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Altamira vota por Evo Morales, o aliado de Lula, Kirchner e Chávez
11 Dec 2005 |

Altamira vota em Evo Morales, o aliado de Lula, Kirchner e Chávez

Por: Eduardo Molina

As eleições de 18de dezembro na Bolívia, com uma possível de Evo Morales, tem importância continental. Depois de cinco anos de embates de massas desde a “Guerra da água” de 2000, com dois grandes levantamentos de características insurrecionais em Outubro de 2003 que derrubou o massacrador “Goni” e este ano as Jornadas de Junho que terminaram com seu sucessor “progressista” Carlos Mesa, na Bolívia está aberto um processo revolucionário de significado histórico. A classe dominante montou o “desvio eleitoral” para canalizá-lo para as urnas. Mas este “desvio” não teria prosperado sem a colaboração do MAS [1], que como em todo momento crítico jogou seu peso para conter a força das massas e a garantir a continuidade do regime burguês.

Compreendemos as ilusões de muitos companheiros que vêem num governo do MAS a possibilidade de “refundar o país” e compartilhamos seu ódio por Tuto Quiroga e Doria Medina, políticos burgueses vendidos ao imperialismo. Sabemos que entre muitos irmãos da comunidade boliviana na Argentina Evo Morales desperta expectativas. Mas alertamos: o MAS se presta a prosseguir na tarefas de salvaguardar o Estado burguês desde o “Palacio Quemado”.

Ainda que se apresente um triunfo de Evo como “acesso ao poder de um indígena pela primeira vez na história da Bolívia e América Latina”, o certo é que seu governo não será um governo dos trabalhadores, nem representará os interesses dos camponeses pobres e dos povos originários. Evo quer fechar o caminho aberto em Outubro e Junho, o da mobilização em direção ao poder dos trabalhadores, o único capaz de garantir a nacionalização do gás e as demandas operárias e populares, inclusive o direito a uma Assembléia Constituinte verdadeiramente livre e soberana, vale dizer revolucionária. Por isso, ante a ausência de uma alternativa política operária e socialista, os socialistas revolucionários chamamos a votar em branco ou nulo, e a seguir lutando pela organização política independente dos trabalhadores.

Na Argentina, os dirigentes do Partido Obrero escreveram mais de uma vez sobre o papel de contenção reformista do MAS. Mas agora Jorge Altamira chama a “votar em Evo Morales e no MAS” [2]. Adota assim uma posição similar ã de grupos de esquerda oportunistas como o MST argentino, que também apóia ao MAS. Isto não é uma “questão tática” senão um problema político fundamental - a chegada ao governo da “frente popular” de colaboração de classes com a burguesia que encarna o MAS - quando o processo boliviano é um teste para todas as correntes de esquerda que se reclamam revolucionárias.

Evo Morales: colaboração frente-populista com a burguesia

Em vários artigos os dirigentes do PO insistiram que a Bolívia vive uma “etapa revolucionária” e criticaram o MAS considerando que “o crime de Evo Morales [3]” é a permanente salvaguarda do regime burguês. Para Altamira as eleições “são a expressão da incapacidade do imperialismo de derrotar as massas pelas vias tradicionais”. Mas o que diz Altamira é que precisamente quando a burguesia não está em condições de “derrotar as massas pelas vias tradicionais” mediante o golpe bonapartista ou o fascismo; surge a frente-popular como recurso contra as tendências revolucionárias. Como dizia Trotsky, a função histórica da frente-popular é salvar o capitalismo (inclusive ao custo de algumas reformas), possibilitando a derrota da revolução sem necessidade de apostar na guerra civil. Se fracassa em restabilizar a situação, então ao menos haverá ganhado tempo, confundindo as massas, para que a burguesia recupere forças e prepare a “solução final” fascista. A este respeito a história do Século XX, e em particular a latino-americana está cheia de amargas lições que o proletariado pagou com sangue e derrotas.
Causa estranhamento que Altamira e o PO falem tanto de enfrentamento entre revolução e contra-revolução e “esqueçam” convenientemente que o candidato a cumprir o papel de frente-popular é o MAS.

Evo Morales e García Linera [4] mantêm uma aliança política com “ a sombra da burguesia”, isto é com elementos empresariais e da burguesia industrial e comercial e seus “representantes de esquerda”: padres, “profissionais” e cerca de 300 ONG’s que colaboram com o MAS (muitas delas ligadas ã “cooperação européia” e ã igreja”).

O MAS subordina aos “movimentos sociais” que dirige e suas demandas, a esta aliança para “humanizar” o capitalismo semi-colonial boliviano. Trata-se de “dar ã economia boliviana novamente uma cabeça em torno do Estado. E, ao redor desta cabeça, articular investimento estrangeiro, investimento privado local, setores camponeses, comunitários e micro-empresariais artesanais em uma perspectiva de shock productivo”. [5]
Para isso defende um programa de governo declaradamente burguês, com algumas reformas semi-nacionalistas/desenvolvimentistas. Não detalharemos este programa, mas basta dizer que transforma a demanda por nacionalização do gás em uma simples negociação de contratos petroleiros; mantém a Lei INRA de contra-reforma agrária, oferece algumas tímidas reformas políticas e culturais como paliativo ã secular opressão. Quanto ás demandas operárias, poderia resumir-se em que é “tudo para os empresários, nada para os trabalhadores”, pois em 185 páginas não figuram o “aumento de salários” nem o “direito ã sindicalização”, ainda que não se esqueça de promover a “capacitação e formação de cultura empresarial (baseando-se em casos bem-sucedidos de empresários bolivianos)”.
É certo que uma parte considerável da burguesia e o imperialismo é hostil a um governo de Evo (ainda que outros, como os “governos amigos” de Lula, Kirchner e Chávez além de um setor do imperialismo europeu o apóiem). É possível que o intento de renegociar os contratos petroleiros dê lugar a tensões maiores, mas o que temem a reação e Washington não pe tanto a Morales, senão o movimento de massas em ascenso que movido por suas mesmas ilusões poderia escapar do controle do MAS.

Em todo caso isto demonstra que a frente-popular nas semicolonias pode ter importantes choques com a reação e o imperialismo. Naturalmente, ante o ataque contra-revolucionário estamos na mesma trincheira militar de um Salvador Allende, ou hoje de um Chávez ou vo Morales, mas sem brindar-lhe com o menor apoio político. Em concreto, estamos junto ás massas para alentar a luta por suas reivindicações, defendemos seu direito democrático a votar a quem queira e contra qualquer conspiração dos “cívicos” [6], PODEMOS [7], a Embaixada dos EUA, e os “fatores de poder” para impedir o acesso do MAS ao governo sem ganhar as eleições; mas não lhe damos nem sombra de apoio político, nem sequer “crítico”, como fazem o PO e a CRCI.

Uma recaída na teoria menchevique [8] e lambertista [9] dos campos

Escreve Altamira que “No choque (...) entre a candidatura do MAS e o imperialismo e a oligarquia local, a única posição revolucionária admissível é ao lado do MAS contra o imperialismo, mas não com a política ou a estratégia do MAS, senão com uma política e uma estratégia realmente antiimperialistas. Esta é a peculiaridade das eleições próximas na Bolívia”. Este tipo de raciocínio substitui o ponto de partida marxista da posição de classe por uma concepção de “campos enfrentados”, entre os que há que eleger sim ou sim. Assim operou sempre o oportunismo para justificar seu apoio mais ou menos crítico ao “mal menor”, argumentando que não havia que “isolar-se das massas”, que “as forças dos revolucionários eram débeis” e que “não haveria tempo para construir um partido revolucionario” [10].

Durante a Revolução Espanhola, Andrés Nin e o POUM [11], cediam ao “campo republicano” para enfrentar ao “campo fascista”. Por isso, depois de criticar muitas vezes corretamente aos partidos reformistas, chamaram a votar na Frente Popular em 1936 e terminaram somando-se ao governo burguês republicano (do qual Nin foi Ministro da Justiça) com o argumento da “situação excepcional” e “para não ficar ã margem das massas” e apresentar “seu próprio programa”. Esta política, justificada na situação “peculiar” espanhola era centrismo puro, isto é, poumismo oposto pelo vértice ã política trotskista, que defendia a necessidade de estar no mesmo campo militar da república contra o fascismo, porém sem deixar de travar o combate político contra as direções traidoras. Por isso, Trotsky em plena guerra civil dizia que nas Cortes (Parlamento) não votaria o pressuposto militar do governo republicano, pois isto equivaleria a brindar-lhe apoio político. Só assim era crível sustentar uma política e uma estratégia distintas ás da Frente Popular.

Na França, a corrente lambertista justificou com esta “teoria dos campos” sua negativa em combater ao governo social-imperialista de Miterrand nos anos 80. Seguramente muitos militantes do PO conhecem estas experiências. Lhes perguntamos com o intuito de ajudar a refletir: que política corresponde aplicar na Bolívia, a de Nin e Lambert ou a de Trotsky? Como Lora, Altamira se justifica com a “situação excepcional” e “peculiar” da Bolívia, mas a principal diferença neste exemplos é que Nin sucumbiu em meio aos mais dramáticos acontecimentos do século XX; enquanto Altamira não resiste ás pressões de uma conjuntura eleitoral ã distância.

Por uma política operária independente na Bolívia
Frente ã questão eleitoral confrontam-se duas concepções políticas: a do “apoio crítico” e a pressão oportunista sobre o MAS, expressada no chamado a votar em Evo; e a luta por uma política independente dos trabalhadores, que, na ausência de uma opção operária e socialista, obriga a chamar a votar em branco ou nulo.

Desde a LOR-CI demos uma dura batalha nos Ampliados [12] e debates sindicais, como integrantes eleitos da Comissão Política da COB [13], defendendo a necessidade de um instrumento político dos trabalhadores, baseado nos sindicatos e com democracia operária, pela independência política do proletariado e uma saída operária e camponesa para a crise. Sua construção poderia ter oposto uma alternativa de classe ao reformismo do MAS também no terreno eleitoral; mas a concepção frente-populista da maioria dos dirigentes sindicais e o abstencionismo sectário do POR [14] frustraram esta possibilidade deixando o campo livre ao MAS.

Há que dizer que nesta importante luta política a OT, núcleo simpatizante da CRCI na Bolívia, não jogou nenhum papel e o PO tampouco lhe deu importância. Agora, com o argumento de “tomar partido numa crise política” Altamira pressiona seus militantes: “Os partidos, tendências ou organizações de diferentes tipos, que não conseguiram ocupar um lugar de luta no cenário eleitoral, pelas razões que forem, não podem valer-se de sua própria incapacidade para desconhecer o terreno que está colocado”. E insiste “No caso da Bolívia, em particular, os setores que se encontram ã esquerda do MAS têm fracassado politicamente em forma completa. Não podem apresentar reclamações.” Com estas palavras incríveis os desarma ante o discurso do MAS de que todo o que não o apóie “é divisionista e serve ã reação”, e os educa dentro e fora da Bolívia que numa “situação excepcional” os princípios e estratégia do trotskismo não servem, e só resta tomar partido pelo “campo progressista”. Não é casual que a OT, depois de um longo curso de adaptação oportunista agarrado pelo PO, tenha chegado a sua virtual desagregação.

Mas é certo que ao não dar o apoio eleitoral ao MAS se condena ã marginalidade? Falso. Ainda que seja uma luta “contra a corrente” há importantes possibilidades de intervenção no processo de recomposição do movimento operário, e de diálogo com setores de vanguarda que criticaram duramente a Morales por sua atuação nas crises nacionais e desconfiam da direitização do MAS, ainda que o votarão como “mal menor” frente aos partidos da direita. Por exemplo, em Huanuni há uma grande desconfiança na vanguarda porque é sabido que o MAS entregará a administração da política mineira aos chefes cooperativistas aliados ás empresas estrangeiras. O sintomático processo de reorganização sindical, com o surgimento de vários sindicatos, como na planta de Senkata ou no estratégico aeroporto de El Alto (SITRASABSA) não está enquadrado pelo MAS e permite uma intervenção política desde uma posição de classe, ainda que muitos operários votem em Evo.

Outro exemplo de que a hegemonia do MAS não é tão “opressora” como teme Altamira é que o jornal da COR altenha, Rebeldía, coloque na capa e nas páginas internas que o “povo altenho seguirá lutando sob o próximo governo, qualquer que seja este”. E sob esta linha, a “cúpula operária e popular” convocada pela COB, a FSTMB [15] e a COR [16] para o 8, 9 e 10 deste mês prepara um “reposicionamento” ã esquerda de setores descontentes com o MAS.

Os militantes da LOR-CI que chamamos a votar em branco ou nulo, intervimos junto a sindicatos combativos como SITRASABSA, chamando a confiar só nas forças dos trabalhadores, multiplicar a organização sindical e preparar-se para a luta independente pela nacionalização do gás, terra, trabalho e salário e as demandas dos povos originários; sem depositar a menor confiança num governo de Evo e García Linera, e retomando a luta pela organização política independente dos trabalhadores, para intervir também na futura Constituinte. Só uma clara delimitação política hoje permitirá definir uma política correta frente a um eventual governo do MAS. Em todo caso, só a evolução concreta da luta de classes e dependendo da relação que esta estabeleça com as massas, poderia colocar-se táticas de exigência de ruptura com a burguesia que permitam desenvolver a experiência política dos trabalhadores e camponeses com este governo e a criação de órgãos de duplo poder.

Com a orientação de Altamira, qualquer simpatizante do PO que quisesse “intervir na crise política e interessar as massas inquietas pelo desenlace eleitoral” ficaria desarmado e sem poder ganhar uma alternativa operária independente ás tendências mais combativas da vanguarda.
A única forma de forjar uma alternativa operária, revolucionária e socialista com influência de massas, capaz de levar ao triunfo a revolução boliviana é derrotar as organizações reformistas. O POR nunca conseguiu dar este salto porque sempre, nas questões decisivas, capitulou frente ao nacionalismo, o reformismo e a burocracia sindical lechinista [17].. O abstencionismo político do POR - uma forma de adaptação sectária - encontra sua contra-face no oportunismo de Altamira. Em ambos casos a vontade de derrotar o reformismo é substituída pela ilusão oportunista de que “pressionando-o” é possível ganhar as massas.

Pelo contrário, manter uma posição marxista independente nas questões chaves do processo revolucionário é elementar para ajudar as massas a superar o obstáculo da frente-popular masista (algo ligado ã possibilidade de oprimir a reação pró-imperialista), e sentar as bases de uma direção operária, revolucionária e socialista. É certo que hoje não existe um genuíno partido dos trabalhadores e que as condições para construí-lo são difíceis. Mas é possível dar passos em direção ao reagrupamento revolucionário da vanguarda combatendo desde uma política de classe, enfrentando conseqüentemente ao MAS, e a qualquer variante frente-populista. Parte desta tarefa é diferenciar aos revolucionários dos centristas que falam todos os dias em revolução, mas que nos momentos cruciais cedem ao reformismo, como o faz lamentavelmente o PO. Companheiros da OT, do PO e da CRCI, os convidamos fraternalmente a refletir, revisar o apoio eleitoral ao MAS e corrigir o rumo ante os problemas chaves da revolução boliviana;

* Eduardo Molina é membro da LOR-CI e editor de Palabra Obrera

[1] MAS: Movimiento al Socialismo, corrente liderada por Evo Morales.

[2] “El Obrero Internacional” N°4, publicação do PO, assim como uma nota do dirigente grego da CRCI Savas Matsas, em PO N° 90.

[3] Prensa Obrera N° 890.

[4] Intelectual boliviano, candidato a vice-presidente na fórmula de Evo Morales.

[5] García Linera, Álvaro. “Cómo lograr MAS sin salir de un “capitalismo andino”, Entrevista com P. Stefanoni.

[6] Um dos setores da direita política boliviana. Os mais conhecidos são os de Santa Cruz.

[7] Corrente da direita ã qual pertence o candidato Jorge “Tuto” Quiroga.

[8] Uma das frações em que se dividiu o marxismo russo, de orientação social-democrata (a outra foi a Bolchevique encabeçada por Lenin).

[9] Corrente do movimento trotskista liderada por Pierre Lambert com centro na França.

[10] Assim, na Revolução Russa os mencheviques argumentavam que não havia mais remédio que apoiar ao “campo democrático” representado por Kerensky contra o “campo czarista” enquanto que Lenin e Trotsky defenderam uma política independente do proletariado revolucionário.

[11] Partido Obrero de Unificación Marxista, fundado na Espanha em 1935 como resultado da fusão de vários grupos marxistas. Sua figura mais destacada foi Andrés Nin.

[12] Reuniões sindicais abertas. A COB realizou algumas reuniões deste tipo durante os levantamentos.

[13] Central Obrera Boliviana.

[14] Partido Obrero Revolucionario, encabeçado por Guillermo Lora.

[15] Federación Sindical de Trabajadores Mineros de Bolivia.

[16] Central Obrera Regional.

[17] Denominada desta maneira por seu dirigente Juan Lechín.

 

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