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O Ano I da crise mundial
25 Aug 2009 |

A primeira sessão da Conferência esteve dedicada a analisar minuciosamente a situação e as perspectivas da economia mundial, após um ano da quebra do Lehman Brothers. O primeiro que constatamos é que, durante este período, a queda no comércio mundial, no PIB e na cotização das bolsas teve uma magnitude similar ã do ano I da Grande Depressão. Isto confirma nossa caracterização, estamos vivendo uma crise histórica do capitalismo mundial.

Em segundo lugar, abordamos os primeiros sintomas de recuperação tanto na França e na Alemanha, ao que se agrega, nestes dias, a economia japonesa. Generalizando, poderíamos dizer que se a economia não caminha tão mal como nos meses anteriores, isso se deve ã amplitude extraordinária do apoio estatal, sem precedentes em tempos de paz. Para dar uma idéia do que estamos falando, para a economia norte-americana isto representa uma injeção equivalente a 11 pontos do PIB. Isto é o que explica os melhores resultados do segundo trimestre de 2009. Mas estas medidas são sustentáveis no tempo? E ocorrendo uma recuperação, que características teria?

Evidentemente, o nível de gasto estatal norte-americano não poderá sustentar-se no tempo sem graves conseqüências para a posição do dólar. O imenso déficit fiscal poderia gerar dúvidas sobre os bônus do governo e do dólar e levar ã retirada de capitais dos Estados Unidos, uma possível depreciação do dólar poderia levar a uma nova queda abrupta da economia mundial.

Por sua vez, todos os elementos estruturais que levaram ã crise, tanto da economia real como do sistema financeiro e bancário não mudaram substancialmente. Enumeremos alguns: a) Várias corporações industriais diminuíram brutalmente os custos salariais com demissões ou reduções de horas, o que lhes permitiu melhorar os balanços, mas não aumentaram de conjunto as vendas; b) As execuções hipotecárias vão continuar aumentando, o que impede que se detenha a queda do preço das moradias, um elemento essencial para o início de uma recuperação do mercado hipotecário; c) Cada vez mais o aumento do desemprego, e não dos créditos subprime, é o que explica a incapacidade de pagamento das casas.

Quanto ao sistema bancário, continua descapitalizado em grande medida. Os resultados recentes não devem criar ilusões: a apresentação contábil é mais permissiva, as vendas excepcionais de ativos melhoram os balanços e o essencial dos lucros está proporcionado pelas entradas obtidas pelas operações da Bolsa reanimada. A isto se soma que os bancos estão aproveitando as necessidades de financiamento dos Estados e das empresas, que devem pagar prêmios e taxas de juros cada vez mais altas para conseguir fundos. No entanto, continuam somando novos créditos incobráveis e os ativos tóxicos não desapareceram de suas carteiras, a que não surpreende que no que já se passou do ano se aceleraram as bancarrotas bancárias nos EUA (77 no total), incluindo a do Colonial Bank, a mais espetacular desde a queda do Washington Mutual (comprado por JPMorgan Chase em 2008), e uma das vinte mais importantes desde 1980. Isto sem falar de novas perdas de gigantes como nos seguros AIG ou Fannie Mae no segmento hipotecário.

Esta situação se combina com uma debilidade de liderança de Obama, que se coloca em evidência com o fiasco da reforma da saúde, o que pode dissipar a ilusão de que é um líder eficaz. Sua política para o sistema bancário, essencial para a recuperação econômica, está totalmente desenhada por Wall Street através do Secretário do Tesouro Geithner e o Conselheiro Nacional Econômico da Casa Branca, Larry Summers, a quem Obama deu carta branca.

Concluindo, a persistência dos elementos de crise estrutural mostra que a qualquer momento pode ocorrer uma recaída e que, no melhor dos casos, se houver uma recuperação, esta será débil e frágil. Não há possibilidades de que a economia mundial volte ao velho status quo – caracterizado pela queda do poupança das casas e do sobre-endividamento, entre outros elementos –, mas até o momento, tampouco parece emergir nada de novo da crise, apesar de sua amplitude e violência.

A crise econômica, as relações interestatais e os possíveis cenários estratégicos

A Conferência também discutiu sobre as relações entre os Estados e os cenários que começam a se vislumbrar, no marco de que, produto da crise, está questionado o predomínio dos Estados Unidos no sistema econômico mundial. O salto na crise da hegemonia norte-americana que isto significa, após a derrocada do Iraque e do fracasso da estratégia neoconservadora de “redesenhar o mundo”, abre um período histórico de fortes convulsões na arena mundial em que a instabilidade econômica incitará as crescentes tensões geopolíticas que já existiam antes da crise como, por exemplo, entre Rússia e Estados Unidos, que esteve por trás do conflito militar na Georgia.

Esses elementos, junto a um aumento da luta de classes como subproduto da crise, atualizam a definição marxista da época imperialista como uma época de crises, guerras e revoluções. Já estamos vendo alguns pequenos adiantamentos: o golpe de Estado em Honduras, a greve geral semi-insurreicional em Guadalupe, o lento ressurgir do proletariado industrial, ainda que inicialmente sofra derrotas, como os métodos radicais dos trabalhadores franceses, a heróica ocupação de 77 dias da planta da automotriz Ssangyong na Coreia do Sul, ou o despertar operário na Venezuela e na Argentina (mais estendido, mas ainda pouco radicalizado). Outros elementos que mostram o caráter convulsivo da situação são as tensões entre Colômbia e Venezuela, as novas ameaças da Rússia na Georgia e a aliança de Moscou com o regime do Irã, ao que poderia prover de armamento sofisticado para deter os planos ofensivos dos Estados Unidos em sua zona de influência.

Um dos debates foi contra as visões pacifistas, social-democratas ou centro-esquerdistas que supõem que o mundo está avançando a uma ordem multipolar, depois de décadas de hegemonia norte-americana, que vem em marcha nas Cúpulas do G20 ou nas reuniões dos BRICs. Estas visões tranquilizadoras são completamente utópicas. Por trás desta maquiagem começam a perfilar as tendências mais agressivas e ofensivas das distintas potências imperialistas. Por um lado, estamos vendo uma tendência ã concentração de capital alemão no Leste europeu, mantendo boas relações com a Rússia. Esta crescente autonomia do imperialismo alemão em relação aos Estados Unidos é um fato novo em relação ao mundo do pós-guerra, e algo que os Estados Unidos está tratando de esconder. Nesse sentido, a continuidade da política agressiva em relação ã Rússia da administração Obama – expressada, por exemplo, na tentativa de instalar um escudo anti-míssil na Polônia – busca desestabilizar esta potencial aliança, ainda que isto não signifique que os EUA e a Alemanha estejam já em curso a um choque aberto na região.

A outra cara da política agressiva norte-americana contra a Rússia, e por essa via ao imperialismo alemão, é o cortejo dos EUA ã China e ã burocracia restauracionista de Pequim, com quem iniciou um “diálogo estratégico”. Esta política, que começou durante a presidência de Bush, tem um duplo objetivo: defensivamente, busca evitar que a China se alinhe num bloco asiático junto com a Rússia e, ofensivamente, busca as vias de transformar a China em uma semicolônia, liquidando as margens de autonomia estatal que esta gozou nos últimos anos, subordinando-a a seus interesses, com o objetivo de encontrar quiçá um novo respiro para o capitalismo. Este ambicioso objetivo estratégico do imperialismo norte-americano, supõe que os próximos anos estarão repletos de enfrentamentos e conflitos de classes agudos.

As perspectivas da China

Longe daqueles que vêem na China uma potência em ascenso, a verdade é que sua economia dependente enfrenta sérios problemas, terminado o ciclo no qual os Estados Unidos atuava como consumidor em última instância da economia mundial e em particular da produção excedente chinesa. Esta realidade obriga a China a reduzir drasticamente sua capacidade de produção e levar adiante uma série de medidas como a liberação do setor de serviços, uma profunda reforma de seu sistema financeiro, assim como ampliar as oportunidades de negócios capitalistas no campo, onde ainda vivem 900 milhões de pessoas graças a uma economia de subsistência (e aos ingressos que reviviam os imigrantes ás cidades), no marco de que ainda não está permitida a comercialização da terra.

Se pelo contrário a China decide manter sua capacidade de produção e seguir exportando seus excedentes, arrisca iniciar uma guerra comercial não só no leste asiático como também com os EUA e a Europa. Além disso, nenhuma economia semicolonial que agora estão tornando crescente as mercadorias chinesas, por mais importante que seja, pode relocalizar o mercado norte-americano.

Os Estados Unidos busca diminuir o ritmo da contração da demanda por meio da expansão fiscal, mas o enorme déficit fiscal o obriga a buscar novos mercados e fontes de dinamismo. Isto leva a redobrar a pressão sobre a China para que abandone seu atual modelo de desenvolvimento exportador, o que implicaria não só em quebrar os interesses criados deste forte setor interno, como também que a burocracia restauracionista aceite implementar medidas que implicariam num salto no desemprego, arriscando a estabilidade do regime. Este destino de uma tipo de “latino-americanização” que os Estados Unidos pretende para a China, pode despertar para a luta os milhões de trabalhadores e camponeses chineses, transformando-a em um epicentro da luta de classes.

 

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