que faz Obama é incoerente com a realidade. Em nenhum momento ele se colocou na perspectiva de combater o racismo, porque em suas palavras está na hora de os Estados Unidos se livrar de suas “velhas feridas raciais”. Durante a campanha eleitoral, quando o pastor Jeremiah A. Wrigth Jr., referencial religioso de Obama há muitos anos, declarou que o governo é assassino e corrupto e protestou contra o racismo, Obama prontamente abafou as polêmicas palavras de Jeremiah, com um discurso que ficou conhecido como “pós-racial”. Mas ainda que Obama tivesse um discurso em alguma medida de combate ao racismo em seu país, não poderia fazer isso de fato porque ele está mesmo é comprometido, como eu já disse, com a burguesia imperialista branca, e ao mesmo tempo por isso mesmo não pode ter um discurso mais voltado para a luta anti-racismo porque isso significaria inflamar milhões de negros oprimidos não só nos Estados Unidos mas no mundo todo a se levantar contra a situação de opressão secular a que estamos submetidos. Agora, é preciso dizer uma coisa: por mais moderado que seja Obama, o fato de passar a ocupar nada menos que a cadeira da Casa Branca, poderá fazer sim com que negros e negras reacendam muito mais a ânsia por acabar de fato com o racismo. E se isso acontecer, vai estar colocada uma grande contradição, porque Obama fará de tudo para apaziguar tal situação - se será capaz disso ou não, só o futuro poderá dizer.

Algumas personalidades, como Jesse Jackson, disseram que a eleição de Obama realizaria o sonho de Martin Luther King...

Olha, o discurso de Martin Luther King de 1963 tem um significado profundo pelo momento histórico em que foi declarado. A mobilização de centenas de milhares homens e mulheres negras lutando para acabar com o racismo abalou as estruturas, obrigou que a burguesia e o Estado fizessem concessões que não teriam feito se o combate não fosse muito duro. O discurso tem o mérito de expressar esse momento e denunciar os séculos de opressão, humilhação e violência sofrida pelos negros naquele país. Mas eu preciso dizer que o sonho de Martin Luther King era que os negros pudessem se integrar ã democracia e isso eu considero utópico. Tanto que o que a burguesia branca e o governo fizeram foi criar políticas que garantissem que alguns negros acendessem a importantes cargos - Obama e Condollezza Rice são expressões dessa política, que agora passa a ser ainda mais vangloriada pela maioria do movimento negro no Brasil. Mas isso não impediu que a maioria da população negra nos Estados Unidos permanecesse relegada ás piores condições de vida. Na verdade, figuras como essas têm cumprido o papel de legitimar a opressão e o massacre de povos negros em vários lugares do mundo. Condollezza Rice é braço direito dos Estados Unidos na defesa de ocupações como a do Haiti ou de vários países africanos. E Obama não vai ser diferente porque essas ocupações estão dentro das políticas que eles chamam de “multilaterais”, aprovadas pela ONU. E esses massacres, onde as mulheres negras seguem sendo violentadas, estupradas pelos soldados, fazem parte dessa “democracia”, cabem nela “perfeitamente”. Nos últimos dias, li coisas de ativistas negros brasileiros glorificando a democracia dos Estados Unidos, dizendo que o Brasil tem que seguir esse exemplo. Não tenho dúvida que o fato de o nosso país, mesmo tendo a segunda maior população negra do mundo, nunca ter tido um presidente negro, é mais uma demonstração do racismo que aqui impera. Mas a ilusão é pensar que um presidente negro, por ser negro, vai governar pelos negros. Para falar só do caso de uma semi-colônia como o Haiti, o atual presidente, Rene Preval, é negro e está a serviço de manter as tropas no país e promover uma industrialização baseada em trabalho semi-escravo, explorado pelas transnacionais. Mas voltando aos Estados Unidos, ainda que eu compartilhe com Martin Luther King a indignação contra uma história de imensas brutalidades promovidas pelo racismo, não compartilho dessa ilusão de que a democracia - que é burguesa e branca - possa libertar o nosso povo. Eu estou mais com Malcolm X, quando dizia que “sem racismo não existe capitalismo” e concluo, portanto, que a luta anti-racista precisa ser também anti-imperialista e anti-capitalista.

Indo nesse sentido, como pensar então a luta contra a opressão racial hoje?

Ao mesmo tempo que eu faço coro com Malcolm X nessa frase e acredito que no capitalismo nunca vamos alcançar a libertação total do nosso povo, penso que a luta contra o racismo precisava se dar desde já sem tréguas. E aí entra uma questão importante que é saber quem são os aliados e os inimigos do povo negro. Nos Estados Unidos, por exemplo, é muito importante que a luta dos negros esteja ligada aos trabalhadores em geral e aos imigrantes. Se a luta anti-racismo não se dá no marco de combate ã burguesia e ás suas instituições como o Estado, o caminho vai resultar numa grande farsa em que a maioria dos nossos irmãos vão continuar explorados e oprimidos. Com o ascenso de Obama, cresce a ilusão de que cada negro individualmente deve destinar seus esforços para também ascender a cargos do poder burguês. E como eu já disse, isso não significa que o conjunto dos negros tenham garantidas as mínimas condições de vida, não só falando de Estados Unidos, mas agora ampliando a visão para a situação dos negros no mundo todo: na África no Brasil, na América Central, os imigrantes na Europa... Nesse marco que eu digo que temos que levantar um programa sério em defesa do povo negro, como exigir a retirada das tropas imperialistas do Haiti (onde o exército brasileiro faz o seviço sujo para o imperialistol) e de países africanos como Sudão e Costa do Marfim, assim como pela auto-determinação desses povos. Pela unidade dos trabalhadores nativos e imigrantes nos países da Europa e nos Estados Unidos para lutar contra a xenofobia e a perseguição aos imigrantes. Por salários e direitos iguais entre nativos e imigrantes, entre brancos e negros; e punição ás empresas que praticam racismo (diferenciação de salários, não contratação de trabalhadores negros, etc.). No Brasil, temos uma questão crucial que é a violência urbana. Não podemos aceitar que a polícia continue exterminando os negros nas periferias e favelas do país. Temos que nos organizar para dizer "basta de extermínio do nosso povo e da nossa juventude".

 

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