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Entre a rebelião e a decomposição do regime
por : Celeste Murillo , Juan Andrés Gallardo

07 Apr 2011 | Após as mobilizações na Tunísia e no Egito que acabaram com os governos de Ben Ali e Mubarak, os protestos se estenderam a outros países do norte da África e do Oriente Médio.

Após as mobilizações na Tunísia e no Egito que acabaram com os governos de Ben Ali e Mubarak, os protestos se estenderam a outros países do norte da África e do Oriente Médio. O caso mais significativo é sem dúvida o da Líbia, por dois motivos fundamentais. Em primeiro lugar, por seu papel como produtor de petróleo (é o quarto produtor da África e o que tem as maiores reservas do continente) que colocou em alerta as burguesias de todo o mundo pelas conseqüências que o aumento dos preços do petróleo pode ter na crise econômica. Em segundo lugar, porque ã diferença de Tunísia e Egito, onde o Exército permaneceu como garantidor da estabilidade, preservando-se e cumprindo papel na transição, na Líbia as Forças Armadas aparecem divididas, posto que setores inteiros desertassem para unir-se ã rebelião ou se negaram a reprimir os protestos.

A fagulha que incendiou os protestos se estendeu rapidamente. Em 16/2, milhares de pessoas se reuniram para exigir a liberdade do advogado defensor de presos políticos Fethi Tarbel, fato que culminou em enfrentamentos com as forças de segurança. Em 17/2, inspirando-se no Egito se convocou o “Dia da Ira” contra o opressivo regime do ditador Muammar Kadafi, no poder desde 1969. A partir desse momento o governo reprimiu duramente os protestos, provocando centenas de mortos na parte leste do país, onde se concentraram os protestos.

Benghasi e Al Bayda, a segunda e terceira cidades em importância depois da capital, Trípoli, estão situadas na empobrecida região oriental, de longa tradição opositora ao regime de Kadafi. Em Benghasi, a princípios do ano, haviam ocorrido revoltas espontâneas por demandas de habitação social.

A 18/2, nesta cidade, onde vive um sexto da população líbia (nação habitada por 6 milhões de pessoas), os manifestantes ocuparam a rádio estatal, desde onde começaram a transmitir para contrapor o silêncio da mídia oficial, e rapidamente tomaram o controle da cidade com a ajuda da polícia local, que se uniu rapidamente aos protestos.

A 19/2, o hospital de Benghasi já informava 200 mortes e quase 1000 feridos, e se denunciava a presença de mercenários que atacavam os manifestantes desde veículos sem patente. A população começou a armar-se como pôde para se defender dos ataques do governo e dos mercenários. No mesmo dia 19/2 marcharam em Trípoli pela primeira vez os opositores de Kadafi, cidade onde até esse momento só se haviam mobilizado os seus seguidores.

O processo insurrecional no leste e a divisão nas Forças Armadas

No domingo, 20/2, um dos filhos de Kadafi, Seif-al-Islam, anunciou que a resposta do regime seria esmagar os protestos “a sangue e fogo”, tratou os opositores de “terroristas”, e em uma mensagem que parecia bem mais destinada aos países imperialistas, disse que o petróleo “ficaria nas mãos de criminosos”. A brutalidade da repressão dos últimos dias, que duplicou a quantidade de manifestantes assassinados levando o número a 600 (a informação varia segundo a fonte), não fez mais que mostrar a decadência e o desmembramento do governo de Kadafi, que prometeu deixar a terra arrasada antes de ir-se. Esta resposta brutal tentou, infrutiferamente, frear a dinâmica do processo revolucionário aberto na Líbia a partir de que um processo insurrecional nas duas principais cidades do leste do país conseguiu dividir o Exército, que por sua vez passou ã oposição, deixando Benghasi e Al Bayda fora do controle do governo de Trípoli. Nestas cidades o trânsito é dirigido por voluntários, em sua maioria jovens, a população se cuida e se defende por conta própria e organiza a alimentação coletiva. Situações similares se viveram em outras cidades do oriente como Tobruk que, segundo a agência Reuters, “celebrava sua liberação com tiros de metralhadora e manifestações em júbilo nas ruas, enquanto um grupo de manifestantes derrubava o monumento do ditador, e outros rasgavam seus retratos”. (El Pais, 23/2).

As deserções militares se seguiram a renúncia de diversos embaixadores (dos EUA, Índia, China, Grã-Bretanha, Indonésia e da Liga Árabe) ademais de altos funcionários como os ministros da Justiça e do Interior, que pediram o fim da brutal repressão.

O Exército, que se encontra historicamente cruzado por divisões tribais, reagiu frente ao levante popular e ã ordem de Kadafi de bombardear os opositores cedendo ás mobilizações (como em Benghasi) ou negando-se a reprimir (como os pilotos da Força Aérea que desviaram seus aviões para o aeroporto de Malta, onde se encontram refugiados), enquanto que outro setor, leal a Kadafi, está levando a cabo um verdadeiro massacre (alguns meios já falam de milhares de mortos).

Estas divisões se somam ás que vinham desenvolvendo-se no interior do regime de Kadafi ao redor de uma sucessão “dinástica”, atravessada pela luta dos dois filhos de Kadafi, Seif al-Islam e Motassem: o primeiro, aliado de Shokri Ghanem (presidente da Corporação Nacional de Petróleo), e impulsionador de reformas de abertura tanto econômicas quanto políticas (ainda que limitadas); o segundo, aliado ã velha guarda do Exército e ã frente do Conselho Supremo de Assuntos Energéticos, é partidário de manter a política de linha dura do regime.

Perspectivas da crise do regime

O rápido desenvolvimento dos acontecimentos parece ter deixado esta luta pela “sucessão” em segundo plano, em meio ã acelerada decomposição do regime. Com este derrubando-se, as crises e divisões se potencializaram, abrindo um cenário onde parece mais improvável qualquer saída “institucional”. Inclusive não se pode descartar que, pela importante produção petroleira e por temor ã radicalização e expansão do processo, os funcionários que saem comecem a pedir (e alguns já pedem) sanções diplomáticas e a intervenção da ONU e outros organismos internacionais. Obama e sua secretária de Estado, Hillary Clinton, disseram que é necessário “parar o banho de sangue” e que a “paz” deve voltar ã Líbia. Na boca dos imperialistas isso não é mais que uma justificação preventiva para uma possível intervenção, que não representará nenhuma saída para as trabalhadoras e trabalhadores e para o povo líbio, senão que aprofundará a submissão e a opressão no país. Nada progressivo virá de uma intervenção do imperialismo.

Ante tal cenário, começam a ouvir-se rumores de golpe de setores do Exército que buscariam derrocar Kadafi e formar um Conselho com figuras públicas e militares para dirigir o país. Não obstante, o Exército da Líbia, ã diferença do egípcio, não conta com tanto prestígio e simpatia entre a população e mostra divisões e enfrentamentos internos sobre bases tribais. Isto incidirá nas possibilidades de jogar um papel estabilizador e torna mais complicada a busca de uma saída política.

Neste marco, a possibilidade de que, ante a intenção de Kadafi de resistir a sangue e fogo, os acontecimentos desemboquem numa insurreição operária e popular, está presente. Ainda se Kadafi finalmente cai, um novo governo poderia ser débil e sem autoridade, com o que se prolongaria uma situação muito instável, e não seria de descartar uma “balcanização” das três zonas tribais que deram sustentação a um estado unificado, e inclusive, não seria o caso de descartar uma guerra civil.

Entretanto, e enquanto os acontecimentos na Líbia continuam desenvolvendo-se, parecem mostrar que a crise econômica internacional, com suas sequelas para as massas operárias e populares, começou a encontrar uma resposta virulenta na “Primavera Árabe”, que já contou com a queda de dois governos, e cuja extensão parece estar radicalizando-se e tornando-se mais poderosa.

 

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