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As contradições nas candidaturas de Serra e Dilma apontam instabilidades em um pós-Lula
por : Leandro Ventura, Rio de Janeiro

17 Jul 2010 | A estabilidade do regime e do movimento de massas no último período esteve diretamente determinada pela evolução da economia internacional e pela atuação de Lula e sua alta popularidade, nem a odiosa figura de Serra nem a desconhecida Dilma (que não é fundadora do PT nem da CUT) podem cumprir o mesmo papel. Esta é a principal determinação de porque (...)

Cada dia que passa o debate eleitoral nacional ocupa mais e mais as manchetes dos jornais, telejornais e de cada panfleto sindical do país. Por um lado a Veja reedita seu editorial de 2002 com a Hidra do PT e as alas esquerdas que tem que ser decapitadas, e questiona a capacidade de Dilma em podar as alas esquerdas tão eficientemente quanto Lula. Seu prognóstico é de incapacidade, concluindo que ocorreria um indesejável governo mais ã esquerda, e assim fazem campanha por Serra. Por outro lado há um esforço imenso de parte da campanha de Dilma em mostrar seu continuísmo, ou nas alas sindicais, como um projeto de aprofundamento do governo Lula. Em que pese as reuniões de Dilma com tenebrosas figuras como Lily Marinho, os principais meios de comunicação tem se esforçado com parca parcialidade em sua campanha por Serra. O Globo da família Marinho dedica diariamente mais páginas a Serra do que Dilma e a crise em torno do “programa de Dilma” ganha proporções muito maiores que a crise dos vices e dos palanques regionais de Serra. Queremos com este artigo dialogar com estes dois eventos e as recentes declarações de Serra e Dilma sobre o funcionalismo e o MST para atualizar o que viemos afirmando em numerosos artigos: vamos a um pós-Lula onde acumulam contradições que apontam para um cenário mais conflituoso do ponto de vista da economia, regime, e luta de classes.

O pós-Lula é invenção da mídia e da oposição?

João Sicsú, professor de Economia da UFRJ abre seu artigo “Re-visões do desenvolvimento” publicado na governista Carta Maior com a audaciosa afirmação de que:

“Não há o cenário chamado por alguns de pós-Lula. O esforço da grande mídia para criar esse cenário se torna evidente quando apresentam os principais candidatos ã Presidência. Dilma jamais é apresentada como candidata do governo ou do presidente Lula. E Serra e Marina não são apresentados como candidatos da oposição, mas sim como candidatos de seus respectivos partidos. No cenário pós-Lula, projetos aplicados e testados se tornam abstrações.”

Seguindo esta tese a discussão do pós-Lula seria uma abstração para fugir das diferenças entre o projeto tucano e petista e não passariam de manobras para entrar na discussão de que Serra seria mais “preparado’. Este é o sentido explícito que Serra tenta dar a questão e pela qual é acompanhado pela Veja e principais meios do país:

“Lula é mais forte do que o PT. Dilma é mais fraca do que o PT. Se ela ganhasse, quem iria estar por cima era o PT, com todas aquelas contradições, todas aquelas dificuldades que sempre enfraquecem um presidente. O Lula foi fundador [do PT], é um homem mais forte. No caso [da Dilma], ela é mais fraca. Mas a opção brasileira não vai ser essa.”

Em meio ã demagogia e uso dos dois lados desta questão para tratar de quem seria o mais preparado ou que se trataria de um debate de “entreguistas” X “nacionalistas” há muita omissão explícita das contradições que ambas candidaturas mostraram somente nas últimas semanas. Neste artigo não entraremos nos debates de programa e no discurso “nacional e popular” do petismo (para maiores detalhes ver “Desmascarando o discurso “nacional” e “popular” do PT” por Daniel Matos, em www.ler-qi.org), Sicsú tenta abstrair que Dilma não é Lula e que os projetos não andam sozinhos, abstrai quais seriam as contradições com o MST, com a CUT, qual seria o preço para disciplinar o PMDB, quanto a oposição seria mais insubordinada em um governo Dilma e muito menos entra nas contradições da economia internacional que subordinam a continuidade do atual crescimento brasileiro. Serra e seus articulistas por outro lado, apelam contra a fraqueza de Dilma apostando em uma suposta “força de Serra”, que este poderia disciplinar melhor as distintas alas internas de sua coalizão bem como do regime, que tal como Lula poderia ter alguns traços bonapartistas, mas até este cenário não é o que tem se configurado e indicaria o contrário de maior estabilidade, mas mais profundas contradições na situação política nacional. A estabilidade do regime e do movimento de massas no último período esteve diretamente determinada pela evolução da economia internacional e pela atuação de Lula e sua alta popularidade, nem a odiosa figura de Serra nem a desconhecida Dilma (que não é fundadora do PT nem da CUT) podem cumprir o mesmo papel. Esta é a principal determinação de porque vamos a um pós-Lula.

Serra, a fragmentação de sua oposição e impossibilidade de um bonapartismo “calmo”

A candidatura de José Serra começou ao sabor das últimas campanhas tucanas em uma longa indecisão se ele ou Aécio seria candidato e depois se o ex-governador mineiro seria o vice do paulista. Sua indecisão e demora por se pronunciar como candidato levou a numerosas críticas de aliados fieis como o DEM e PPS. Depois houve episódio de desgaste quando o PTB anunciou no Twitter que o candidato a vice seria um tucano do Paraná e o DEM ameaçou romper a coalizão. Desfeita a candidatura a vice de Álvaro Dias mal restou um palanque neste estado para Serra, e o PSDB se viu forçado a engolir o desconhecido deputado índio da Costa (DEM-RJ) como vice. O ilustre desconhecido mostra por um lado o DEM tentando projetar novas figuras, como por outro, o aliado dos tucanos receoso de gastar uma figura mais carimbada nestas eleições. As indecisões e crises entre PSDB e DEM já se expressaram mais agudamente em 2002, quando o DEM não apoiou Serra, e mostram como mesmo tendo uma plataforma comum de ataques ao funcionalismo há muita incerteza na própria base de Serra. Em diversos estados Serra sequer tem um candidato a governador que lhe apóie, no terceiro maior colégio eleitoral do país, o Rio de Janeiro, GÍabeira (PV) apoiará tanto Serra quanto Marina. No entanto o próprio PSDB tem criado atritos com o PV e deixando ainda mais instável sua base neste estado. Andréia Zito, deputada federal do PSDB-RJ, filha de Zito, presidente do partido no Estado e prefeito de Duque de Caxias, estaria fazendo campanha por Cabral e não por Gabeira. O próprio Zito tem declarado que não apoiará Gabeira.

Uma vitória de Serra não necessariamente coadunaria com uma vitória de sua base parlamentar, e em meio a uma coalizão partidária ampla de Dilma colocaria Serra em um cenário de ter de atrair uma série de partidos para governar, começando por mais alas do PMDB, e este cenário implicaria nas conhecidas tensões e denúncias de corrupção motorizadas pela disputa de cargos. Desde este ponto de vista, um governo Serra abriria uma série de contradições no regime ainda mais levando-se em consideração que uma oposição do PT e PCdoB poderia motorizar denúncias e criar CPIs para se projetar, trazendo mais instabilidades ao governo e regime.

Do ponto de vista do movimento de massas o PT estaria obrigado a uma postura mais dura na oposição. Após quase dois anos armando sua base sindical e popular “contra o retrocesso” o PT teria que dar vazão ao sentimento anti-tucano. Este governo “forte” de Serra teria que se enfrentar com algum nível superior de oposição da CUT, MST e UNE. Mesmo que estas direções obviamente não estariam ã frente de uma efetiva resistência operária e popular a projetos de ajustes mais duros contra as massas, sua ação, mesmo que limitada, abriria instabilidades no regime e cortaria, mesmo que de forma controlada, a passividade na luta de classes que ocorre no governo Lula com sua clara e decidida política de impedir que a classe operária responda como sujeito independente ás repetidas crises nacionais (enchentes, corrupção, entre outras). Do ponto de vista da economia internacional o cenário também não permite que Serra possa projetar-se como um governo calmo, teria que preparar duros ajustes contra as massas mas desta vez contando com oposição de suas principais direções. O “forte” Serra mostraria justamente o contrário, para formar um governo com traços mais bonapartistas teria que se apoiar mais diretamente em medidas repressivas do que no bom trânsito com a burocracia sindical, seria deste ponto de vista, um governo com traços bonapartistas muito mais instáveis.

Dilma, o PMDB, o PT e o movimento de massas

Muito mais exploradas pela mídia são as contradições de Dilma. O recente cenário de publicação junto ao TSE de um programa que é o aprovado pelo PT e criticado pelo PMDB e sua substituição no mesmo dia por um segundo que ainda não agradou o PMDB e o recente anúncio de um terceiro são claras mostras da instabilidade de sua base. Esta base foi consolidada através de uma série de sacrifícios do PT, envolveu retirar candidaturas próprias ao governo estadual no Rio e em Minas, impedir o apoio do PT ao PCdoB no Maranhão em troca da neutralidade favorável aos Sarney (PMDB). Este último caso levou vários deputados maranhenses a tentar constranger a executiva do PT com uma greve de fome. Com Lula costurando as alianças, cedendo cargos chave ao PMDB e ainda a economia crescendo a “ritmo chinês” há instabilidades e crises o que imaginar em outro, e mais provável, cenário de ruptura da estabilidade na economia mundial? Qual seria o preço cotidiano que os aliados cobrariam de uma Dilma se a fatura já é amarga com Lula? Até que ponto o PT consegue engolir esta fatura? O DEM e o PSDB fariam, seguramente, uma oposição mais “beligerante” contra Dilma que contra Lula, contribuindo também para a previsão de um cenário mais instável.

Desde o ponto de vista do movimento de massas um governo Dilma também pode acarretar em contradições e situações mais conflituosas. A preparação para que a classe trabalhadora vote em Dilma “pela esquerda”, com os intermináveis panfletos dos sindicatos da CUT e CTB defendendo “avançar nas conquistas” ou “contra o retrocesso”, qual seria o preço que estas direções cobrariam por ajustes que Dilma também precisaria fazer contra as massas (como, por exemplo, algum nível de desvalorização do Real, que implica em desvalorização dos salários)? Ou ainda não estariam estas organizações de massa fortalecidas e cobradas pela base depois desta campanha para exigir redução da jornada de trabalho, por exemplo, levando a maiores respostas da oposição e da burguesia? Desde o movimento de massas é também uma fonte de instabilidade para o próximo período a falta de organicidade de Dilma, uma coisa é Lula declarar seu apoio ao corte de ponto do funcionalismo em greve, outra coisa é sua candidata fazer o mesmo quando presidente.

No fim das contas, o que argumentam muitos sindicalistas governistas nas portas das fábricas, é que o que daria estabilidade a Dilma seria a CUT, o PT e o próprio Lula. Este cenário também implicaria uma situação mais conflituosa que a atual seja pela intervenção de fora de um ex-presidente ou como um ministro todo-poderoso, fazendo do executivo uma marionete, ou ainda pelo próprio protagonismo de organizações de massa, descrevendo traços muito distintos a este governo e a própria situação nacional.

A vanguarda precisa se preparar para estes cenários de maiores instabilidade

Ao contrário das alegres previsões de crescimento econômico, melhora gradual nos indicadores sociais, pacífica emergência do país como “ator internacional” e todas outras fantasias sobre o glorioso Brasil de 2020 e 2050 que tem sido esboçadas pelos dois principais lados em disputa, nós vemos se desenhar um cenário que não será a evolução lenta e passo-a-passo da situação atual. A situação da economia e das relações internacionais, bem como os cenários que se traçam no regime e a dificuldade para a estabilidade da relação entre o governo e o movimento de massas apontam para a necessidade de se preparar para uma rápida transformação deste cenário. Não é possível determinar os prazos e ritmos desta evolução, nem quais contradições abrirá em cada organismo de massa e região, no entanto é tarefa clara da vanguarda se preparar para estes cenários, aproveitar-se da politização em torno de grandes debates nacionais que a eleição poderá abrir para avançar na organização de setores de trabalhadores para que estes emirjam como um sujeito político independente na situação nacional. É preciso se preparar tanto para uma CUT, por exemplo, ainda mais chapa-branca que hoje como mais discursivamente e até com algumas mobilizações mais “opositoras”.

Frente ã esta situação a miséria da esquerda é profunda, profunda não somente por seu isolamento face ao crescimento do lulismo mas por falta de uma prática política e uma estratégia que coloque como centro o apoio ás lutas dos trabalhadores para que estas se convertam em causas nacionais e auxiliem sua vitória, preparando os trabalhadores para embates mais duros. Não há nada que se esperar do PSOL nesta direção uma vez que seus principais parlamentares e substanciais alas internas tem como projeto aliar-se a burgueses como Marina Silva. Já o PSTU, com seu importante peso sindical na Conlutas, poderia cumprir este papel mas persegue acordos com o PSOL e uma propaganda abstrata do socialismo nas eleições.

Qualquer candidatura classista nesta eleição deveria partir desta orientação e do claro apoio aos processos de luta, contra a repressão aos lutadores e ao direito de greve, e se enfrentar com o discurso “nacional e popular” dos petistas mostrando claramente a precarização do trabalho e a terceirização subjacente ao modelo de crescimento de Lula, como parte da luta pela unidade das fileiras dos trabalhadores contra a burguesia e seus governos, unidade que se fará ainda mais necessária em cenários mais conflituosos, pois não há nada que garanta a automática evolução ã esquerda, e não ã direita, de uma situação como a que o pós-Lula abrirá.

 

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