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Massacre operário na África do Sul
por : PTS, Argentina

27 Aug 2012 | Cerca de 40 mineiros grevistas sul-africanos da empresa britânica Lanmin foram brutalmente assassinados pela polícia enquanto que outros 70 ficaram feridos e, além disso, 259 pessoas foram detidas.

Por Diego Dalai

Cerca de 40 mineiros grevistas sul-africanos da empresa britânica Lanmin foram brutalmente assassinados pela polícia enquanto que outros 70 ficaram feridos e, além disso, 259 pessoas foram detidas. O massacre, ocorrido quinta-feira, 16/08, se deu no marco de uma dura greve por aumento de salários que vem sendo mantida por mais de 3000 mineiros operadores de brocas desde 10/08. Armados até os dentes com arsenal de guerra, cerca de 500 policiais efetuaram a sangrenta matança com uma ardilosa e perigosa emboscada.

Os jornais publicaram em primeira página as fotos dos cadáveres caídos no chão, rodeados de policiais que seguiam apontando suas metralhadoras, escopetas e pistolas. É a primeira vez desde o final do Apartheid em 1994 que se vive a matança em grupo de setores da população negra. A gravidade dos fatos gerou uma importante crise política no governo de Jacob Zuma, do partido Congresso Nacional Africano (CNA), que se viu obrigado a decretar uma semana de luto em todo o país.

No dia seguinte, as valentes mulheres dos mineiros realizaram uma mobilização, fazendo frente aos covardes policiais assassinos e clamando por justiça. Dias depois, seguiam sem saber onde estavam de vários de seus esposos. A crise é tal que no domingo 19/08 o ex dirigente juvenil do CNA, Julius Malema, de grande prestígio entre a juventude negra, denunciou a repressão em um ato realizado no local da matança, se solidarizou com os mineiros que o aplaudiram e exigiu a renúncia de Zuma e a nacionalização da mina. Essa crise surge em meio aos preparativos da Convenção Nacional do CNA, que em dezembro definirá o próximo candidato a presidente.

No mesmo 19/08, a empresa enviou telegramas intimando os operários a voltarem ao trabalho sob ameaça de demissões. Mas a companhia, sob o fogo das críticas por sua resposta aos trabalhadores em greve, se viu obrigada a retroceder e seu presidente teve que retirar a ameaça de demissões. Os trabalhadores não se deixaram amedrontar e seguem em greve.

Grandes negócios imperialistas, miséria operária e popular

A mina produz platina e está localizada em Marikana, 100 km ao norte de Johannesburgo, a cidade mais povoada e operária da África do Sul. Pertence ã multinacional inglesa, Lonmin, que é a terceira produtora mundial desse metal e emprega cerca de 28.000 operários (de um total de meio milhão de mineiros em todo o país). África do Sul é parte das chamadas “economias emergentes” os chamados BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul –em inglês South Africa), mas seu crescimento econômico está baseado em um aumento das exportações mineiras e não em um desenvolvimento industrial. A política do CNA tem sido sustentar o crescimento em base a políticas neoliberais e a exportação de minerais, com as grandes mineradoras impondo baixos salários e condições de trabalho precárias.

A África do Sul tem a maior reserva mundial de platina e é o principal exportador, um dos maiores produtores de ouro e carvão e o maior produtor de diamantes. Uma fenomenal exploração de recursos nas mãos das multinacionais imperialistas, que só tem causado um maior empobrecimento das massas e aumento das desigualdades. África do Sul tem um dos maiores índices de “desigualdade social” entre brancos e negros e, inclusive entre uma casta burocrática de funcionários negros, desenvolvida ao redor do CNA. A greve dos mineiros de Marikana é uma resposta operária ás consequências da crise internacional com epicentro na Europa (principal sócio comercial da África do Sul), que atualmente está afetando essa economia, que já tem 30% de desemprego, pela caída do preço da platina e o encarecimento do crédito externo. Poucos dias depois do massacre em Marikana, estourou outra greve mineira na empresa Bafoheng Rasimone Platinum, mostrando a explosividade desses setores operários super explorados, que recebem os salários mais baixos da África do Sul e vivem amontoados em barracos ao lado da mina. Ao fechamento dessa edição iniciava-se uma terceira greve na Anglo American Platinum, também por aumento de salários.

Grande luta e ativismo operário

A greve é duríssima porque a burocracia do Sindicato Nacional de Mineiros (NUM, em inglês), aliada ao governo, vem tentando quebrar a luta com distintos métodos, inclusive o envio de bate-paus. O ativismo, que conta com mais de 3000 operários sustentando a concentração na mina se concentra na Associação de Mineiros e Trabalhadores da Construção (AMCU, em inglês). A AMCU é uma ruptura da NUM, um dos principais sindicatos da central operária nacional COSATU, também em mãos da burocracia oficialista. A greve foi declarada ilegal pelo governo e nos dias prévios ao massacre de quinta haviam produzido alguns enfrentamentos contra as guardas de segurança, bate-paus da burocracia e policiais, deixando um saldo de 10 mortos. Assim, a greve está mostrando não só a disposição à luta contra a patronal pelas reivindicações econômicas, mas também a tendência a uma ruptura mais profunda de milhares de operários com suas direções sindicais burocráticas. No setor mineiro, a burocracia parece conservar só um terço do apoio das bases, enquanto que ooutro terço está com a AMCU e o restante com nenhum dos dois.

As declarações do líder da COSATU, que chamou a unidade do movimento operário, parece mostrar que esse processo não está limitado só ã mineração, mas sim que se estende a outros setores do movimento operário sul africano. Já em 2010, quando os dirigentes levantaram a grande greve de trabalhadores estatais, haviam sido vaiados por suas bases. Em janeiro de 2012, os operários da mineradora de platina Impala levaram adiante uma histórica greve frente as demissões de 5000 trabalhadores. Naquele momento, 17000 mineiros sustentavam a greve sem o apoio do sindicato NUN, mesmo sendo declarada ilegal pelo governo.

Os ativistas da AMCU denunciaram que os bate-paus da burocracia estão trabalhando abertamente com a polícia e segurança provada para amedrontar os trabalhadores. Após a repressão, os dirigentes da NUM e COSATU mostraram um papel ainda mais anti-operário, justificando de fato o massacre ao repetir o discurso da polícia de que os manifestantes estavam armados e que houve disparos de ambos os lados.

Essa grande luta mineira e o surgimento de setores sindicais mais combativos que rompem com a direção da COSATU refletem um crescente descontentamento operário e popular com o governo do Conselho Nacional Africano (CNA). Esse partido-movimento, junto ao Partido Comunista e a COSATU governam a África do Sul em uma aliança tripartidária desde 1994, logo após vencer as eleições que, pela primeira vez, a população negra pode votar. Milhões de trabalhadores e setores de pobres urbanos o viam como o governo que lhes permitiu conquistar direitos civis e democráticos e despertava a ilusão de melhorar seu nível de vida. O ANC, fundado no ano de 1912 com o objetivo de formar um estado nacional-democrático que incluiria brancos e negros, cresceu exponencialmente nos anos ´50 pelo papel nas lutas contra o regime do Apartheid, convertendo-se na direção histórica da luta das massas sul africanas por sua liberação do regime separatista, com a figura emblemática de seu dirigente Nelson Mandela.

O regime do Apartheid

O Apartheid (que significa “separação” em afrikan –a língua da minoria branca) regeu desde 1948 e estava baseado em considerar os negros como raça inferior que não deveria se misturar com os brancos. As massas negras estavam destinadas somente a ser mão de obra barata, sem direitos trabalhistas básicos (como o direito a se sindicalizar e nem se organizar, além de não terem acesso aos trabalhos mais qualificados e melhor remunerados), para a burguesia branca e os monopólios imperialistas. Não tinham sequer os mínimos direitos que existem em um país capitalista, inclusive com regimes ditatoriais, de ser considerados cidadãos. Da parte do imperialismo inglês e norteamericano, a minoria branca segregava os negros de todos os âmbitos da sociedade: não podiam votar, tinham que viver em bairros separados dos brancos, viajar em transportes expeciais, não podiam utilizar os mesmos banheiros e as crianças negras não podiam frequentar as mesmas escolas que as brancas. Não se permitia viajar livremente pelo país, deviam fazer filas distintas, estava legalmente estabelecido que um negro receberia um salário menor que um branco, pelo mesmo serviço. Não podiam usar as mesmas praças e serviços públicos (como escolas), os programas de estudo para negros eram inferiores aos dos brancos e as relações sexuais e o casamento entre pessoas negras e brancas estavam proibidos por lei.

Rebelião de massas e transição pactuada com o CNA

As massas negras vinham lutando heroicamente contra essa ignominiosa opressão racista dos brancos e o imperialismo, sendo vítimas de grandes massacres, como o de Sharpeville, em 1960, ou o de Soweto, em 1976. Por volta do final dos ´80, essa luta vinha em claro ascenso, ameaçando se transformar em uma aberta revolução operária e popular. Para evitar essa perspectiva, o imperialismo e a minoria branca no poder colocaram em marcha uma transição ordenada e negociada com o CNA. Essa direção, que havia encabeçado a luta anti-Apartheid e foi, junto ao PC, a mediação reformista entre as massas e o regime, pactuou essa saída, com Mandela encabeçando, garantindo que não se tocasse nos interesses econômicos dos brancos e do imperialismo, assim como a impunidade pelos crimes cometidos contra os negros, que se garantiu com a Comissão de Verdade (ver anexo).

O processo para desmontar o ascenso durou vários anos: desde 1989, quando Federik De Klerk começou o desmantelamento do regime, até 1994, quando assume Nelson Mandela. O final do Apartheid e a obtenção dos direitos civis para as massas negras são, portanto, uma concessão que a minoria branca opressora e o imperialismo se viram obrigados a fazer, frente o risco de perderem tudo para as massas negras. Aceitaram o sistema de “uma pessoa um voto”que levaria a um governo negro, enquanto o CNA e o Partido Comunista impunham uma política de “reconciliação nacional” para frear a mobilização das massas. Isso se deu no marco, ademais, de que o Apartheid já era insustentável por outros fatores, como a derrota da África do Sul na guerra de Angola e a pressão internacional contra o Apartheid que havia levado a que o imperialismo pusesse em marcha as negociações.

O CNA, que foi legalizado em 1990, com o apoio do PC, foi o que permitiu que esse plano se levasse a cabo, aceitando as condições da burguesia branca e o imperialismo. Junto ã COSATU e o PC, formaram a “aliança tripartidária” com Nelson Mandela (liberado em 1990 após 27 anos de prisão) a frente. Assim, se transformou na garantia da estabilidade capitalista e no aplicador dos planos neoliberais de ajuste e privatizações, sobretudo a partir dos governos de Mbeki e seu “Plano de Crescimento, Emprego e Redistribuição” (GEAR, sigla em inglês), o que desatou a resistência operária e popular e abriu crise recorrente na “aliança”. O atual governo de Jacob Zuma, também do CNA, chegou em meio a crise econômica internacional de 2008/2009. Os capitalistas realizaram centenas de milhares de demissões com o respaldo do governo, que seguiu a política neoliberal de seu antecessor.

Houve uma dura resistência operária e popular em 2009 e 2010. Ocorreu a grande greve da construção (que paralisou as obras nos estádios para a Copa do Mundo de futebol) e da eletricidade em 2009, a dos trabalhadores estatais em 2010 por aumentos salariais e as mobilizações contra a pobreza e por falta de infraestrutura nos antigos guetos do Apartheid, que são enormes vilas de miséria onde as paupérrimas condições de vida se mantém intactas. A maior parte desses protestos e mobilizações que constituíram verdadeiras crises políticas para o governo de Zuma, foram reprimidas fortemente pela polícia, deixando muitos manifestantes mortos. Essa onda de greves e conflitos foram convocadas e dirigidas pela central operária nacional, COSATU, e seus sindicatos, que apesar de estarem dirigidos por burocratas filiados ao CNA, teve que se colocar a frente do descontentamento social para que esse não saísse do controle.

O poder econômico segue nas mãos do imperialismo e da elite capitalista branca

Hoje, depois de 18 anos de governo do CNA, fica demonstrado que a conquista dos direitos civis e até de um governo negro não resolveu nenhum dos profundos problemas democráticos, estruturais e sociais mais urgentes das maiorias de trabalhadores. O resultado da transição pactuada foi que o imperialismo e seus monopólios sigam com seus grandes negócios, explorando os trabalhadores negros e expoliando os recursos naturais. A burguesia branca manteve suas posições econômicas, como os latifúndios cultiváveis etc. Dessa maneira os direitos civis e a legalidade dos sindicatos e partidos negros tornam-se formais para as grandes massas negras. Inclusive o ex-dirigente juvenil, Julius Malema, guiado pelo interesse de se posicionar melhor na interna do CNA, declarou que “nos deram a democracia, mas nenhuma conquista social”.

O massacre de Marikana é uma trágica mostra disso. Os guetos seguem existindo, bairros muito precários e marginais, sem água e luz elétrica, sem gás e saneamento básico. O lixo deve ser queimado pelos próprios habitantes porque não há serviço de coleta. A pobreza inclusive aumentou comparada com décadas anteriores, afetando mais da metade da população, o mesmo que a desocupação, que chega a quase 30% (e ao menos 50% entre os jovens). As condições de trabalho precário se mantém, com a terceirização massiva que se impulsiona desde o governo. A epidemia de SIDA afeta uma de cada sete pessoas no país e a expectativa de vida apenas supera os 50 anos. Esse “Apartheide social e econômico”, é produto de ter sido mantida intacta a estrutura capitalista semicolonial do país, inclusive com o desenvolvimento de uma pequena e nova elite e burguesia negra, que avançou em uma maior entrega ao capital internacional.

A necessidade da revolução operária e socialista

O caso sul africano novamente mostra que as demandas democráticas estruturais, como a independência do imperialismo e a reforma agrária só podem ser resolvidos de forma íntegra e efetiva contra a burguesia nativa e estrangeira, impondo com a luta o poder operário e popular. Uma revolução operária e socialista é a única que pode significar uma saída real ás penúrias das massas. Só um governo operário e camponês baseado em seus organismo de luta pode acabar com a estrutura de classe capitalista, nacionalizando os monopólios estrangeiros, estatizando as grandes empresas da burguesia branca e da nova elite negra, levando a cabo uma ampla reforma agrária, colocando todos esses eixos fundamentais da economia sob administração e controle de seus trabalhadores, para satisfazer as necessidades mais elementares da população:moradia, saúde e educação. O desenvolvimento dos organismos de luta como verdadeiros parlamentos operários (soviets) é o único caminho para que as massas tomem em suas mãos o destino do país. Para avançar nesse caminho, os trabalhadores sul africanos que tem dado muitas mostras de combatividade e heroísmo, devem romper definitivamente com o CNA e passar por cima da burocracia sindical para empreender o caminho da revolução social.

O que foi a Comissão para a Verdade e Reconciliação?

A Comissão para a Verdade e Reconciliação foi um organismo oficial criado pelo governo da África do Sul para a reconciliação social ao final do Apartheid, entre a elite branca assassina e os trabalhadores, o povo majoritariamente negro que foi subjugado e segregado durante décadas. Baseava-se na Lei para a Promoção da Uniadde Nacional e a Reconciliação, de 1995, um ano depois de assumir o presidente Nelson Mandela. Foi encabeçada pelo arcebispo Desmond Tutu, que colocou o lema: “Sem perdão não há futuro, mas sem confissão não pode haver perdão”, quer dizer que os assassinos do povo poderiam confessar seus crimes e se se arrependessem conseguiriam a impunidade por seus atos. Aqueles que confessaram totalmente, com detalhes, mostrando um sincero arrependimento, poderiam se beneficiarem de uma anistia. Somente os que se negassem a reconhecer os crimes cometidos seriam entregados ã justiça. Essa impunidade para os crimes do Apartheid foi uma peça chave na transição pactuada que negociou o CNA e seus sócios do PC e a COSATU, com a minoria racista branca e o imperialismo.

Só se julgaram os casos mais “extremos”, deixando um sem fim de assassinos e torturadores impunes. Por último, a comissão igualava as grandes violações de direitos humanos cometidos pelo regime com as ações daqueles que o haviam combatido, como foram os grupos armados que enfrentaram por essa via o regime. Uma teoria “dos dois demônios” que bem conhecemos em muitos outros países.

 

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