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Milhões se mobilizam no coração do imperialismo
04 May 2006 |

Por: Celeste Murillo

As multitudinárias mobilizações que percorrem os Estados Unidos desde 25 de março, quando marcharam mais de 500 mil pessoas em Los Angeles, mostram o ressurgimento de um movimento cujo impacto profundo todavia não pode determinar-se, entretanto se abre um debate que está longe de se fechar. A marcha nacional a Washington, coordenada com marchas nas cidades mais importantes, voltou a mobilizar milhões de trabalhadores imigrantes, latinos em sua maioria contra as políticas reacionárias anti-imigratórias.

O mais amargo para Washington é que saíram as ruas trabalhadores e trabalhadoras da cidade e do campo, que mostram ás claras que em seus braços descansa uma grande parte do trabalho que faz funcionar o país mais poderoso do mundo, este setor enormemente precarizado, com baixíssimos salários e condições péssimas saiu a exigir o elementar: que se respeitem seus direitos mínimos no país em que vivem e trabalham.

A situação reacionária aberta desde os ataques terroristas ás Torres Gêmeas em setembro de 2001 tem começado a mudar. A guerra no Iraque resultou num erro estratégico para o imperialismo ianque (a tal ponto que os EUA tiveram que fazer públicas suas negociações com o Irã sobre uma saída para o Iraque, enquanto deve resolver seus conflitos com o regime de Teerã) e teve que enfrentar também crescentes críticas pelos enormes gastos e as baixas norte-americanas em seu próprio país. Junto a isto a crise pela tardia resposta ã tragédia do furacão Katrina e renovadas tensões no partido republicano têm corroído a figura presidencial, levando aos níveis mais baixos da popularidade da gestão de Bush. Desde as importantes mobilizações contra a guerra em 2003, nas quais primavam os setores médios brancos (sobretudo de estudantes e jovens) os Estados Unidos não vêem semelhantes manifestações políticas.

A iniciativa de Bush sobre o programa de “trabalhadores hóspedes” dista muito do ímpeto da agenda de governo que prometeu levar adiante com o “capital político” que lhe havia dado a reeleição de 2004. Este programa é quase uma das únicas que segue em pé deste famoso pacote. Por sua vez, se aprofundam as divisões republicanas que saíram à luz com a venda do manejo dos portos norte-americanos a uma empresa árabe, que provocou declarações e votações públicas contra o presidente. A este complicado cenário se somam as próximas eleições legislativas de 2006 e as presidenciais em 2008, na qual o tema dos imigrantes já se via como um tema preponderante antes mesmo das mobilizações, assim como também o setor latino que representa um poderoso fenômeno e em muitos estados como Califórnia, Texas ou Flórida é decisivo eleitoralmente. Também está em jogo o voto de direita e mais conservador, que responde ao discurso xenófobo e da “recuperação de valores” norte-americanos.

Milhões ã sombra da exploração

A realidade dos milhões de imigrantes ilegais que vivem hoje nos Estados Unidos é apenas uma: opressão e exploração. Desde a sua chegada ã “terra prometida”, fugindo da miséria de seus países, devem enfrentar a perseguição da polícia migratória, do estado, patrões exploradores e o racismo em uma sociedade profundamente dividida e governada por uma elite branca e multimilionária.

Segundo o Hispanic Pew Center existem em todo o país cerca de doze milhões de imigrantes sem documentos (centralmente mexicanos, hondurenhos, salvadorenhos, e de outros países centro-americanos) dos quais a maioria está trabalhando apesar de seu status de “ilegal”. Estes trabalhadores realizam os piores trabalhos (especialmente aqueles de salários muito baixos e que os norte-americanos não fazem). Os imigrantes latinos são um considerável setor do trabalho agrícola e de serviços, em menor medida da construção e da manufatura. Para 2004 os latinos representavam 71% do total de imigrantes sem documentos, e desta porcentagem seis milhões são mexicanos.

A imensa maioria das pessoas que entram ilegalmente nos EUA o fazem justamente porque fogem da situação de seus países de origem, submetidos aos ditados econômicos imperialismos. O México mostra o enorme paradoxo de um país profundamente submetido a estes ditados, que há dez anos é parte do acordo NAFTA e cujos trabalhadores estão dispostos a arriscar suas vidas cruzando a fronteira para chegar ao mesmo país que impõe os planos acatados por Fox e cia. Um manifestante latino em Los Angeles dizia: “É por isso (pelo saque promovido pelos EUA) que somos pobres, porque há desemprego, pobreza e fome”.

Entretanto, os trabalhadores latinos se transformaram num setor chave do proletariado norte-americano, são a expressão dos “novos” setores de baixos salários, poucas conquistas e uma débil (mas crescente) organização sindical. Há poucos anos a AFL-CIO se pronunciou sobre este problema, inclusive impulsionou a organização de imigrantes mas nunca enfrentou ao governo neste aspecto. A forte presença latina se viu durante a greve dos supermercados de Southern California em 2004, que mobilizou setenta mil trabalhadores e trabalhadoras. Um dos sindicatos mais importantes dos EUA, o SEIU (Empregados de Serviços e Sindicatos Industriais) que agrupa a empregados dos hotéis, dos quais dois terços são imigrantes latinos. Junto com isso, no ano passado muitos trabalhadores latinos participaram (apesar das dificuldades de organização) nas lutas defensivas assim como também nas manifestações anti-guerra. À medida que crescem as mobilizações se vê o papel pérfido da AFL-CIO, cujo líder John Sweeny se opõe aos vistos temporários, baseado no argumento chauvinista de que os trabalhadores imigrantes sem documentos (por representar um custo trabalhista muito baixo) são os culpados pelo desemprego.

As leis racistas do imperialismo norte-americano aumentam a exploração e a opressão

Em dezembro de 2005 se impôs na Câmara de Deputados uma lei migratória reacionária que converte o cruzamento ilegal da fronteira em um crime (até agora era só uma infração civil), aumenta a militarização da fronteira com o México (e sem o dizer, alenta aos racistas que vigiam a fronteira com armas na mão). Esta lei, conhecida como HR 4437 é o alvo das marchas. No debate sobre a reforma migratória se colaram as eleições legislativas deste ano (colocando em jogo as próprias carreiras políticas de deputados e senadores), e nas últimas semanas têm se colado as enormes mobilizações de imigrantes sem documentos com um importante apoio de latinos que residem legalmente no país.

No tabuleiro político não existe alternativa “progressista” alguma. Por um lado está o setor abertamente reacionário, encabeçado pelos deputados republicanos Sensenbrenner e Tancredo (impulsionadores da lei HR 4437), que expressa as aspirações dos setores mais conservadores (incluída uma ala republicana) que estão por perseguir e deportar aos milhões de imigrantes ilegais. Por outro lado, os senadores encabeçados por McCain e Kennedy (republicano e democrata respectivamente) apoiados pela maioria democrata e uma ala republicana. Esta variante “moderada” impulsiona a possibilidade de solicitar a cidadania a aqueles que vivem há mais de 5 anos, paguem uma multa e falem inglês; os trabalhadores que não cumprirem estes “requisitos” (incluindo os milhões que chegaram a partir de 2004) serão deportados e deverão solicitar ser “convidados” para trabalhar. Bush tem se localizado no meio com sua proposta de “trabalhadores hóspedes”, sem se pronunciar claramente por nenhum projeto pressionado entre manter sua base política conservadora e manter o apoio latino, que vem sendo chave nas últimas eleições.

Um dos principais setores que apóia o programa de “trabalhadores hóspedes” e uma reforma migratória é a patronal norte-americana, um dos principais beneficiários da futura lei, já que significa nem mais nem menos que a legalização de mão-de-obra barata, com ferramentas legais para manter e aprofundar a precarização trabalhista e assim poder competir melhor e aumentar seus lucros. Em alguns casos, como é o do trabalho agrícola, especialmente nas empresas de colheita de frutas, se nutre quase exclusivamente de mão-de-obra imigrantes, em grande parte sem documentos, e em condições de quase escravidão (os trabalhadores vivem em seu lugar de trabalho, em geral fechados sem poder acessar os mínimos direitos).

A marcha do dia 10 de abril se organizou como uma demonstração de forças, e por sua vez como pressão para apoiar o projeto McCain/Kennedy, que conta com o apoio de organizações políticas, religiosas, sociais e sindicais. Esta lei mantém intactos os pilares centrais da política do estado imperialista frente ã imigração, ainda que assinale expectativas em uma eventual legalização, caminho por demais difícil e sem garantias.

Estas expectativas se viram golpeadas quando fracassou o “compromisso” do Senado, mostrando claramente que os setores conservadores defenderão sua lei reacionária (que tem apoio num setor - cerca de 20% - que vêm bem a política de fechar as fronteiras ante a falta de emprego estável e ã crise dos serviços sociais). Ao mesmo tempo, o partido democrata não tem se arriscado sequer a romper decididamente com os setores mais conservadores que todavia depositam uma enorme confiança em senadores como Kennedy, que foi um dos poucos oradores no ato de Washington. Assim seguem demonstrando que não são mais que uma ala do mesmo partido: a patronal imperialista.

Aliados estratégicos de ambos lados da fronteira

Pela primeira vez em quase quarenta anos os imigrantes dos Estados Unidos têm saído das sombras da ilegalidade de uma forma inesperadamente ruidosa. Milhões de imigrantes latinos, e em menor medida asiáticos, saíram a dizer “Não ã reforma que nos criminaliza”. Exigem um direito básico e elementar que, entretanto, a “democracia” imperialista se nega a lhes outorgar: reconhecê-los como cidadãos do país onde trabalham dia a dia.

Apesar da presença majoritária de trabalhadores, o caráter destas mobilizações é policlassista centralmente por estarem encabeçadas por líderes religiosos (católicos em sua maioria), empresários, e várias figuras democratas, como o prefeito de Los Angeles, Antonio Villaraigosa (democrata e filho de imigrantes).

As mobilizações têm aprofundado a divisão que atravessa a sociedade, extremando posições. Este fato se viu claramente nas demissões de trabalhadores imigrantes que foram ás marchas, várias deportações e em forma de tragédia no suicídio do jovem ativista Anthony Soltero de 14 anos, ameaçado com a prisão e a deportação de sua mãe por participar e dirigir a mobilização em seu colégio. Entretanto, também surgiram setores mobilizados que vão por mais e preparam o boicote e a paralisação para o 1° de Maio (que diferentemente de todo o mundo, não é comemorado o Dia Internacional do Trabalhador).

Ante a polarização atual e os abusos patronais se torna ainda mais pérfido o papel da central operária norte-americana, que deixa nas mãos dos empresários os trabalhadores que lutam pelos seus direitos, enquanto segue criando expectativas em uma saída parlamentar. Os dirigentes seguirão atuando para acabar com qualquer potencialidade deste movimento, e limitar o impacto que possa ter entre a classe operária norte-americana que é o principal aliado na luta pelos direitos dos imigrantes dentro dos EUA.

A mobilização dos trabalhadores latinos pode ter um papel muito progressivo hoje na dura situação que atravessa o conjunto da classe operária, que vem sofrendo golpes sem resposta de seus líderes sindicais, ou sofrem a entrega de suas conquistas como a assistência médica e a previdência, como sucedeu na automotriz Delphi. Entretanto, alguns setores começaram a mostrar sintomas de mudança, como a greve do transporte em Nova York ou da Boeing que se impôs ante a patronal com duras medidas de força. A unidade das fileiras operárias é hoje uma necessidade, frente ã propaganda anti-imigrante e a política divisionista que historicamente é utilizada pela patronal imperialista. Cada trabalhador imigrante perseguido e deportado debilitará a luta do proletariado.

Em nosso continente as organizações operárias e de esquerda devemos apoiar e seguir com atenção os passos de trabalhadores imigrantes, já que representam um setor importante de nosso aliado estratégico na luta contra o imperialismo, seu próprio governo. Uma classe operária norte-americana forte é um grande aliado para derrotar a política de saque e opressão em nosso continente, e a mobilização dos trabalhadores imigrantes em seu seio fortalece esta perspectiva. O triunfo dos imigrantes seria um duro golpe para o governo de Bush, o mesmo que impõe as leis de fome e miséria na América Latina.

 

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