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Entre a crise do neoliberalismo, do seminacionalismo de Humala e do descontentamento das massas
30 Apr 2006 |

Por: Eduardo Molina

Nos comícios do dia 9 de abril o ex comandante Ollanta Humala, candidato da UPP/PNP (do União pelo Perú - Partido nacionalista Peruano), que enfrenta a resistência do establishment que tem receio de seu discurso nacionalista , ficou em primeiro com apenas 30% dos votos, ganhando em 19 dos 25 estados e com o apoio mais amplo no sul do país. Ainda que no fechamento desta matéria, ainda se contavam os votos oficiais, o segundo lugar parecia ser do ex-presidente Alan García (APRA), que conseguiu 24% dos votos e se impôs em alguns estados do norte ainda que depois dele estivesse, com uma diferença de menos de 1%, Lourdes Flores, da neoliberal Unidade Nacional (UM), que ganhou em Lima.

Entretanto a fujimorista Martha Chávez, da Alianza pelo Futuro (AF), ficou em quarto com quase 7% e a Frente de Centro em quinto com 5%, e o resto das mais de 20 candidaturas obtiveram fracos resultados. A presidência será decidida no segundo turno no dia 4 de junho entre o ex comandante Humala e possivelmente o ex presidente García, ainda que siga uma disputa tenaz com Flores, com impugnações e diversas denúncias, prolongando os elementos de incertezas políticas e a febril busca de alianças y acordos, enquanto a central empresarial CONFIEP pede “alianças, sem fazer populismo” e a hierarquia católica clama por "necessariamente e urgentemente diálogo e articulação porque as forças políticas não estão definidas" (La República, 12/04/06), buscando evitar um triunfo de Humala mediante o entendimento entre o APRA e a UN, ou se for o caso, rodeá-lo para conseguir garantias e “governabilidade”.

As eleições e a crise da “democracia pós-fujimorista”
Uma primeira leitura dos resultados eleitorais permite ver que a profunda crise da democracia “pós-fujimorista” e seus partidos está longe de ter se fechado, como refletem a dispersão do voto entre o nacionalismo de Humala, o desgastado social-democrata de centro Alan García e o ranço de conservadorismo de Lourdes Flores; a ausência de uma clara maioria eleitoral e parlamentar; a debilidade dos aparatos partidários, salvo -relativamente- o APRA; os escândalos e denúncias de corrupção que ameaçam diversos candidatos; além da importante porcentagem de votos em branco e nulos (quase 15%). Tudo isso com o agravante de que nenhum partido terá maioria própria no novo parlamento unicameral de 120 membros: terá uns 45 deputados humalistas, 35 apristas e apenas 19 representantes da Unidad Nacional, além de uns 15 para a AF -entre eles o irmão e a filha de Fujimori- e alguns deputados de forças menores.

O ascenso de Humala reflete a crise do sistema político peruano, o desgaste das forças políticas tradicionais e o enorme descontentamento entre as massas populares com os resultados da “transição ã democracia” prometida por Alejandro Toledo, que manteve a constituição fujimorista, preservou as Forças Armadas genocidas, continuou com as privatizações e a entrega dos recursos naturais ás transnacionais, enquanto os trabalhadores, os camponeses e o povo pobre sofrem uma situação intolerável de miséria, desemprego e desatenção ás necessidades mais elementares. Apesar das inumeráveis mobilizações que teve de enfrentar, da decomposição da aliança governante e de sua impopularidade (nestas eleições seu partido virtualmente desapareceu), Toledo pôde sobreviver porque contou com o apoio dos partidos tradicionais (Ação Popular, APRA etc.) y com ele a sustentação das direções sindicais (CGTP, SUTEP) e da esquerda reformista, que em nome da “defesa da democracia” aderiram ao nefasto “Acordo Nacional” e contiveram os processos de mobilização de massas para impedir que convergissem em um golpe decisivo ao governo, como sucedera com os levantes no Equador ou na Bolívia.

Toledo ratificou o Tratado de Livre Comércio com os Estados Unidos dias depois das eleições tentando criar um fato consumado, mas este gesto já na contramão das correlações de força, das pugnas na classe dominante e do Estado de ânimo das massas peruanas, cansadas das privatizações e da entrega. Não casualmente, as eleições mostram o debilitamento das forças abertamente neoliberais e o ascenso de Humala, que se insere de um modo geral na tendência latino-americana ã reorganizações políticas de matiz nacionalista ou “progressista” para regatear com o imperialismo e conter a efervescência operária, camponesa e popular.

O Peru é uma “panela de pressão” -como disse Humala- com enormes contradições econômicas, sociais e políticas que o crescimento dos últimos anos não fez mais que intensificar, beneficiando com lucros enormes ás transnacionais, os grandes grupos econômicos locais e algumas camadas privilegiadas enquanto que o movimento de massas depois anos de lutas incessantes, espera respostas ã intolerável situação de miséria, exploração e opressão. Como alertam alguns analistas: “De maneira que, se pretendemos manter a democracia no Peru, (O’Donnell) por mais débeis que sejam os fios que ainda a sustentam, o próximo governo -independentemente de sua coloração política- terá que defrontar a grave ’crise distributiva’ que rege e (...) que é tão pouco percebida pelos contendores do dia 9 de abril e do dia 11 de maio, em que nos veremos obrigados a escolher entre a guatemala e o guatepior.” [1] O futuro governo deverá encarar este panorama explosivo nas condições da crise.

Ollanta Humala: “nem de esquerda nem de direita”

O ex- Tenente Coronel é apresentado como uma possibilidade de superar o “neoliberalismo” e não são poucos os que chegam a compara-lo com o Chávez e até com o Evo Morales... e também ainda com o Gutiérrez [2]. A popularidade de Humala e de seus irmãos nasceu no final do governo de Fujimori, quando encabeçou um pronunciamento militar fracassado. Foi reincorporado mais tarde e serviu nas embaixadas da França e Coréia até ser definitivamente retirado quando seu irmão Antauro comandou um novo motim em 2005.

Seu discurso nacionalista, contra a corrupção da “classe política” e a entrega do país (questionando alguns contratos com transnacionais, o TLC e a Convenção del Mar), a reivindicação das maiorias mestiças e indígenas do Peru e a reivindicação de uma Assembléia Constituinte, atraiu a simpatia de amplos setores da população que o vêem como alguém que se apresenta por fora do desprestigiado sistema político oficial. Como Humala mesmo afirma: “As massas nos reconhecem porque nos parecemos e falamos a mesma língua, nos falam de seus problemas, de suas ilusões... da mentira da promessa não cumprida dos políticos”. Humala conta ainda com o apoio aberto do Chávez, tido como uma “força renovadora” junto com o Lula, o Kirchner, o Tabaré Vázquez, o Evo Morales e ele mesmo.

Um programa de conciliação que não ataca os males nacionais

Por trás de seu difuso lema nacionalista “Amor pelo Perú” cabe quase qualquer coisa: “Sou nacionalista porque respaldo minha nação e o meu povo. Não sou nem de esquerda e nem de direita: sou dos debaixo e com eles -e com todos- me proponho a governar”. Seu projeto político levanta um “Renascimento Andino” através de um “Estado Nacionalista” com a inclusão de “todos os sanges”, mas convocando o “empresariado nacional” e o capital estrangeiro a construí-lo: “Respeitaremos a inversão estrangeira ainda que deva cumprir certos requisitos: geração de empregos -diretos ou indiretos- transferências tecnológicas para o país, respeitar suas obrigações fiscais e proteger o meio ambiente”. Quer dizer, nem sequer nacionalização, e sim apenas “corrigir” as excessivas concessões em certas privatizações (as “atividades estratégicas”), contratos e leis, sem expulsar as transnacionais.

Humala coloca o tema da identidade cultural indígena, muito importante no Perú dada a opressão e o racismo imperante contra a majoritária população indígena e mestiça, mas não coloca nem uma audaz reforma agrária nem nenhuma medida de fundo que possa acabar com essa situação. [3] Como organização o PNP se nutre de ex-apristas, ex-fujimoristas e arrivistas de todo tipo e não tem maiores laços com as organizações de massas al contrario do que ocorre por exemplo com o MAS boliviano ou inclusive o PT brasileiro. E ainda é hostil ás mobilizações populares com suas apelações para implantar a “ordem” no Peru.“Me sinto orgulhoso de ser um soldado e de ter lutado contra o Sendero Luminoso pela pacificação do país, e em 1995 contra o Equador” [4]

Um dos aspectos mais obscuros da figura do ex comandante é sua atuação nos piores anos da genocida “luta anti-subversiva” dos anos 1980 e 1990, quando em nome de “combater a guerrilha” do Sendero Luminoso e do MRTA massacrou, torturou e encarcerou dezenas de milhares de trabalhadores, camponeses e estudantes, com um saldo de aproximadamente 80.000 vítimas,a maior parte pela ação militar e policial. Há todavia ao menos mil presos políticos e ex-guerrilheiros, condenados a aberrantes penas pela “justiça” militar e fujimorista.

Diversas denúncias (que a direita tentou utilizar em benefício próprio) ligam Humala -que recebeu cursos na sinistra “Escola das Américas”- a torturas e “desaparições” na zona de Huallaga, onde serviu como capitão com qualificações “de alta importância”. Participou também no fratricida enfrentamento bélico de 1995 com o Equador, e foi sob o comando do sinistro Gral. Hermoza que chegou a ser responsável dos reservistas em nível nacional.

Naturalmente Humala se opõe ã investigação e castigo dos crimes cometidos pela “família militar” e seus sócios civis (quer dizer, a ampla maioria do establishment empresarial e político); igual a Alan García, cujo governo resultou em aproximadamente 10.000 vítimas, atuaram grupos paramilitares apristas e se produziram os massacres selvagens de El Frontón e Lurigancho em 1989; e que Lourdes Flores, defensora da impunidade para os militares.
Em suma, o projeto humalista representa o confuso rechaço de um setor da pequena-burguesia -particularmente um setor da baixa oficialidade militar- frente ao asfixiante peso do capital estrangeiro e a concentração da riqueza promovidas com o amparo do neoliberalismo, propugnando um programa econômico de caráter desenvolvimentista para promover os interesses da burguesia nacional e com uma proposta política de rasgos bonapartizantes: Humala pede que lhe “deixem comandar o país”, se postulando como um árbitro de mão firme, buscando se apoiar nas Forças Armadas como pilar da “ordem” e conter o movimento de massas para que a “panela de pressão” não estoure.

O lamentável papel da esquerda

Se apresentaram três correntes da esquerda reformista (Partido Socialista, de Díaz Canseco, Concertacion Descentralista e o MNI/FAI) sem reunir no total sequer 1,5% dos votos e ficando fora do Parlamento pela primeira vez em décadas; uma bancarrota como as que tem sua longa história de traições, entre elas, ter votado em Fujimori em 1990 e ter sustentado o Toledo em todos estes anos. O MIN, sigla com que se apresentou a Frente Ampla de Esquerda integrado pelo stalinista Partido Comunista (Unidade), os maoístas de Patria Roja e outras correntes reformistas menores, que entre seus candidatos levou a Gorriti, dirigente da CGTP, apenas conseguiu 0,3 % da votação, um estrepitoso fracasso para sua estratégia de chamar uma “grande frente anti-neoliberal” com setores da burguesia descontentamentos com o programa econômico e político vigentes, para o qual tentaram convencer Humala até o último momento.

Menção ã parte merecem alguns grupos menores oportunistas que chamaram voto “crítico” em Humala, como LCC (La Lucha Continúa) ou a corrente El Militante (representada no Perú pelo FIS) que preferiu seguir sem se pronunciar em relação ao voto, mas saudando que “o apoio do companheiro Hugo Chávez e Evo Morales a Humala o fortalece. No entanto,a divisão dos irmãos e sua demarcação da esquerda peruana pode ser um obstáculo” (Che Militante N° 1, La Paz, Bolivia) e que “o povo tomou Ollanta Humala como a expressão mais próxima de suas aspirações, portanto sua adesão e apoio ao projeto nacionalista, é antes de tudo a maneira como expressam seu rechaço contra as políticas econômicas neoliberais e também, obviamente, contra os partidos que defendem este sistema injusto” (FIS, “¡Alerta Popular!”, 5/04/2006).

Faltaram nas eleições um combate conseqüente dos grupos que se reivindicam da esquerda operária e socialista, chamando aos sindicatos combativos ã vanguarda a construir uma alternativa de classe, pela independência política dos trabalhadores.

No segundo turno: voto em branco ou nulo

No segundo turno não se deve “eleger o mal menor” entre o pró-imperialista Alan García ou Humala, que ainda que rechace levemente o TLC, já manifestou seu respeito ao essencial do programa econômico vigente, assim como a impunidade das Forças Armadas, e busca tornar-se “aceitável” para a grande burguesia peruana, lavando ainda mais seu já diluído nacionalismo e é certo que de governar, o fará contra os trabalhadores.

Ambos representam distintos projetos políticos de conteúdo burguês que não respondem aos interesses dos operários, os camponeses, os indígenas quechuas, aymaras e amazónicos, o povo pobre das cidades. Por todo isso, corresponde chamar a que se vota em branco ou nulo, para dar um claro aviso da necessidade de manter completa independência frente ao próximo governo e preparar politicamente o terreno para as futuras lutas.

Este chamado pode ajudar também a mostrar um rumo político aos milhares de trabalhadores e jovens de vanguarda que se colocaram nas lutas dos últimos anos e necessitam se armar de uma estratégia de classe e um programa independente, pois somente a classe operária, ã frente da aliança de todos os camponeses, indígenas e dos setores populares explorados e oprimidos poderá dar uma saída revolucionária ã miséria, ã opressão e ã entrega do país. E isto demanda construir um verdadeiro partido revolucionário dos trabalhadores, socialista e internacionalista. Para contribuir a esta tarefa é preciso formar as bases de uma genuína organização trotskista, que se prepare para se fusionar com a vanguarda operária sob a bandeira da luta pela reconstrução da Quarta Internacional.

[1] Jürgen Schuldt “O efeito túnel e o indigesto menu eleitoral”, Atualidade Econômica do Peru, Janeiro de 2006.

[2] O militar equatoriano prestigiado por sua sublevação em Janeiro de 2000 y que depois chegou ã presidência com o apoio de indigenistas, social-democratas, stalinistas e maoístas, para terminar derrocado em seu giro repressivo e pró-imperialista em abril de 2005.

[3] Sua confusa ideologia, o “etnocacerismo” se remete a Andrés Cáceres, militar que se colocou ã frente das guerrilhas indígenas que resistiram a invasão chilena na Guerra do Pacífico, mas que quando enfrentaram aos fazendeiros peruanos, deu as costas e os reprimiu.

[4] A República, 13/02/06.

 

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