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Os trabalhadores e os governos "progressistas"
14 Feb 2006 |

Os trabalhadores e os governos "progressistas"

Por: Christian Castillo

Fonte: La Verdad Obrera N° 179

A ascensão de Evo Morales reuniu a quase totalidade dos governantes de centro esquerda que hoje dominam o mapa político latino-americano. Lula, Kirchner, Tabaré Vazquez, Chávez... Só a ausência da recentemente eleita presidente do Chile, Michelle Bachelet, que estará representada pelo presidente Ricardo Lagos. O novo governo boliviano é o que surge mais condicionado pelas massas, que protagonizaram cinco levantes desde abril de 2000 e derrubado dois presidentes, Sánchez de Losada (um Menem boliviano) e seu sucessor imediato, Carlos Mesa. Daí as referências obrigadas no discurso inaugural de Evo Morales a algumas das demandas fundamentais postas pelos camponeses e trabalhadores do país irmão nas jornadas revolucionárias de outubro de 2003, e nas grandes mobilizações de abril de 2005, como a nacionalização dos hidrocarbonetos ou a exigência de terra para os camponeses. Aspirações legítimas e sentidas que se chocam com as medidas e o projeto (do “capitalismo andino”) que o MAS boliviano propõe para satisfazê-las.

Enquanto cada processo tem suas especificidades, se o consideramos de conjunto, o predomínio dos governos “progressistas” na América Latina (que poderia inclusive aumentar com os possíveis triunfos de López Obrador no México e Daniel Ortega na Nicarágua) é uma resposta dada desde as classes dominantes ao desafio provocado por toda uma série de rebeliões populares que obrigou ã troca dos governos mais abertamente neoliberais que dominaram a cena nos anos 1990. Tiveram que recorrer a dirigentes que invocam sua origem social como operários ou camponeses, ou como militantes políticos perseguidos pelas ditaduras, com a expectativa de que possam conter a mobilização popular.

No período em que estão no governo, os “progressistas” latino-americanos garantiram grandes negócios aos grupos capitalistas que operam em seus respectivos países e, além de sua retórica, utilizaram os superávits fiscais e comerciais para pagar suas dívidas externas, como os casos da Argentina e do Brasil cancelando “de uma vez” o que deviam ao FMI, e têm também contribuído ao esforço de guerra americano enviando suas tropas ao Haiti. Por isso ninguém pode estranhar as declarações de Thomas Shannon, o subsecretário americano “para os Assuntos Hemisféricos”, quem afirmou na semana passada que “o populismo não é necessariamente ruim” e que a eleição de governantes como Evo Morales “são o produto, principalmente, das condições políticas nacionais e refletem o que tem ocorrido em cada país” [1].

A mudança de retórica do governo republicano (cujos sucessivos embaixadores na Bolívia não vacilaram em denunciar Morales como “narcotraficante”) obedece ao fato de que na região há grandes negócios (e negociadores) que os ianques não querem que terminem todos em mãos dos monopólios europeus, começando pelo “mega gasoduto” de 8000 quilômetros de extensão que se propõem a impulsionar a Venezuela, a Argentina e o Brasil, e que requereria investimentos de 20 mil milhões de dólares. A própria resposta dada por Kirchner e Lula aos reivindicações do governo “frente-amplista” uruguaio -um dos que bate recordes em tomar medidas pró imperialistas- de negociar unilateralmente um Tratado de Livre Comércio com os EUA [2]mostra que os choques que existiram com Bush na cúpula de Mar del Plata em torno da ALCA não expressam nenhuma política anti-imperialista e sim um pechincho nas condições da submissão ás potências imperialistas, possibilitado pelo debilitamento da hegemonia americana, hoje somada pelo estancamento no Iraque. E o próprio Kirchner deu novos gestos para os Estados Unidos, procurando posicionar seu bloco com o Brasil como o necessário “estabilizador” da região [3].

* * *

No caso de nosso país (Argentina), a política de Kirchner para o segundo período de sua presidência ameaça não ter nenhuma mudança substantiva com relação ao primeiro. Já divorciado de Duhalde e Lavagna mostrou defender os mesmos interesses econômicos de quando os tinha como sócios: Repsol, Techint e um punhado de grandes grupos capitalistas, com a burguesia não monopolista como sócia menor, seguem sendo os grandes beneficiários de três anos de crescimento de 9%, enquanto os salários e aposentadorias continuam “desvalorizados”.

Com a “setentista” Miceli, enquanto o FMI cobrou a dívida de 10 bilhões de dólares, aos desempregados nem sequer lhes pagou a assistência de 75 pesos, e o orçamento estipula o congelamento dos salários estatais para 2006, pese um superávit fiscal recorde de 19.661 milhões de pesos, que permitiria dar durante 65 anos o subsídio de $150 a 2 milhões de desempregados, ou cobrir quatro vezes o orçamento da educação destinado em 2005 [4]. Durante todo o último ano os trabalhadores protagonizaram múltiplos conflitos para recompor seus salários, triplicando os conflitos que se realizaram em 2004.

Segundo um estudo da consultora Centro de Estudos de Nueva Mayoría, em 2005 houve 819 conflitos, uma média mensal de 99 medidas de força, enquanto no ano anterior houve 249 casos. É a cifra mais alta desde 1990. E se não ocurreram mais, isso de deve ã política completamente conciliadora da burocracia sindical e de que para a quase metade de trabalhadores que estão precarizados, cujos salários médios mal chegam a $ 500, o que torna bem mais complicado sair à luta. As próprias patronais preferiram, em ocasiões, ceder algo rapidamente para evitar que nas greves vá amadurecendo um novo ativismo. Com a inflação em aumento, que em 2005 também se triplicou com relação a de 2004, a luta salarial possivelmente se agudize em 2006. Março será quiçá um mês testemunha já que têm que se renegociar muitos convênios.

Enquanto as patronais renovaram suas demandas ao governo condicionando a manutenção dos preços ã contenção dos salários, para os trabalhadores se trata de, em cada luta, superar os limites corporativos que impõe a burocracia sindical, unificar as reivindicações e tomar decididamente as reivindicações dos setores precarizados, a quem os sindicatos deixam abandonados como fizeram ontem -e continuam fazendo hoje- com os desempregados.

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À diferença do que aconteceu durante os anos 1990, quando as fileiras dos trabalhadores diminuíam ainda mais nos anos de crescimento econômico, a classe operária industrial tem se re-fortalecido estruturalmente nestes três anos. Dezenas de milhares de jovens, operários e operárias estão fazendo suas primeiras experiências diretas enfrentando a exploração capitalista. Outros milhares voltam ás fábricas depois de ter sido parte dos demitidos da década anterior. E o fazem numa situação onde o conjunto dos trabalhadores se mostra muito menos tolerante frente a prepotência patronal.

Nestas condições, recompondo-se das duras derrotas sofridas, importantes setores da classe operária vêm fazendo um primeiro reconhecimento como classe. Salvo nos casos das grandes greves no transporte ou os serviços públicos, os grandes meios de comunicação nada refletem o que sucede no “mundo operário” e ainda nos trabalhos acadêmicos sobre os “movimentos sociais” os trabalhadores estão praticamente ausentes. Não esqueçamos que foi a própria CTA (uma pretendida “central de trabalhadores”!) que se encarregou de difundir que o conflito tinha passado “da fábrica ao bairro”, política induzida pelos próprios governos para ter um maior controle social mediante as redes clientelistas.

Nós apostamos em que o que estamos vendo hoje seja um primeiro passo para o desenvolvimento de um novo movimento operário classista e revolucionário, que conta como ponto de apoio com as experiências mais avançadas conquistadas no período anterior, como Zanon e o Sindicato Ceramista neuquino, os corpos de delegados de Astilleros del Rio Santiago e do metrô ou direções combativas protagonistas de importantes lutas, como os delegados de ATE do Hospital de Garrahan. Um novo movimento operário que, longe de todo espírito corporativo, deverá se propor a tarefa de encabeçar a aliança operária e popular, sustentando juntos as suas demandas a do conjunto dos setores oprimidos.

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Ao calor do processo de recomposição existente na classe operária, os socialistas revolucionários temos nos colocado no próximo período aumentar nossa inserção e influência entre os trabalhadores. Este jornal, La Verdad Obrera, propõe-se ser um fator ativo nesta tarefa, expressando as lutas e experiências em curso mas também colocando com clareza que enquanto um punhado de capitalistas nativos e estrangeiros sigam dominando a economia nacional, não terá saída favorável aos interesses dos trabalhadores e do povo oprimido. Colega leitor/a: acompanhe-nos neste desafio.

[1] Clarín, 19-01-06

[2] “Não queremos ser polícia. Se ao Uruguai lhe convém um acordo de livre comércio com EUA que o faça”, afirmou Kirchner.

[3] Na oficialista revista Debate se comenta que nos despachos presidenciais se raciocina que “com o quintal convulsionado pela reafirmação da tendência progressista no Chile, a Argentina se encontra no centro da estratégia para a América do Sul junto com o Brasil” (“De Washington ao PJ”, Debate n° 149, 19-01-06).

[4] Clarín, 21-01-06.

 

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