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Quando debaixo da roupa de cordeiro se vê o diabo
por : PTS, Argentina

08 Jul 2012 | Os resultados da recente décima nona “cúpula de emergência” da União Europeia cujos principais protagonistas foram a chanceler alemã Angela Merkel, o primeiro ministro italiano Mario Monti, Hollande e Rajoy...

Por Paula Bach

Os resultados da recente décima nona “cúpula de emergência” da União Europeia cujos principais protagonistas foram a chanceler alemã Angela Merkel, o primeiro ministro italiano Mario Monti, e os presidentes da França François Hollande e da Espanha, Mariano Rajoy, continuam sendo matéria de especulação entre os principais analistas financeiros. Dentre as medidas aprovadas se destacam a possível recapitalização bancária direta ás entidades, o fato de que o MEDE (Mecanismo Europeu de Estabilidade Financeiro) não tenha prioridade de cobrança frente a outros credores em caso de suspensão dos pagamentos ou moratória, a possibilidade de que os fundos de “resgate” adquiram bônus de dívidas soberanas nos mercados secundários, a incorporação de um “fundo de crescimento” de 150.000 milhões de euros (equivalentes a 1% do PIB da Eurozona), assim como o compromisso de avanços para uma maior unidade fiscal e bancária.

Para além do verdadeiro calibre destas resoluções que abordaremos mais adiante, a novidade da décima nona cúpula é que pela primeira vez um bloco “anti-Merkel” (anti-alemão), sustentado pelos Estados Unidos, entrou em cena com certa capacidade de resistência e Angela Merkel apareceu, ao menos publicamente, claramente como “cedendo”. O primeiro ministro italiano apontou que “saber que o presidente dos Estados Unidos apoia nossa política, é verdade que por seus legítimos interesses eleitorais, mas também em nome dos interesses gerais, (...) se converte em uma ajuda psicológica para manter a posição e ir adiante” (El País, 2 de julho de 2012). O certo é que Monti é um peão colocado no tabuleiro por Angela Merkel no lugar do desacreditado “Il cavaliere” (Berlusconi). Mas Monti, como Rajoy, está pressionado pelo risco de que Itália seja a próxima frente uma possível queda da Espanha. Esta situação conduziu ambos a abraçar a causa do “interesse geral” a fim de salvar a própria pele ao menos no curto prazo.

Apontando para o curto prazo para afastar o risco iminente

As medidas de maior relevância são as que possibilitam dissociar o resgate dos bancos do endividamento dos Estados. Até o momento, como no caso da Grécia, Irlanda e Portugal, todos os “resgates” outorgados aos bancos pelos países centrais da Europa foram efetuados em nome dos Estados soberanos. Deste modo o Estado se constitui o garantidor que responde pelos fundos outorgados aos bancos nacionais (que não esqueçamos tem como objetivo permitir a cobrança dos bancos credores alemães e franceses). A contrapartida é a exigência de planos de ajuste, com o resultante de uma deterioração crescente das economias, com Estados cada vez mais endividados, considerados cada vez menos “sólidos” para responder aos pagamentos exigidos e por tanto submetidos a pagar prêmios de risco cada vez mais altos aos próprios bancos credores. O fator habilita a possibilidade da desvinculação entre empréstimos e Estados, está associado ao fato de que os países ameaçados são agora a quarta e terceira economias da Eurozona, Espanha e Itália, respectivamente. É uma demanda que Rajoy vem sustentando desde que solicitou o “resgate” de seus bancos e é também um requerimento urgente para Monti que vê que Itália pode estar próxima a ter que solicitá-lo. Os “mercados internacionais” esperavam algum anúncio contundente e todos sabiam que no caso de não existir, se corria um sério risco de derrocada. Neste contexto, as medidas adotadas são mais um bálsamo que busca evitar a quebra da Espanha no imediato que uma resolução firme no longo prazo. De fato, os fundos habilitados para “resgates” se reduzem ao atual capital do MEDE de cerca de 500 bilhões de euros que é uma cifra muito modesta se se leva em conta que só a dívida pendente do pagamento de Espanha e Itália somadas alcança os 2,8 trilhões de euros, isto é, um pouco menos de 6 vezes o montante do fundo (Martin Wolf, Financial Times, 3-7-12). A efetivação da medida mencionada, planejada para o fim do ano, obviamente não seria gratuita, e implicaria uma maior intervenção do Banco Central Europeu (e por tanto da Alemanha) sobre o sistema bancário. Se a Alemanha aceita que o BCE realmente assuma as perdas dos bancos, exigirá em troca, minimizá-las mediante condições de todo o tipo ás entidades tais como demissões, reestruturações, fechamento de filiais, perdas de acionistas e detentores de obrigações, etc. Medidas que evidentemente não só afetarão o setor financeiro senão o conjunto dos países. A indefinição em que permanecerem desaparecidos os passos iniciais para uma união fiscal e bancária dá mostra da indefinição da própria medida. Por sua parte a possibilidade de que os fundos europeus possam comprar dívida pública nos mercados padece de problemas similares e é inclusive, menos significativa. O Banco Central Europeu nem muito menos torna-se comprador em última instancia dos títulos europeus com o qual essas compras estariam limitadas ao mesmo capital que os resgates bancários. Ainda assim, a efetivação de uma medida deste tipo reduziria o prêmio de risco e a taxa de juros dos títulos do governo, em troca se exigiriam condições aos países submetidos. Ademais é provável que este tipo de medida, se aplicada, não difira muito dos já aplicados empréstimos do BCE aos bancos nacionais que aceitavam como garantia os bônus das dívidas soberanas. O fato do MEDE não ter prioridade de cobrar é uma clara medida destinada a tranquilizar o mercado financeiro frente ã crítica situação da Espanha e do “pacote de crescimento” que representa apenas um pouco mais de 1% do PIB da Eurozona, é evidente que não significa mais que um “gesto” sem nenhuma consequência efetiva no panorama geral de uma recessão que se agudiza na Eurozona de conjunto. Como resultado geral, o mais provável é que uma vez mais e tal como está sucedendo, as resoluções da recente cúpula, sem resolver o problema do fundo, dissipem por um período a iminência de um estouro financeiro. Mas em um contexto em que as tendências recessivas continuam se aprofundando recriando uma base para o ressurgimento dessas mesmas tensões.

Quando debaixo da roupa de cordeiro se vê o diabo

Provavelmente um dos aspectos mais novos desta cúpula não se encontra nas medidas econômicas efetivadas, senão no impacto político conseguido. De fato na zona do euro se está jogando uma espécie de partida de xadrez velada na qual se medem as forças de Alemanha e Estados Unidos. Mas Alemanha, por sua vez, joga uma partida contra o tempo. Sua intenção de reger os destinos da Europa e deglutir os países da zona do Euro está seriamente limitada pelos efeitos da crise econômica. Os mecanismos que durante quase dez anos geraram uma espécie de “círculo virtuoso” para a Alemanha, ameaçam agora em se converter no seu contrário. A política alemã em converter em “terra arrasada” o restante dos países da zona para avançar sobre eles absorvendo empresas, bancos e todo tipo de ativos desvalorizados, mediante uma estratégia de semicolonização, se torna altamente explosiva no marco das condições atuais. Se a Alemanha conseguiu uma substituição parcial ao destino europeu de suas exportações na China, os sintomas de debilidade da economia asiática se tornam uma nova ameaça. Enquanto isso, os planos de austeridade e a subjugação que vem implementando desde 2010 sobre os países meridionais da Europa e Irlanda que em épocas do “florescimento” do euro constituíram o destino de seus empréstimos e cerca de 60% do destino de suas exportações, estão redundando em um processo recessivo do qual só se salva (por hora e com crescimento apertado), a própria Alemanha. Por sua vez, estas políticas estão condenando a toda a zona a uma situação de virtual estouro permanente que nos picos mais agudos interrompe o famoso “nein” de frau Merkel, e o covnerte em um “ni” como é o caso da recente cúpula. E estes “ni” são em grande parte disfuncionais ao projeto alemão, questão que se manifesta nos elementos incipientes de crise política como a recente ameaça da União Sociodemocrata bávara (partido irmão da União Democrata Cristã – CDU- de Merkel) de retirar seu apoio ao governo se a chanceler continuar se mostrando “flexível” ante seus sócios do eurogrupo. Estados Unidos por sua vez, cujo débil crescimento econômico não permite reabsorver o que representa um alto desemprego para o país do norte e que ameaça a reeleição de Obama, está tentando aproveitar a debilidade da Alemanha num marco em que a crise europeia e as políticas alemãs representam ademais um sério risco para sua própria economia. Não só por questões eleitorais e imediatas relativas ã saúde de sua economia, senão também pela oportunidade estratégica que significaria aproveitar esta situação para uma maior penetração de seus capitais, Estados Unidos está conformando uma frente de intervenção mais direta sobre as políticas europeias. Essa “frente” que se fortaleceu com a derrota de Sarkozy e o triunfo de Hollande na França é a que recentemente se somou aliados, talvez circunstancias, mas acossados pelo risco de um estouro de seus próprios países como Monti e Rajoy. Evidentemente isto é só sintoma de uma situação extremamente crítica da economia mundial em que ainda não estamos ás portas de um enfrentamento inter-imperialista aberto, mas no qual, apesar de ainda prevalecer elementos de frágil cooperação (que se evidenciam no baixo calibre dos acordos alcançados), ainda nesse mesmo terreno, os distintos atores começam a medir suas forças.

 

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