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A “Assembléia Popular nacional e originária” e a necessidade de organismos de poder operário e das massas

21/09/2005

Nas jornadas de junho surgiram em El Alto elementos de um duplo poder, ainda que embrionário, disperso, nem organizado nem centralizado, representado por organizações de base como as juntas de vizinhos, com suas barricadas e piquetes, tal como havia acontecido em Outubro de 2003. Fazia-se sentir a necessidade de desenvolver este processo e de centralizá-lo, tanto para unificar as massas insurgentes, como para encarar as múltiplas tarefas do levante, não só em La Paz ou em El Alto - onde o os problemas de como prosseguir o embate até derrotar o regime, desenvolver a defesa das massas e assegurar o abastecimento popular estavam na ordem do dia -, como também em nível nacional. No calor da multitudinária mobilização, teve força a idéia de uma “assembléia popular”. Ainda que tardiamente, a COB convocou, na reunião de El Alto no dia 8 de junho, uma “assembléia popular nacional e originária”, que terminou não se cristalizando pela própria inconseqüência dos dirigentes, que não fizeram nada para executar as resoluções progressivas, como eleger delegados para a APNO em todos os setores, formar assembléias locais e regionais, construir comitês de autodefesa e de abastecimento popular. Com a “solução de Sucre” a APNO sequer voltou a se reunir.

O MAS se opôs frontalmente a essa convocatória, considerando-a um “delírio ultra-esquerdista”. Mas os próprios dirigentes da COB, da FEJUVE ou da COR não queriam colocar de pé uma genuína Assembléia Popular como organismo do poder das massas, e sim “ameaçar” a burguesia. O POR, capitulando aos “discursos vermelhos” da COB tratou como dado o surgimento de uma Assembléia Popular, sem impulsionar a partir dos sindicatos de professores urbanos que dirigem, nem a eleição de delegados, nem a constituição de assembléias locais.
Assim, se abortou a oportunidade de dar um salto na auto-organização das massas - como teria sido a formação de comitês de autodefesa e de abastecimento e o desenvolvimento da Assembléia com milhares de delegados de base-.

Esta experiência incipiente não deve ser esquecida, pois colocou sobre a mesa um problema vital: o auge revolucionário revela a necessidade de formas superiores de frente única das massas, democraticamente organizadas, que possam expressar e desenvolver a situação de duplo poder, enfrentando as instituições do governo e da burguesia em crise e constituirem-se como “organismos da insurreição”, como base de um governo operário e camponês.
A necessidade destes organismos de poder poderia ser resolvida através da luta por uma assembléia popular construída em todos os níveis - local, regional e nacional - , com delegados de base e na qual a mais ampla democracia operária poderia ter dado um grande impulso ã unificação das fileiras dos trabalhadores, concretizando a aliança operária, camponesa, indígena e do povo pobre mobilizado em nível nacional; poderia ter impulsionado o armamento de milícias, junto com uma política para ganhar a base do exército; criando assim as condições para um embate insurrecional superior contra o regime burguês cambaleante.

Desde Outubro de 2003, nossa organização foi a única que defendeu reiteradamente a necessidade de que a COB e as organizações de massas preparassem e convocassem uma Assembléia Popular assim. Em maio e junho agitamos esta consigna com milhares de cartazes e panfletos. Se se houvesse dado passos práticos durante o período prévio e nas três semanas decisivas da mobilização, poderia ter se avançado muito no desenvolvimento de organismos de poder e em sua centralização em uma genuína Assembléia Popular. Não basta esperar passivamente que a espontaneidade das massas resolva “criar organismos de poder”, ao contrário, é necessária uma estratégia consciente para impulsionar seu desenvolvimento, combatendo as vacilações ou a oposição dos dirigentes reformistas e alentando cada passo que os operários, os camponeses e o povo pobre dêem nessa direção.

A ASSEMBLÉIA POPULAR DE 1971

Javo Ferreira

Os anos de 1969 e 1971 constituíram um “triênio revolucionário” comoexpressão na Bolívia do grande ascenso que recorria o Cone Sul da América Latina

Em outubro de 1969, o General Miranda lançou um golpe contra o governo do General Ovando. A COB chamou a greve geral, derrotando a intentona e permitindo a subida ao poder do General J.J Tórrez, que tentará manobrar com um discurso nacionalista (até prometendo o socialismo) em meio ao auge das massas.
A aguda situação revolucionária e a impotência do governo tornavam evidente que a situação se resolveria rapidamente com o triunfo da revolução operária ou com uma saída burguesa contra-revolucionária (o que finalmente aconteceu com o golpe de Banzer, no dia 21 de agosto de 1971). Em uma situação assim, as massas experimentam a necessidade de organismos superiores de frente única, que possam responder ã dualidade de poderes entre o governo e as instituições em crise do Estado burguês, de um lado, e a mobilização de massas que tendiam instintivamente ao poder de outro.

Neste marco, a COB convocou, no 1° de maio de 1971, uma assembléia Popular, conformada sobre as bases das organizações sindicais, principalmente dos mineiros, com representação das correntes que integravam o “comando político da COB” (no qual estavam todos os partidos que se diziam populares, inclusive em um primeiro momento o MNR, que logo foi expulso). À Assembléia começaram a se somar também algumas organizações camponesas que rompiam com o velho pacto militar-camponês estabelecido pelo ditador Barrientos.

A participação de todos os sindicatos na Assembléia permitia falar da mesma como de um congresso da COB, deixando claro que se propunha a funcionar com um caráter permanente e não circunstancial. Por outro lado, esboçava as tendências ã centralização da aliança operária, camponesa e popular, em torno da força do movimento operário. Estas características levaram o Le Monde Diplomatique a falar do surgimento do “primeiro soviet da América Latina”, quer dizer, como o equivalente aos conselhos operários , camponeses e de soldados que levaram ao triunfo a Revolução Russa de 1917. Segundo Guillermo Lora, dirigente do POR, este organismo chegou a ser um “soviet real e vivo, e não um gérmem não devidamente configurado”.[1] Também para René Zavalet Mercado “a Assembléia era um verdadeiro soviet”.[2]
No entanto, para se converter no soviet da revolução boliviana, seu funcionamento deveria ser permanente (mas depois das três primeiras sessões não voltou a se reunir); deveria se organizar desde os locais de trabalho e em todos os níveis - local, regional, estadual e nacional - (coisa que tampouco aconteceu); e se basear na democracia direta, com eleição e revogabilidade dos delegados nas assembléias de base (o que implicava uma luta frontal contra a direção burocrática). Tampouco deu passos efetivos em direção ã organização e ao armamento sob sua autoridade de milícias operárias e camponesas, nem para estender sua influência no campesinato e principalmente no exército, devido ao clima tenso de conspiração golpista que se vivia.

Sua direção reformista - encabeçada por Juan Lechín e o PCB - não queria que a Assembléia Popular se desenvolvesse nesse sentido. Disposta a pressionar e a sustentar o governo nacionalista de Tórrez, chamava a confiar que em que este enfrentaria o iminente golpe ou entregaria armas, o que deixou os trabalhadores desarmados política e militarmente frente ao golpe militar de 21 de agosto.
Assim e, acima de tudo, pela política de sua direção, a Assembléia Popular não chegou a ser um verdadeiro organismo de poder operário e camponês e o golpe banzerista cortou a raiz desta breve experiência.
A idéia da Assembléia Popular ficou na memória histórica como uma referência para as tendências das massas ã auto-organização e por isso, não é casual que começasse e ressurgir no calor do levante de junho.

[1] Lora insiste nesta definição em numerosos escritos. Ver deste autor “La Asamblea popular y el golpe fascista”.
[2] Zavaleta M., René. El Poder Dual, Los Amigos del Libro, Cochabamba - La Paz, 1987. p. 133

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