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A esquerda e a “hegemonia operária” em Cuba
por : Flávia Vale

26 Mar 2013 | Um debate com o artigo “Yoani Sanches e a esquerda tico e teco” postado no blog PSTU/Contagem

Um debate com o artigo “Yoani Sanches e a esquerda tico e teco” postado no blog PSTU/Contagem

A estadia de Yoani Sanches no Brasil reabriu um debate de fundamental importância: as perspectivas de luta dos trabalhadores e do povo cubano.

A inspiração de Yoani Sanches para o nome de seu blog vem da chamada “geração Y”, denominada por sociólogos como geração dos que nasceram principalmente nos anos 80’s. Essa década foi marcada por derrotas estratégicas da classe operaria que possibilitou os primeiros avanços da política neoliberal. As posições de Yoani em seu blog mostram que ela milita pela restauração capitalista em Cuba ao lado dos setores democráticos burgueses de fora de seu país. Suas reivindicações pelas liberdades democráticas, pela liberalização da economia e pelo retorno integral do capitalismo na Ilha vão de acordo das necessidades políticas do imperialismo para a Ilha. E o objetivo desses senhores é a colonização ou semicolonização da Ilha para esta voltar a ser seu quintal. No Brasil, teve o apoio do reacionário deputado Bolsonaro a Aécio Neves, PSDB e DEM, tendo ã frente o Instituto Millenium, instituição “ideológica” dos neoliberais brasileiros (tucanos, Grupo Abril-Veja, Estadão e Cia. [1]).

Isso, porém, não significa que a viagem de Yoani não seja funcional ã burocracia castrista. A saída de Yoani da Ilha é parte das reformas capitalistas que vem sendo implementadas pelos Castros no regime cubano, que em finais de 2012 envolveu também as políticas migratórias, por pressão do imperialismo e negociação direta com a Igreja Católica. Como aponta o artigo “O que há por trás dessa nova reforma?”, de Diego Dalai: “As medidas (...) têm um forte conteúdo político. Em primeiro lugar, são uma concessão ã ala moderada do ‘exílio cubano’ que então terá uma incidência superior ã atual na vida social e econômica de Cuba, e fortalece diretamente os cubanos que recebem ajuda de familiares dos EUA e que têm acesso ao dólar”. E mais ã frente: “a burocracia tenta criar uma base social que apoie a perspectiva de uma abertura pró-capitalista sob sua direção. O modelo que reivindica Raul Castro é similar ao aplicado no Vietnã e na China que combina reformas de mercado e a abertura ao capital imperialista mantendo o regime de partido único conduzido pela casta burocrática cada vez mais enriquecida e ligada ao capital [2]. Assim, as conquistas da revolução são usadas pela burocracia como medida de pressão e controle para manutenção de seus próprios privilégios e sua futura transformação em classe proprietária. Isso mostra que como burocracia bonapartista [3], não pode aceitar o projeto ianque de semicolonização ou colonização da Ilha, pois seria sua “morte” – como se viu em vários países em que se restaurou o capitalismo. Para isso, a burocracia tem que garantir o maior controle possível das massas cubanas, da economia e da política, evitando no que pode as possibilidades da ação independente dos trabalhadores e do povo na Ilha. Essa ação independente das massas cubanas, ou seja, anti-imperialista, anticapitalista e antiburguesa seria a única capaz de combater o imperialismo e derrubar o regime castrista de maneira revolucionária, impedindo o plano de restauração capitalista da burocracia castrista.

O PCdoB, PCB e todos os partidos políticos que defendem a burocracia castrista tentam esconder esse papel bonapartista e reacionário desta casta dizendo que em Cuba há socialismo. Ao contrário, trata-se de um estado operário deformado (a burguesia e o imperialismo foram derrubados e expropriados, mas não se avançou a uma ditadura do proletariado e sim a um regime ditatorial burocrático), que mantém conquistas da revolução ainda que degradadas, e que caminha a passos largos para a restauração capitalista por um plano conscientemente dirigido pela burocracia castrista em aliança com governos como o PT e o chavista e em negociação com o imperialismo (a Igreja Católica é seu “interlocutor”).

Os mentores desses partidos, o primeiro deles Stalin, esteve na direção de uma contrarrevolução burocrática no primeiro Estado operário (URSS) e com sua “teoria” de “socialismo num só país” e “convivência pacífica” com o imperialismo atuou diretamente para a derrota de processos revolucionários mundo afora. Depois da II Guerra Mundial sentou-se com Churchill e Roosevelt para pactuar a divisão do mundo e se viu obrigado a expropriar a burguesia (resultado do impasse da Segunda Guerra Mundial) o fez ã força dos canhões e fuzis, impedindo as revoluções operárias e populares, as tendências de auto-organização soviética e de democracia operária. Usurpou vitórias das massas operárias para garantir negociatas com representantes do imperialismo, tudo para manter seus privilégios de casta, assumindo o papel de “pilar” de sustentação do imperialismo mundial e de espoliador dos povos soviéticos e do Leste Europeu. Reconstruiu, sob derrotas da classe operária, a conciliação de classes com a burguesia como método e a “frente popular” [4]como ponto culminante de sua política.

Essa estratégia se mostrou no Brasil na aliança reacionária do PCB, PCdoB e MR8 com os supostos “setores democráticos e progressistas” da burguesia durante a ditadura. Com esta mesma política que negociaram por via do MDB com os militares e burgueses a transição pactuada no Brasil, também contra a ação das massas. Se o PCdoB ontem esteve com um setor da burguesia dita democrática, hoje está junto com os latifundiários do agronegócio e aos grandes capitalistas “nacionais” na reforma do código florestal. Em Minas Gerais, se antes o PCdoB estava com o bilionário e sempre envolvido em escândalos de corrupção ex-governador Newton Cardoso (PMDB), agora continua com ele, mas também com o apoio dos tucanos de Aécio Neves ã prefeitura de Carlim Moura do PCdoB na cidade de Contagem. Estes são apenas alguns dos muitos outros exemplos.

Para os marxistas trata-se de saber combater o imperialismo, ao qual servem as senhoras Yoanis. E subordinar-se ã burocracia castrista contra o imperialismo significa, portanto, colocar-se ao lado de todas as medidas contrárias ao principal sujeito desta luta, que é a classe operária cubana seguida por todo o povo.

Há outras correntes que assumem uma política no mínimo ambígua frente ao imperialismo. Entre essas está o PSTU, partido que não merece uma das críticas feitas pelos filhotes do stalinismo que provocam dizendo que o PSTU é agente dos gusanos. Quando os stalinistas fazem isso só mostram que aprenderam bastante com seus mestres: a calúnia e provocação como um dos métodos da política, a serviço de esconder seu papel de traidores do proletariado.

Busco então dialogar com o artigo de Gustavo Lopes Machado, “Yoani Sanches e a esquerda Tico e Teco”, postado no blog do PSTU Contagem. O companheiro afirma que setores da esquerda desenvolveram um novo mecanismo pra guiar sua política: “trata-se de uma inovadora fórmula: se setores da direita, em particular aqueles associados ao imperialismo, disseram sim, dizemos não; se disseram não, dizemos sim. (...) Se a ONU (...) apoiou a queda de Kadafi, vamos apoiar Kadafi. (...) Se Aécio Neves e Bolsonaro apoiam Yoani (...) a conclusão é (...) vamos atacar Yoani e defender o paraíso socialista de Cuba e o amado Fidel.” E um pouco mais ã frente: “Seria possível levar a cabo uma análise efetiva da realidade com um raciocínio binário? (...) Aqueles que só são capazes de pensar com duas variáveis não poderão jamais compreender o significado dos acontecimentos históricos mais elementares. [5]

Antes de se tratar de uma “nova fórmula”, os stalinistas há anos defendem a conciliação da classe operária com setores da burguesia. Isso se mostrou na defesa do PCdoB, PCB e da Liga Operária ás ditaduras nacionais reacionárias e opressoras de seus povos como a de Kadafi na Líbia. Kadafi foi derrubado num processo que foi hegemonizado por setores opositores da burguesia nacional, apoiados pelo imperialismo e a OTAN. Defender Kadafi (como fez PCdoB, PCB e Liga Operária) ou reivindicar como “tremenda vitória” um processo que resultou ser hegemonizado pela burguesia apoiada pelo imperialismo (como faz o PSTU) seria “tico e teco”. Vemos a fórmula de Gustavo começando a se voltar contra ele mesmo. Mas façamos a discussão seriamente.

Os companheiros do PSTU afirmam que o capitalismo já foi restaurado em Cuba e sua dominação – burguesa? Pergunto eu - se daria por via da “ditadura castrista”. É este o fundamento do qual parte seu artigo quando o companheiro aponta: “o que importa aqui é o sentido histórico das revindicações da blogueira, isto é, o regime de partido único instaurado em Cuba, a inexistência de liberdades de organização e de sindicatos autônomos, condições sem as quais não é possível pensar em uma autêntica revolução social.” Qual seria o sentido histórico da defesa de liberdades democráticas em Cuba feitas pela blogueira?

A defesa das “liberdades democráticas” ou das demandas democráticas elementares em Cuba vindas da blogueira e do imperialismo só pode assumir o caráter de demandas formais e demagógicas a serviço da restauração burguesa. Seu sentido histórico então é contra-revolucionário, mesmo que travestido de “democrático”. A luta por direitos democráticos na Ilha deve ser encarada contra o bonapartismo castrista e deve ser conquistada pelas mãos da classe trabalhadora, estendendo-se a todas as organizações e partidos que defendam as conquistas da revolução, e não para a burguesia e seus capachos (incluída as Yoanis)! [6]

A democracia operária é a única que em Cuba pode livrar o país das da burocracia castrista e tomar a direção do estado e dos sindicatos para as mãos dos trabalhadores acompanhados pelo povo, e não para as mãos da burguesia por via da ação imperialista. Esta só pode ser baseada na perspectiva de uma revolução política em Cuba, para tomar os sindicatos e o estado das mãos da burocracia através do resgate dos organismos de auto organização das massas.

Gustavo aponta corretamente que os defensores dos Castros são guiados por esquemas e não pela luta de classes. Porém, entre os marxistas também vamos além do binômio democracia e ditadura, “liberdades democráticas” ou “ditadura castrista”. No final de seu artigo, aponta: “a luta e a derrubada da ditadura cubana se encontra, grosso modo, diante de duas possibilidades: ou uma penetração ainda mais profunda do capital na ilha cujo curso já segue dia após dia ou a auto-organização dos trabalhadores cubanos como única possibilidade de se avançar rumo ao socialismo. E Conclui: “Ambas situações partem de uma transformação democrática.”

Tanto Lenin quanto Trotsky deixaram ensinamentos valiosos para os que como eu e Gustavo nascemos na chamada “geração Y”, mas que não carregamos seu espírito de época. Ao contrário, permitimos nos orientar pela luta de classes como motor da história. Após vitórias e derrotas das massas, Lenin e Trotsky chegam ás mesmas conclusões: a classe operária deve se guiar por uma política independente entre os distintos setores da burguesia (democrática e liberal), entre as ditaduras e a democracias, entre burocracias que se desenvolvem usurpando conquistas das massas e a restauração burguesa. Não se trata então de dois “campos” hostis. Trata-se de três. Vejamos qual o terceiro.

Trotsky, contrariamente aos que faziam definições de “dois campos” na China, apontava: “você diz que na China surgiram ‘dois campos diretamente hostis’: em um estariam os militaristas, imperialistas e certas camadas da burguesia chinesa; no outro os operários, artesãos, pequeno burgueses, estudantes, intelectuais e certos setores da burguesia média (...) Na realidade há três campos na China – os reacionários, a burguesia liberal e o proletariado – e os três lutam por conquistar hegemonia sobre os estratos inferiores da pequena burguesia e do campesinato (...)”. E mais ã frente seguia: “o que devemos salvaguardar no curso da revolução é, principalmente, o partido independente do proletariado, que avalia constantemente a revolução desde o ponto de vista dos três campos e é capaz de lutar pela hegemonia do terceiro campo e, por conseguinte, na revolução em conjunto.” [7]

Para mostrar como os stalinistas não tem nada a ver com o leninismo, Lenin apontava as mesmas conclusões no essencial do que desenvolveu Trotsky na luta contra o stalinismo. Lenin, após descrever as três tendências políticas principais da luta revolucionária russa de 1905 (o czarismo, a burguesia liberal e o proletariado) aponta as mesmas conclusões que Trotsky em 1927: “o desenlace da revolução depende do papel que desempenhe a classe operária: o de se limitar a ser um mero auxiliar da burguesia, por mais poderoso que seja em seu impulso contra a autocracia, ou que assuma o papel dirigente da revolução popular”.

Os campos que define Trotsky e Lenin são campos das forças hostis. Para o PSTU, em Cuba só haveria dois “campos” bem delimitados: ditadura castrista e as massas. Logo, quem está contra a ditadura castrista está com as massas. Esse é um bom exemplar de raciocínio binário. Porém Cuba é um estado “especial” (a despeito da burocracia castrista, independente do imperialismo) em nosso continente englobado num contexto de dominação (política, econômica e militar) imperialista sobre essa região cujo principal referente é os EUA. Colocar-se do lado oposto do imperialismo de maneira clara em Cuba é o mínimo para os que dizem estar ao lado do povo cubano. Esse é o abêcê para os marxistas. Seria ingênuo (não binário!) menosprezar a política dos EUA em Cuba. Guiar-se pelo combate ã burocracia castrista e em defesa das massas – assim entendo os argumentos de Gustavo e dos militantes do PSTU – é digno de respeito. Porém, como estamos falando de política (luta de classes) há que se guiar pela estratégia proletária mundial – derrotar o imperialismo ou resistir contra seus ataques para preparar a ofensiva futura – com táticas que considerem tanto os interesses imperialistas como também as relações profundas da burocracia com este imperialismo (mesmo quando se veja obrigada a enfrentamentos).

São, portanto, três os campos para os revolucionários em Cuba, e não dois: o primeiro o imperialista, a Igreja, as “Mulheres de Branco” e suas Yoanis; o segundo o bonapartista, o aparato estatal e as forças armadas; e o terceiro a classe operária que deve buscar seu lugar independente frente aos outros dois campos para conseguir hegemonizar as demandas do povo cubano. Começar a luta pelas “transformações democráticas” em Cuba (e sua primeira tarefa, para essa política, seria a defesa das conquistas democráticas como aponta o artigo de Gustavo), significa que a classe operária deve começar sua luta no campo do imperialismo. Não por acaso Yoani aparece como uma aliada para essa política.

A definição de que tudo parte das “transformações democráticas” não parte do caráter de classe do estado e da defesa do que resta das conquistas da revolução. Estas conquistas são a base social do bonapartismo castrista e o alvo principal do imperialismo exatamente por ser a conquista mais avançada da classe operária cubana. O imperialismo e o bonapartismo castrista são contrários ã ação independente das massas e contrários ã defesa das conquistas da revolução. A burocracia e o imperialismo desejam restaurar o capitalismo. Contudo, isso não quer dizer que “são a mesma coisa” Mirar o bonapartismo castrista com as armas “democráticas” do imperialismo é negar a possibilidade hegemonia operária e da auto-organização das massas em Cuba.

 

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