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Os revolucionários e a questão do “governo de esquerda”
por : PTS, Argentina

13 Jun 2012 | As eleições de 6 de maio mostraram que a grande maioria do povo grevo repudia o brutal ajuste da “troika” (a UE, o FMI e o Banco Central Europeu) implementado pelos principais partidos da burguesia: Nova Democracia e PASOK.

Por Claudia Cinatti, PTS

As eleições de 6 de maio mostraram que a grande maioria do povo grevo repudia o brutal ajuste da “troika” (a UE, o FMI e o Banco Central Europeu) implementado pelos principais partidos da burguesia: Nova Democracia e PASOK. O afundamento dos partidos tradicionais foi capitalizado pelo Syriza (Coalizão da Esquerda Radical), uma coalização reformista de esquerda, cujo principal membro é o Synaspismos, uma velha ruptura do Partido Comunista grego que integra junto a outros velhos partidos comunistas reciclados, como Die Linke (Alemanha), Izquierda Unida (Estado Espanhol) e o Partido Comunista Francês o chamado Partido da Esquerda Européia. Syriza praticamente quadruplicou sua porcentagem de votos, saiu das eleições como a segunda força e abriu uma crise política de envergadura ao se negar a formar governo com o PASOK e a Nova Democracia, o que precipitou o chamado a novas eleições para 17 de junho.

O meteórico crescimento eleitoral da Syriza é expressão de uma profunda polarização social e política, produto de três anos de ajustes e “resgates”, e de cinco anos consecutivos de recessão, no marco de uma crise social sem precedentes e persistente resistência dos trabalhadores, dos jovens e setores populares. A outra cara deste processo de polarização nas eleições foi a extrema-direita neo-nazia da Aurora Dourada, que apelou ao sentimento nacionalista e xenófobo que se exacerbou com a crise.

Sem sombra de dúvidas, a mensagem política da Syriza de rechaçar o “Memorandum” de ajuste junto a se manter no euro, empalmou com um estado de consciência de amplos setores de trabalhadores, estudantes, jovens “indignados” e setores pauperizados pela crise, que apesar de ter protagonizado 17 greves gerais nos últimos dois anos e inumeráveis mobilizações contra as medidas brutais de austeridade, ante a falta de uma alternativa política revolucionária, ainda abrigam a ilusão de que sua salvação passa por seguir no marco da União Européia.

Ainda que o panorama eleitoral ainda está incerto, frente ã grande fragmentação de votos que caracterizou as eleições de 6 de maio, as próximas eleições parecem refletir uma tendência a concentrar um “voto útil” tanto ã direita tradicional, representada pela Nova Democracia, como a esquerda “possível” representada pela Syriza, o que poderia levar a uma redução importante da porcentagem de votos da extrema direita neo-nazi Aurora Dourada e também de organizações de esquerda como o Partido Comunista Grego (KKE) e Antarsya.

A Nova Democracia e o PASOK – apoiados pelos grandes meios de comunicação imperialistas europeus – centraram sua campanha em aprofundar os temores das classes médias a que justamente um governo da Syriza seria incapaz de sustentar sua promessa de manter a Grécia dentro da eurozona, e agita o fantasma, tão temido por uma maioria que poderia oscilar entre 65% e 80% segundo a pesquisa, de que o país seja expulso do euro.

Para fazer frente a esta campanha de pânico, Aléxis Tsipras, principal figura da Syriza, vem deixando claro que, em caso de chegar ao governo, não tomará nenhuma medida “unilateral” que afete ã UE, como por exemplo, deixar de pagar a dívida, menos ainda nacionalizar os bancos nem afetar os interesses capitalistas, enquanto busca aliados como o presidente francês Hollande ou inclusive Obama para pressionar por outra linha que não seja só austeridade. A Syriza promete ao mesmo tempo rechaçar o Memorandum do ajuste e negociar com Merkel e a troika a permanência da Grécia no euro, especulando que para as potências européias a saída da Grécia da zona do euro seja mais custosa que negociar alguns pontos do ajuste, já que poderia disparar uma espiral de crise que arraste a Espanha, Itália, e com elas o conjunto da União Européia, com implicações em todo o mundo. A posição da Syriza, que, desde seu êxito eleitoral de maio não tem feito algo mais que moderar seu discurso, é afrouxar a pressão da UE e do FMI esperando que a economia recupere algo de dinamismo para assim poder fazer frente ás obrigações gregas e encarar o programa das “reformas estruturais”.

Porém, a dureza de Merkel, que defende antes de tudo os bancos e os grandes capitais alemães, mostra que este programa reformista de “salvar o euro”, quer dizer, em primeiro lugar os bancos alemães e a Europa capitalista (incluindo a burguesia grega) e ao mesmo tempo os trabalhadores gregos, é completamente utópico. No fundo a Syriza compartilha um importante ponto de programa com a Nova Democracia e o PASOK que é manter a Grécia como um “capitalismo viável” dentro do euro, só que a direita tenta se mostrar como a mais eficiente para fazê-lo. Isto explica que nas últimas pesquisa já não há certezas sobre o triunfo de Syriza e apareça a direita tradicional da Nova Democracia com possibilidades de ficar em primeiro lugar.

As ilusões em um “governo de esquerda” conciliador com o imperialismo

O fenômeno eleitoral da Syriza entusiasmou a muitos na esquerda que se reivindica trotskista, que rapidamente tomaram como sua a consigna de “governo de esquerda” que eventualmente poderia surgir depois das eleições de 17 de junho, quer dizer um governo da Syriza, do Partido Comunista Grego (KKE) e Esquerda Democrática (uma ruptura pela direita com a Syriza que atraiu a vários parlamentares do PASOK).

A LIT (cujo principal partido é o PSTU do Brasil) se pronunciou a favor da formação de um “governo anti-ajuste”. Em sua declaração chama a formar uma “Frente de Esquerda” entre “Syriza, o KKE, e Nova Democracia” (supomos que se referem a Esquerda Democrática – nota do revisor) e outras forças de esquerda como Antarsya, que assuma o governo e levante um programa que “rompa com a Troika”, repudie o Memorandum e faça um “verdadeiro plano de resgate dos trabalhadores e do povo”, onde as inconsistências da Syriza com o que poderia ser uma política revolucionária, nada mais e nada menos que seu programa de reforma das instituições imperialistas da UE, são somente uma “desculpa” que não deve servir para não se subordinar a um governo de “esquerda” sob sua direção. A LIT nem sequer se propõe a se diferenciar programaticamente, aderindo ao programa mínimo “anti-memorandum”. Esta política oportunista e eleitoralista de unir todos que estão “contra a direita” não é nenhuma novidade para a LIT. Sua seção portuguesa não só se manteve anos dentro do Bloco de Esquerda convivendo com uma esquerda reformista e parlamentarista, afastada da luta de classes, como também vem defendendo a anos construir uma “alternativa de governo” ã esquerda do Partido Socialista com o Partido Comunista Português, que, tal como a Syriza, levanta uma política de renegociar a dívida e os ajustes e tem uma linha de colaboração de classes para fazer confluir os trabalhadores com “os democratas e patriotas que não estejam conformados com a liquidação da soberana de seu país” (larepublica.es, 27/5/12).

O Secretariado Unificado da Quarta Internacional (da qual faz parte a ex-LCR hoje no NPA da França) não faz rodeio e diretamente chama a assumir como seu o “plano de emergência” de 5 pontos que a Syriza levantou. Este plano inclui, entre outras reivindicações, a suspensão do pagamento da dívida e sua auditoria, para separar a dívida “legal” da “ilegal” e o controle público sobre os bancos (algo que Tsipras se encarregou de esclarecer que não se trata de nenhuma nacionalização). Em uma declaração pública o SU chamou abertamente a votar no Syriza, inclusive contra a política de sua seção grega, OKDE-Spartacus, que se apresentará nas eleições como parte da coalizão anti-capitalista Antarsya, a seção grega defende que o programa da Syriza é reformista, e o posicionamento do SU está gerando debate nas fileiras desta organização internacional. A direção do SU não tirou nenhum conclusão da crise do NPA na França, produto de sua falta de definição estratégica e sua construção em espaços eleitorais e não na luta de classes, gerando correntes internas abertamente oportunistas que pugnam por abandonar toda pretensão de “esquerda anti-capitalista” para confluir com a Frente de Esquerda de Mélenchon e o PCF. Isto levou o NPA ã paralisia e a sofrer uma sangria de militantes.

Os companheiros do Partido Operário (Argentina) também se somaram a este coro de organização que saíram a defender a consigna de “governo de esquerda” contra a direita; em um artigo de Prensa Obrera 1224, apesar de expor os limites do programa reformista utópico da Syriza e de reconhecer o fato evidente de que, no caso de chegar ao governo, esta esquerda não faria mais que “ganhar tempo” para evitar ter que gerir o colapso, Altamira termina defendo que “nestas condições, mais que nunca, defendemos a consigna de um ‘governo de toda a esquerda’, contra a alternativa da direita.” A esta política ele agrega o chamado a que “rompa com o imperialismo, ou seja com a União Européia, e tome medida anti-capitalistas e impulsione um governo de trabalhadores”. Ao não existir organismos das massas na luta que tendam a criar um duplo poder, este chamado do PO apela ã vontade da direção da Syriza par que “impulsione” um governo de trabalhadores, o qual, longe de combater o reformismo e pacifismo, fortalece as ilusões parlamentaristas alimentadas por esta centro-esquerda. A política do PO de “defender a perspectiva de um governo da esquerda contra a direita, denunciando o caráter ou as limitações estratégicas do programa desta esquerda” é, nos fatos, uma política de apoio crítico a um eventual governo de esquerda dirigido pela Syriza, algo que o próprio Altamira havia considerado até somente duas atrás como “o perigo de uma abordagem oportunista, como seria um apoio – inclusive ‘crítico’ – ã Syriza em nome de ‘uma luta contra o ajuste’” (Prensa Obrera, 1222). Apesar de Altamira afirmar que deste modo está apoiando a “campanha eleitoral da esquerda revolucionária da Grécia – o EEK”, o que parece reforçar, no entanto, são as ilusões na Syriza e na esquerda reformista, que, longe de impulsionar um governo dos trabalhadores poderiam se transformar em um instrumento de desvio a serviço do capitalismo grego e da UE.

O chamado a um eventual “governo de esquerda” encabeçado pela Syriza, longe de contribuir para que setores dos trabalhadores e jovens avancem para tirar as conclusões de que o único programa para enfrentar o ajuste é um programa anti-capitalista e revolucionário, alimenta as ilusões de que é possível uma saída parlamentar e pacífica ã crise, sem enfrentar as instituições imperialistas como a UE nem atacar os interesses dos capitalistas. Esta política é particularmente oportunista frente a perspectiva de que o aprofundamento da crise e um salto na luta de classes desenvolvam tendências abertamente contra-revolucionária que contem com o aval de setores da burguesia e das classes médias assustadas, tendências estas antecipadas pela emergência do neo-nazista Aurora Dourada.

A defesa de “governo de esquerda” se parece a outras similares feitas pelos partidos da corrente “morenista”, sendo corrompida para converter-se em apoio eleitoral ás candidaturas e programas de colaboração de classes. A esta política a atual posição do PO se adapta. A tática de “governo operário e camponês” é uma exigência a direções operárias reformistas ou pequeno-burguesas das massas em luta (e não em movimentos eleitorais) no marco de situações revolucionárias, para que rompam com a burguesia e tomem o poder, indissoluvelmente ligada ao impulso audaz do surgimento de organismos de duplo poder de tipo “soviético”.

Os trabalhadores e os jovens gregos mostraram uma grande vontade de resistência e uma grande combatividade para enfrentar os planos de austeridade nas ruas. Inclusive alguns setores avançados, ainda que minoritários, tiveram experiências de ocupações de lugares de trabalho. No entanto, até o momento, estas ações e energias de luta foram canalizadas por uma burocracia sindical vendidas aos partidos patronais, que, se enfrentando, com dias de greve isolados, têm conseguido que não se desenvolva uma tendência ã greve geral. Nisto também tem grande responsabilidade o KKE, que com sua política que combina a auto-proclamação e o sectarismo com um programa reformista e eleitoralista tem sido um obstáculo para desenvolver a frente única operária. Para derrotar os planos da União Européia e da burguesia grega faz falta um programa revolucionário. Um programa que esteja ã altura da ofensiva dos capitalistas para fazer que os trabalhadores carreguem com o peso da crise, que deve combinar medidas urgentes como o cancelamento da dívida e dos programas de austeridade, com medidas transicionais como a nacionalização da banca, sob controle dos trabalhadores, a expropriação dos grandes capitalistas na perspectiva de impor um governo operário e popular, baseado nos organismos de democracia operária, para seja um primeiro passo na luta pelos Estados Unidos Socialistas da Europa.

06-06-2012

 

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