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Oriente Médio: Ascenso operário no Egito e levante dos trabalhadores imigrantes dos países do Golfo
por : Juan Chingo

03 Feb 2011 | Abril de 2008. O elemento mais inesperado no Oriente Médio nos últimos anos é o surpreendente ascenso da mais forte classe operária na região, junto com a iraniana: a classe operária do Egito, país nodal na região.

Abril de 2008. O elemento mais inesperado no Oriente Médio nos últimos anos é o surpreendente ascenso da mais forte classe operária na região, junto com a iraniana: a classe operária do Egito, país nodal na região. Nos deparamos recentemente com a greve geral convocada pelos trabalhadores contra o aumento do pão, do custo de vida e pelo aumento de salários frente a chamada “crise do pão”, que significa a alta espetacular que registrou o preço deste componente básico da dieta da maioria da população. Essa ação levou a fortes enfrentamentos com as forças de repressão do regime corrupto e autoritário de Mubarak.

Mas como explicávamos o processo tem raízes anteriores. Seu ponto chave foi a vitoriosa greve no final de 2006 na enorme fábrica têxtil de Ghazl AL Mahala. Ilustremos pela boca de alguns de seus dirigente e protagonistas, como foi esta extraordinária ação operária: “Os 24 mil trabalhadores do polígono industrial de fiação e tecidos Mahalla AL-Kibra`s Misr Spinning and Weaving Complez se entusiasmaram quando em 3 de março de 2006 escutaram a noticia de que o primeiro ministro Ahmand Nazif havia anunciado um decreto pelo qual se aumentava a bonificação anual dos trabalhadores industriais do setor público que passava de 100 libras egípcias de taxa fixa (17 dólares) a uma taxa equivalente a dois meses salariais. A ultima vez em que houve aumento da bonificação ocorrera em 1984, quando houve o aumento de 75 para 100 libras egípcias. “Lemos o decreto e começamos a divulgá-lo dentro da fábrica” disse Attar. “Ironicamente, inclusive os dirigente sindicais oficiais estavam difundindo a notícia, como se houvesse sido um triunfo deles”. Continuou: “Chegou dezembro (mês no qual se pagam as bonificações anuais) e todo mundo estava muito ansioso. Descobrimos que nos tinham enganado. Só nos ofereciam as mesmas 100 libras que antes. Na realidade, 89 libras, para ser mais preciso já que nos descontaram os impostos. Sentia-se um espírito de luta no ar. Nos dias seguintes, grupos de trabalhadores se negaram a receber seus salários em forma de protesto. Logo depois, em 7 de dezembro, milhares de trabalhadores do turno da manhã começaram a se reunir na praça Mahalla`s Talà t Harb, em frente a entrada da fábrica de tecidos. O ritmo de trabalho na fábrica já estava diminuindo, mas a produção na fábrica parou totalmente quando cerca de 3,000 trabalhadoras do vestuário deixaram seus postos de trabalho e marcharam até as seções de fiação e tecelagem, onde seus companheiros homens ainda não haviam parado as máquinas. As trabalhadoras irromperam cantando: “Onde estão os homens? Aqui estão as mulheres!”.

Envergonhados, os homens se somaram a greve. Cerca de 10 mil trabalhadores se reuniram na praça gritando “Dois meses! Dois meses! Reivindicando sua demanda de bonificação prometida. Policiais anti-distúrbios vestidos de preto apareceram rapidamente rodeando a fábrica e ocuparam toda a cidade, mas não reprimiram o protesto.

“Estávamos assombrados ao ver quantos éramos” conta Attad. Antes das orações do amanhecer, a polícia anti-distúrbios correu para a entrada da fábrica. Setenta trabalhadores, incluindo Attar e Habib, estavam dormindo dentro da fábrica, tinham a ocupado espontaneamente... a policia cortou o fornecimento de água e energia da fábrica.

Funcionários do governo saíram correndo até as estações de trem para dizer aos trabalhadores que moravam fora da cidade, que a fábrica tinha fechado devido a um problema elétrico. A armação não vingou. “Se agruparam mais de 20 mil trabalhadores”, conta Attar. “Fizemos um ato massivo e uma paródia do funeral de nossos chefes. As mulheres nos trouxeram comida e cigarros e se agruparam ao cortejo. A Segurança não se atreveu a intervir. Os alunos das escolas primárias e os estudantes secundaristas próximos ao lugar tomaram as ruas em apoio aos grevistas”. No quarto dia de ocupação da fábrica, funcionários do governo apavorados nos ofereceram um bônus de 45 dias e nos garantiram que a companhia não ia ser privatizada. Suspendeu-se a greve e a federação sindical controlada pelo governo saiu totalmente humilhada pelo êxito da ação não autorizada dos trabalhadores da fábrica Misr Spinning and Weavin (Middle East Report, 25/03/2007).

Este triunfo operário constituiu um ponto de inflexão no despertar na combatividade, organização e nas lutas da classe operária egípcia. Vejamos mais profundamente por que. Dois jornalistas do Centro de estudos socialistas do Cairo, capital do Egito, brilhantemente sintetizaram esse salto: “A greve de três dias dos trabalhadores de Mahalla em dezembro de 2006, pode ser vista como um momento crucial de grande importância na história do movimento de trabalhadores egípcios. Pode-se falar de um período “anterior” e “posterior” a greve de Mahalla. Isto não é devido a magnitude da greve, ainda se tratando de uma ação de grande alcance, tampouco se deveu ao impacto nos grandes meios de comunicação, nem inclusive pelo fato de tenha desencadeado a onda de greves mais importante desde a década de 1940. Sua importância estava no fato de que o movimento de trabalhadores depois de dezembro de 2006 levou a marca da greve Mahalla em vários aspectos importantes. Por um longo período de tempo, o movimento de trabalhadores, em particular no setor público, contava com a “ocupação” de empresa como arma, o que significava que muitos trabalhadores se mantinham em seus postos de trabalho além da sua jornada de trabalho sem parar a produção. Este método de protesto refletia o impacto da propaganda do regime de Nasser, de que o setor público pertencia ao povo e que o aumento da produção significava melhorias nas condições de vida e que, os trabalhadores eram pareceiros no setor público, em vez de simples assalariados.

Durante muitas ocupações protagonizadas na década de 1970 e 1980 a produção na realidade, aumentou. Por exemplo, no protesto de trabalhadores do setor siderúrgico em agosto de 1989, a média da produção cresceu em 15%. A rápida resposta do estado com objetivo de por fim aos protesto tinha também o objetivo de evitar que as ocupações se convertessem em greves. Na realidade, quando era necessário interromper o processo de produção, era o estado e não os trabalhadores quem tinha que atuar para cortar o fornecimento de eletricidade, água ou gás no lugar de trabalho.

“Os ajustes estruturais da economia nas décadas passadas têm custado muitos postos de trabalhadores e têm dado aos empregadores muito mais liberdade. No entanto, também têm destruído muitas ilusões no setor público e aumentado a ira dos trabalhadores. Agora os trabalhadores estão confrontando diretamente a seus inimigos e têm redescoberto sua arma mais importante: a greve. No passado, os protestos dos trabalhadores eram geralmente de curta duração. Algumas vezes, a única notícia que se escutava sobre uma greve era que tinha sido reprimida. A maioria dos protestos de trabalhadores durava menos de 24 horas. Por exemplo, uma ocupação de uma fábrica de aço em Helwan em 1989 começou numa tarde e terminou ao amanhecer do dia seguinte. Foi a violenta intervenção das forças de segurança que, pois fim aos protestos antes de que estes pudessem se estender, em particular em grandes áreas industriais como Helwan, Kafr AL-Dawwar, Mahalla e Shubra. A duração muito breve dos protestos restringiu as oportunidades para que se desenvolvesse a consciência e organização dos trabalhadores, impedindo ao mesmo tempo, a inspiração de um movimento de solidariedade de greves em outros ramos de trabalho. Mas no movimento de trabalhadores nas greves de 2007, estas tendiam a durar dias, algumas vezes semanas e em algumas ocasiões meses. O protesto dos trabalhadores de Mahalla em dezembro de 2006 durou 3 dias e foi precedida por um protesto de 3 dias ao qual trabalhadores se negaram a receber seus salários; a segunda greve de Mahalla de setembro de 2007 durou 6 dias. A greve Kafr AL-Dawwar em fevereito de 2007 também durou vários dias e uma greve de trabalhadores na empresa têxtil de Abu-Makaram, na cidade de Sadat, durou 3 semanas. Uma greve que dura vários dias, abre a possibilidade de que se desenvolva um movimento de trabalhadores. Quanto mais longa uma greve, quanto maiores sejam as demandas dos trabalhadores e de quem ocupa o lugar de trabalho – mais obriga aos trabalhadores a desenvolver mecanismo para passar a noite ocupados, organizar as refeições diárias e proteger o local de trabalho. Enquanto alguns trabalhadores permanecem na greve por tempo indeterminado, outros trabalhadores começam a sair levantando suas próprias demandas em diferentes setores da economia. Isto foi o que aconteceu em conseqüência da greve de Mahalla em dezembro de 2006, quando os trabalhadores de todo setor têxtil estatal começaram a levantar as mesmas demandas dos trabalhadores de Mahalla, levando a uma reação em cadeia em distintos setores da economia” (Tradução publicada no International Socialism, 31/03/2008).

Como eles mesmos dizem, estamos perante um novo movimento operário. Este emergiu na cena política aproveitando as brechas que deixava o enfrentamento entre o regime de Mubarak e da Irmandade Muçulmana, a principal oposição política ao regime, que nos últimos tempos se tornou uma ideologia liberal islà¢mica conservadora. A opção do governo de não abrir um novo enfrentamento após o crescimento eleitoral dos islà¢micos nas eleições legislativas em finais de 2005, permitiu que se fosse preparado o protesto operário. Hoje este é um ator crescente na realidade nacional como demonstra a greve geral de 6/4, a que os irmãos muçulmanos se negaram a apoiar, demonstrando uma vez mais seu profundo desprezo pelo movimento operário e suas lutas e mostrando que representa um setor da burguesia egípcia deslocado dos negócios do Estado.

A importância do movimento é que começa a mostrar formas embrionárias de auto-organização que são um gérmen perigoso se ligado a fragilidade do regime de Mubarak, já em forte crise por uma traumática sucessão presidencial e fortemente golpeada pelos efeitos da crise econômica mundial, com destaque ã carestia de vida. Como divulgou International Socialism: “... o movimento de greve representa o desafio mais sério que os sindicatos dirigidos pelo estado já tenham enfrentado desde sua criação em 1950. De maneira paradoxal, o regime de Mubarak, apesar de seus compromissos com as reformas de mercado, segue se apoiando nos sindicatos dirigidos pelo estado para aparentar um suposto apoio “popular” dos candidatos do governo durante as eleições e como contrapeso ã oposição da Irmandade Muçulmana...Se o movimento operário egípcio se desenvolver durante os próximos anos, a experiência de 2007 mostrará todo seu valor para as futuras gerações de ativistas da classe operária. Em contraste ás burocráticas estruturas dos sindicatos controlados pelo estado, novos mecanismos organizativos tem sido criados desde a base. Surgem freqüentemente comitês de luta – constituídos mais ou menos formalmente – em muitos dos processos e em alguns, como na greve do Comitê Supremo dos Arrecadadores de Impostos da Propriedade, têm-se construído de fato comitês sindicais independentes. Outro desenvolvimento é a formação de ligas de trabalhadores, como no caso da Liga de Trabalhadores Têxteis organizada por líderes de greve de Mahalla. Mesmo sendo, os primeiros passos na tentativa de renascimento de um movimento de trabalhadores independente no Egito, são de vital importância” (IS, 31/3/2008).

No entanto, apesar de sua importância decisiva as greves dos trabalhadores do Egito não são as únicas que comovem a região sendo que começam a despertar um dos setores mais oprimidos e explorados de classe operária dos países da região: as centenas de milhares de trabalhadores imigrantes nos países do Golfo. Estes podem enviar cada vez menos dinheiro pra sua casa, a que, de um lado, o aumento da inflação ataca seu poder de compra e capacidade de guardar algum dinheiro e por outro lado pelo fato de que a moeda local que recebem, divisas vinculadas ao dólar estadunidense têm-se desvalorizado frente a de seus países de origem na Ásia. Esta diminuição nas remessas dos trabalhadores imigrantes, que em alguns casos constituem a principal ou a segunda fonte de divisas de muitos países semi-colonias, e fonte de sustento de milhões de famílias pobres pode agravar a crise destes países e pode incitar novos levantamentos contra a fome, como os que se tem visto nos meses que se passaram. Mas nos países onde trabalham estes imigrantes a raiva cresce e alguns casos tem se expressado em duras lutas: “Não me resta nada além de apertar os cintos”, se lamenta Chidambar, que deixou em Patna a sua esposa e filho. Muitos outros imigrantes asiáticos não se mostram resignados perante a crise que atravessam. Desde o começo do ano têm-se multiplicado os protestos e as greves em uma região do mundo onde estas são proibidas. Muitas delas, violentas, como em Jebel Ali (Dubai), onde cerca de 4.000 trabalhadores bloquearam ruas e estradas e depara pedir melhorias salariais. A repressão foi contundente. Um tribunal local sentenciou 45 operários asiáticos a seis meses de cárcere por incitação ã greve. Quando cumprirem a pena serão expulsos do país. Para vários outros, uma mera decisão administrativa é o bastante para que sejam expulsos do país”. (El País, 29/4/2008). (Ver também “Batalha entre operários da construção e a polícia”, http://www.ft-ci.org/article.php3?id_article=1229).

Os chamados para a tomada de medidas se multiplicam e chegam até os setores mais conciliadores com as petromonarquias: “As taxas de inflação do grosso das economias do Golfo tem corroído os salários para muitos trabalhadores estrangeiros (...)” justamente quando o preço do barril de petróleo, seu principal produto de exportação, alcançava níveis nunca vistos... Até alguns sacerdotes muçulmanos, geralmente conciliadores com os regimes locais, aconselham agora aos reis muçulmanos a tomar medidas. “Os governos devem intervir e estabelecer preços fixos para alguns produtos básicos para que as pessoas com recursos escassos possam sobreviver”, exclamou Yussuf Qaradawi, o célebre apresentador da rede árabe Al Jazeera, durante a oração de sexta-feira que pronunciou na mesquita de Omar Bin AL Kahttab, em Doha”. (Idem). E a preocupação se espalha: “As manifestações de imigrantes preocupam a população originaria do Golfo Pérsico. Obrigando-as ainda a ter mais consciência de sua grande dependência da mão estrangeira. Se somam aos imigrantes irregulares os regulares, os vindos da península Arábica são minoritários em quase todos os países da região”. “Temo que, enquanto estamos construindo arranha-céus estamos perdendo os emirados”, advertiu, na semana passada, Dhahi Khalfan Tamim, o maior responsável policial dos Emirados Árabes Unidos. Referindo-se ao espetacular crescimento imobiliário graças ao aumento de mão-de-obra estrangeira. Durante uma conferência, mostrou um vídeo, gravado pela polícia em que aparecem carros destroçados e lojas devastadas por imigrantes em greve. “Bloqueiam os caminhões e arrasam os que aprisionam pelo caminho, e depois os grupos de direitos humanos falam dos direitos dos trabalhadores”, afirmou. Referindo-se, a um recente informe da ONG Human Rigths Watch sobre a semi-escravidão que sofrem os imigrantes no Golfo”. A luta de classes está penetrando nestas monarquias fechadas pela via menos provável que poderiam imaginar seus xeiques esbanjadores.

 

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