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Podemos, Gramsci e o populismo
por : Fernando Rosso , Juan Dal Maso

28 Nov 2014 | O debate sobre o “populismo” realizado no Fort Apache (programa conduzido pelo eurodeputado Pablo Iglesias, líder d partido Podemos do Estado Espanhol) é muito interessante para compreender o resgate “pósmarxista togliattiano” com o qual os porta-vozes de Podemos tentam sustentar uma linha de continuidade entre Antonio Gramsci e Ernesto Laclau. E (...)
Podemos, Gramsci e o populismo

O debate sobre o “populismo” realizado no Fort Apache (programa conduzido pelo eurodeputado Pablo Iglesias, líder d partido Podemos do Estado Espanhol) é muito interessante para compreender o resgate “pósmarxista togliattiano” com o qual os porta-vozes de Podemos tentam sustentar uma linha de continuidade entre Antonio Gramsci e Ernesto Laclau. E assim, autoinvestir-se como fenômeno emergente de uma “situação populista” e portanto como um movimento político de caráter “populista”. Cabe esclarecer, como já se disse uma infinidade de vezes, que “uso” de Gramsci não necessariamente é “abuso”, mas veremos lamentavelmente que este não é o caso.

Um começo que é toda uma confissão de parte: em um gesto muito pouco “populista” e bastante “liberal”, a referência colocada por Iglesias e depois bendita por Errejón é a política do PC italiano depois da Segunda Guerra Mundial. Para os referentes de PODEMOS, que consideram superada a luta de classes do marxismo clássico, a história “ético-política” se independentiza do momento da coerção, da força e do enfrentamento direto das classes (ou entre o povo e as castas reacionárias) e incorrem no mesmo erro que Gramsci criticava em Benedetto Croce por iniciar sua História da Europa no século XIX, depois da revolução e das guerras napoleônicas.

Este “erro” é muito funcional ao conjunto da argumentação. Já que falar do papel do PCI na saída da Segunda Guerra Mundial e de sua política para sustentar a instauração de uma democracia burguesa (bem retratada no filme Novecento) seria traçar um pouco favorável paralelismo para o próprio processo do PODEMOS.

Em segundo lugar, reivindicar o “eurocomunismo” na Itália permite não ter que fazê-lo com o “eurocomunismo” espanhol, que apresentou seu apoio aos Pactos de La Moncloa como um equivalente do “compromisso histórico” levado adiante pelo PC italiano. Por isso o jornalista Enric Juliana, denominado por Iglesias de “gramsciano de direita”, fala da corda na casa do enforcado e lhes propõe reivindicar a transição e especialmente o papel do PCE que depois da “Matança de Atocha” tinha a possibilidade de “incendiar as ruas de Madri, mas não o fez”, em troca de obter sua legalidade e incorporar-se ao regime.

Por último, circunscrever-se aos inícios da política “hegemônica” ã La Togliatti, mas não ao seu desenvolvimento posterior, permite driblar os distraídos diante do fenômeno do ascenso operário e popular que na Itália vai de 1968 a 1979 (o mais longo da Europa nestes anos), no qual o PC desempenhou um papel ultraconservador e oposto aos próprios operários cuja centralidade havia deixado de lado nas décadas anteriores. A crise do movimento operário e da esquerda italiana hoje deveria levar a refletir sobre que relação tem a situação atual com toda a experiência prévia do PC na Itália.

Algo mais, ainda que se diga que no Estado Espanhol a recepção das obras de Antonio Gramsci foi tardia e influída pela operação ideológica de Palmiro Togliatti, o certo é que desde 1975 existe a edição dos Cadernos do Cárcere de Valentino Gerratana e uma profusão imensa estudos gramscianos que mostraram cada vez mais como o projeto teórico dos cadernos não é assimilável nem “via italiana ao socialismo” nem ao “eurocomunismo” (o que permite por exemplo trabalhar sobre as convergências e divergências entre Trotsky e Gramsci), de modo que voltar a unir Gramsci e Togliatti, ainda que seja para chegar ao “mais na moda” Laclau, não deixa de ser bastante retrógrado, desde o pont de vista do marxismo, mas também desde o ponto de vista de qualquer investigador minimamente interessado na obra de Gramsci.

Sobre a relação de Gramsci com Laclau, qualquer tentativa em tal sentido deveria partir de reconhecer que a “hegemonia” laclausiana dá um pulo ao vazio com respeito a qualquer “populismo” que pudesse existir em Gramsci.

Com efeito, ainda que Gramsci sustentasse em linhas gerais a hegemonia proletária e a centralidade da classe operária como sujeito, seu posicionamento nos debates internos da URSS em 1926 contém um certo deslocamento da centralidade operária a um bloco popular dirigido pelo partido “com o ponto de vista” da classe operária. Sobre isto nos referimos aqui. Sua posição sobre este tema nos Cadernos é um pouco ambivalente, enquanto sustenta que a hegemonia não pode ser somente ético-política, mas também econômica (C13 §18), com o que de alguma maneira estaria matizando seu posicionamento anterior, ainda que mantenha uma tensão entre peso social e hegemonia política. Em resumo, ainda que seja certo que em Gramsci existe este deslocamento, todo o demais corre por conta dos que posteriormente quiseram situá-lo como um teórico da “hegemonia sem determinação de classe”, como fizeram com distintas ferramentas, mas com um sentido similar, José Maria Aricó e Ernesto Laclau.

Quanto ao uso das ferramentas teóricas de Laclau para analisar o “momento populista” que PODEMOS expressaria politicamente, estes rapazes estão um pouco “em cima do cavalo” e isto gera uma supervalorização dos efeitos que geram os discursos políticos na realidade e suas relações de força.

Além do assinalado pelo deputado de IU, podemos dizer também que se trata de um “populismo débil” ou um “populismo cidadão”, em que o exagero da potência criativa do discurso político perde de vista elemento central de todo “populismo”: a criação (ou utilização) de relações de forças sociais como fundamento das relações de força políticas.

Tomemos o caso de um “populismo” que conhecemos bastante: o peronismo. Ninguém duvidaria que Perón mudou para todo um longo ciclo o discurso político argentino, criou significantes “flutuantes” ou como se prefira chamá-los, começando pelo próprio peronismo, que é tudo e é nada. Mas também criou uma relação entre os sindicatos e o Estado, que persiste até hoje, inclusive quando o peronismo vem inclinando-se para os votantes de classe média e a administração da pobreza, em detrimento dos sindicatos, desde a saída da ditadura. Perón, ademais, tinha em seu lado os militares, pelo menos até 1955. E a reativação econômica argentina foi produto da substituição de importações durante a Segunda Guerra.

Em resumo, não tinha somente o “discurso performático” (“O sujeito é segundo com respeito ao discurso”, diz o alemão na mesa), mas forças sociais e materiais nas quais apoiar-se. E se havia um “vazio” relativo era no marco internacional do “já não mais” do imperialismo inglês e do “ainda não” do imperialismo norteamericano. Neste contexto, a teorização de Laclau, ex-integrante da “esquerda nacional” argentina, não deixa de ter um pouco de “picardia peronista”: canta louvores ao giro lingüístico para tornar peronismo mais digerível para os europeus, mas sabe que a única verdade (ou pelo menos uma parte muito importante dela) é a realidade dos aparatos e das forças materiais.

Em síntese, os resgates históricos de PODEMOS começam a mostrar com o que pensam pagar a “hipoteca” (nos termos colocados pelo referente de IU) que lhes outorgou sua emergência política. O modelo dos partidos comunistas socialdemocratizados ou dos populismos latinoamericanos, com os quais pretendem compartilhar todos os defeitos, sem possuir nenhuma de suas “virtudes”: a ancoragem social para suas manobras. Esse é o vazio do significante PODEMOS e o que o pode converter num fenômeno episódico e acelerar sua institucionalização, para o qual sua direção (Iglesias) avança com gosto.

Não por nada em uma de suas últimas intervenções públicas, Iglesias reivindica o novo líder de uma das castas mais eternas e retrógradas da história humana (embora passe hoje por um “momento populista”): Jorge Mario Bergoglio, mais conhecido no mundo como Papa Francisco.

 

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