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Brasil: Na repressão aos camponeses e na pseudo-reforma agrária do Estado

A ditadura vive no campo brasileiro

15/05/2007 Palavra Operária N° 30

No dia 17 de abril completaram-se 11 anos do massacre de Eldorado dos Carajás, em que policiais militares, subornados por um latifundiário da região, reprimiram com um verdadeiro banho de sangue uma manifestação de cerca de 1500 trabalhadores sem-terras que bloqueavam uma estrada, deixando um saldo de 19 mortos (vários deles comprovadamente executados, alguns degolados com facas e foices), dois mortos vítimas de seqüelas do massacre, 69 mutilados e centenas de feridos. Até hoje só dois dos 144 acusados sofreram alguma punição.

Esse brutal massacre, que escandalizou o país e gerou uma crise no governo de FHC não é de forma alguma um fato isolado. A 11 anos do massacre de Carajás, a despeito de toda a demagogia dos distintos governos, a concentração fundiária brasileira só aumentou, centenas de milhares de famílias de sem-terras continuam passando por todo tipo de penúria e morrendo nas mãos da polícia, dos latifundiários e de seus jagunços. Esta página é dedicada aos mortos de Carajás e buscará iniciar uma discussão séria sobre a demanda estrutural de reforma agrária, a política do governo e das direções do movimento camponês.

A "reforma agrária" do Estado brasileiro

As políticas chamadas de reforma agrária por parte do Estado têm seu início nos anos 1960, como resposta ao grande movimento surgido no campo desde meados da década de 1950 e que teve seu ápice, centrado nas Ligas Camponesas, no marco do ascenso revolucionário que percorreu o país entre 1961 e o golpe militar de 1964 . Traçaremos aqui, em linhas gerais, os eixos dessas políticas, implementadas pela ditadura militar e depois pelos governos que se seguiram ã transição ao regime democrático-burguês a partir da década de 1980, a fim de demonstrar como de conjunto essas políticas não atacam a concentração fundiária, não merecendo assim o nome de "reforma agrária". Estes eixos se encontram bem representados na legislação agrária vigente e na execução da mesma pelo órgão estatal responsável, o INCRA:

 A lei brasileira diz que é passível de desapropriação a grande propriedade rural que não cumprir sua "função social". Isso significa o respeito ás leis ambientais e ás leis trabalhistas e o cumprimento dos índices de produtividade determinados pela legislação. Na prática, o que vale é este último critério, muito fácil de ser atingido, já que os tais índices (datados da década de 1970) são extremamente baixos.

 É garantido ao latifundiário o direito de apresentar uma infinidade de recursos contra o processo de desapropriação, o que faz com que este se arraste por até dezenas de anos (No Incra tramitam hoje processos abertos na década de 1960!).

 Boa parte dos chamados "projetos de reforma agrária" é implementada não através de desapropriação de terras e sim de assentamentos em áreas do Estado (via de regra inadequadas para a agricultura), através da compra com dinheiro público e no valor de mercado de propriedades, ou pior, nas últimas décadas, de programas de crédito, como o chamado "Banco da Terra", nos quais os assentados tem que pagar pelo lote e pelas benfeitorias nele realizadas, e no caso de não poderem pagar pela "dívida" podem ter sua terra confiscada.

 O leitor deste artigo poderia, entretanto, intuir que nos já pouco freqüentes casos de desapropriação estivesse em jogo um ataque ou punição ao latifúndio improdutivo. Mas não: o latifundiário "vítima" de desapropriação recebe uma indenização no valor de mercado das terras e das benfeitorias. Assim, a desapropriação não passa de uma espécie de "compra compulsória" do latifúndio.

 Como se não bastasse, com o objetivo de evitar que a força da mobilização dos trabalhadores sem-terras pudesse ser uma pressão para mais desapropriações, a partir do governo FHC, existe uma Medida Provisória que garante que uma propriedade ocupada pelo movimento camponês não pode ser sequer cogitada para desapropriação durante dois anos. Assim, os camponeses nunca são assentados nas propriedades que ocupam, pelo contrário, a seleção de famílias a serem assentadas numa determinada propriedade é feita individualmente, o que leva a que os grupos de camponeses que durante anos viveram e lutaram juntos, quando são assentados passem por uma diáspora, que desarticula o movimento camponês e estimula a transformação do militante sem-terra num indivíduo isolado, proprietário de uma pequena porção de terra.

 E por último, a ampla maioria dos assentamentos é extremamente precária, feita em terras pouco férteis, com recursos de infra-estrutura ínfimos, sem garantir os instrumentos necessários ã produção. Isso leva a uma situação em que uma quantidade assustadora de assentamentos entra em verdadeiro colapso e não garante a mínima sobrevivência das famílias, o que por sua vez faz muitos assentados venderem ou abandonarem os lotes e transforma muitos assentamentos em favelas rurais.

E a farsa se aprofunda no governo Lula...

Depois da descrição feita acima, o simples fato desta mesma pseudo-reforma agrária continuar sendo implementada tal e qual no governo de Lula, num país onde há cerca de 1 milhão de acampados, já seria uma prova do caráter anti-popular do mesmo. Porém o quadro é mais grave. Segundo um levantamento feito pelo professor da USP, Ariovaldo Umbelino de Oliveira , das 400 mil famílias que o governo se comprometeu a assentar no primeiro mandato, teoricamente assentou 381 mil.

Porém, analisando os números, o próprio professor Ariovaldo demonstra que dessas 381 mil famílias, pouco mais de 100 mil foram assentadas em projetos de (pseudo) reforma agrária, enquanto todas as outras famílias tiveram apenas os seus lotes, onde já viviam há muitos anos, regularizados. Assim, a "reforma agrária" de Lula, não só não rompe em nada com a farsa burguesa que impera há décadas, como não é capaz de atingir as modestas metas que o próprio governo se colocou, nem mesmo "maquiando" os números.

E, se essa foi a realidade do primeiro mandato do governo Lula, para o segundo sequer foram anunciadas quaisquer metas de assentamentos, o que representa um grande ataque aos camponeses pobres e trabalhadores sem-terras, em consonância com os ataques em curso ã classe trabalhadora.

Por uma reforma agrária radical

Os estreitos limites do programa do MST

Em meio ás mobilizações do "Abril Vermelho", a direção do MST, que frente ao aprofundamento da política abertamente anti-camponesa de Lula vem fazendo uso de uma retórica mais "crítica" ao governo, lança um documento público intitulado "Por que estamos mobilizados em todo o Brasil?".

Este documento, no qual o movimento anuncia que "está cansado de esperar" e que "está protestando para acelerar a reforma agrária", são enumeradas algumas exigências entre as quais a revisão dos índices de produtividade e a realização de um mutirão dos órgãos públicos envolvidos na questão agrária para assentar as famílias acampadas, além da vinculação direta do INCRA ã Presidência.

Nenhuma palavra sobre a MP que impede por dois anos o andamento dos processos de desapropriação de terras ocupadas! Nenhuma palavra sobre as indenizações milionárias pagas aos latifundiários! Será que se as terras ocupadas pelo MST pudessem ser desapropriadas, a força da mobilização dos trabalhadores sem-terras não poderia ser melhor aproveitada para impor a desapropriação dos latifúndios? Será que se todo o dinheiro pago aos latifundiários na forma de indenização ou diretamente na compra das propriedades fosse investida em infra-estrutura, maquinário, sementes etc. para os assentamentos, estes não teriam condições muito superiores de produzir e sustentar as famílias que aí vivem?

Certamente sim. Porém a direção do MST, ao se restringir aos estreitos limites da legalidade burguesa e de seus pactos com o governo, defende um programa que não responde ás necessidades dos camponeses pobres e não coloca verdadeiramente em xeque o latifúndio. O profundo atrelamento da direção do MST ao governo de Lula, - que é um obstáculo ã radicalização dos camponeses pobres mobilizados no "Abril Vermelho" e insatisfeitos com o governo - se mostra nas entrelinhas do próprio texto. Quando a direção do MST reivindica a vinculação direta do INCRA ã Presidência, quer semear a ilusão de que quem "trava" a reforma agrária é a burocracia estatal que rodeia o presidente, que, no momento em que o "companheiro" Lula puser as mãos diretamente na política de reforma agrária, tudo será diferente. Essa capitulação aberta está profundamente ligada ao programa que criticamos logo acima .

Uma verdadeira reforma agrária tem que se enfrentar com o projeto burguês de (pseudo) reforma, colocar em xeque a propriedade dos latifundiários. Para enfrentar esses poderosos inimigos é fundamental uma sólida aliança entre os camponeses pobres e os trabalhadores do campo e da cidade. A ausência de uma estratégia de reforma agrária radical, tanto por parte da direção do MST como das direções do movimento operário como a CUT, se expressa também no fato de não impulsionarem esta aliança.

 Condenação de todos os responsáveis pelo massacre de Eldorado dos Carajás e de todos os assassinatos de camponeses pobres e indenização das vítimas e de suas famílias. Liberdade aos presos políticos do movimento camponês.

 Por comitês de auto-defesa dos camponeses pobres contra a violência dos latifundiários e de seus jagunços.

 Revogação imediata da MP 2.318, que impede que as terras ocupadas sejam sequer vistoriadas para fins de desapropriação durante dois anos

 Expropriação sem indenização de TODOS os latifúndios de baixa produtividade (muitos dos quais considerados produtivos com base nos baixos índices da legislação), com controle dos camponeses sobre o destino dessas terras. Nenhum centavo dos camponeses por essas terras!

 Estatização sem indenização sob controle dos trabalhadores de todas as propriedades da agro-indústria e da agricultura mecanizada.

 Impostos progressivos sobre o agro-negócio. Que estes, somados a parte do dinheiro gasto pelo Estado com o pagamento de juros da dívida pública, ajudem a subsidiar a produção dos assentamentos. Que os recursos hoje gastos com o pagamento pela compra ou com as indenizações por desapropriação sejam revertidos diretamente em obras de infra-estrutura, maquinário, sementes, fertilizantes e tudo o que seja necessário ã produtividade dos assentamentos.

 Por um governo operário e camponês, baseado em organismos de democracia direta das massas, que implemente este programa.

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