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A crise ameaça o sistema financeiro dos EUA
por : Juan Chingo

08 Apr 2008 | Já não existem dúvidas de que os EUA atravessam a maior crise financeira desde a Segunda Guerra Mundial.

Já não existem dúvidas de que os EUA atravessam a maior crise financeira desde a Segunda Guerra Mundial, e já provocou o colapso do quinto banco de investimento norte-americano (Bear Stearns), e, ainda, colocou a maior economia do sistema mundial no que pode ser sua pior recessão em 30 anos. As repercussões destes acontecimentos têm afundado os mercados bursáteis de todo o mundo. Por sua vez, isso obrigou o Banco Central norte-americano (FED, por sua sigla em inglês) a realizar a mais audaz e comprometida intervenção nos mercados financeiros desde a crise dos anos 30.

O sistema financeiro ã beira de um colapso.

A combinação da brutal queda do preço das moradias e da implosão do mercado de créditos, não só anuncia uma forte recessão nos EUA, como mais importante ainda, pode fazer colapsar o conjunto de seu sistema financeiro. Este último perigo é o que explica as medidas excepcionais da FED.
Contrariamente ao que se crê, a crise da bolsa de 1929 não foi o momento de definição da Grande Depressão. O que era uma recessão comum se transformou em uma depressão por conta das corridas bancárias que tomaram conta dos EUA entre 1930 e 1931. Estas corridas que se desencadearam foram se propagando, uma vez que os bancos que sobreviviam tratavam de reunir efetivos, mediante a tomada de empréstimo, gerando um círculo vicioso em que as corridas bancárias ocasionaram uma contração de crédito, resultando em mais falências empresariais. O corolário: a pior contração do PIB em toda sua história. Com este precedente catastrófico rondando sobre suas cabeças, o presidente da FED, Ben Bernanke, utilizou a chamada “opção nuclear” [1]. O resgate do Bear Stearns, ainda que nunca se poderá saber com certeza, preveniu a liquefação do gigantesco mercado de derivados.

No começo de março, os operadores financeiros viam com estupor o fato de Bear Stearns murchar enquanto se esfumaçavam suas reservas de 17 bilhões de dólares. Bear Stearns contava com a base de 13,4 trilhões de dólares, isto é, maior que o PIB dos EUA, ou equivalente a um quarto do PIB mundial em valor “nocional” [2]. Estes contratos de diversos instrumentos financeiros, como os “swaps”, foram construídos sobre uma base de ativos de 80 bilhões de dólares. Do outro lado destes contratos haviam bancos, brokers [3] e hedge funds estreitamente conectados. Para piorar ainda mais as coisas, Lehman Brothers, UBS e Citigroup estavam na corda bamba durante o furacão financeiro. Neste marco, a queda de Bear poderia ter significado um tiro de misericórdia ao conjunto do sistema financeiro.

Em meio a uma crise ninguém sabe o que se passará com estes instrumentos financeiros, que o financista e homem mais rico do mundo, Warren Buffett, chama de “armas de destruição financeira massivas”. Em outras palavras, uma quebra do broker (Bear Stearns) geraria pânico e a conseqüência imediata seria um colapso de todos os instrumentos financeiros, e uma posterior corrida de depósitos nos bancos tradicionais, ao estar muito interconectado por todos os esquemas de derivados.

Todavia, a pior de todas as notícias parece não ter chegado: uma reprogramação de depósitos, o “corralito” nos EUA, um cenário de pesadelo do qual ninguém quer falar. Porém, ainda não está claro que a FED possa manter a solvência do sistema bancário norte-americano.

No imediato, é possível que a intensidade da crise diminua temporariamente devido aos massivos fluxos de dinheiro de Bernanke aos bancos, tanto comercial como de investimento. Mas a evolução da crise demonstra que ante cada nova fase a FED responde com injeções ainda maiores de dinheiro, recortes maiores das taxas e rupturas mais agudas com suas normas de funcionamento tradicionais, culminando, atualmente, com a “opção nuclear” anunciada no dia 16 de março. Mais preocupante ainda para os altos círculos das finanças é que ante cada nova fase a efetividade das medidas da FED parece diminuir. Mostra-se como positivo que tenha sido capaz de baixar os indicadores da crise. Mas tem sido incapaz de restaurar os mercados de créditos aos níveis de estabilidade da fase anterior, pelo que se pode concluir que a crise está longe de terminar, e que é altamente provável que siga piorando.

Uma recriação dos 70 para evitar uma crise dos 30.

As medidas que a FED tem aplicado e, outras mais radicais que poderia ou é incitada a tomar para sair do atual descalabro, poderiam levar a que o Estado assuma custos fiscais cada vez mais altos - o que poderia abrir uma crise fiscal de proporções - através da compra de ativos de duvidosa cobrabilidade para subir seu preço, do resgate de novas entidades financeiras insolventes, etc. Mais ainda, as autoridades monetárias e econômicas poderiam chegar a tolerar uma alta inflação para rebaixar o valor real da dívida privada, isto é, impulsionar um cenário setentista para evitar uma crise como a de 1930. Isto é, um cenário de alta inflação, diferente dos anos 30, em que primou a brutal deflação, questão que não se pode descartar se não se conseguem frear a debandada desordenada de ativos.

Mas tal saída, que poderia evitar uma depressão, pode ter um custo geopolítico, em médio prazo, inesperado: a aceleração da crise do dólar como moeda de reserva mundial. As bases de tal transformação se encontram na acumulação de um déficit de conta corrente, combinada com uma declinação de longo prazo da taxa de intercâmbio do dólar, além da falta de paciência dos credores dos EUA frente ao unilateralismo da administração Bush. Este último estreitou abruptamente a possibilidade de que os EUA saiam da crise como no passado, desvalorizando sua moeda e fazendo com que a crise seja paga pelos seus competidores. Assim, nos anos 60, a Alemanha se dispôs a pagar estes custos, enquanto os EUA lhes cobrissem com suas tropas durante a Guerra Fria; Japão pelos mesmos motivos comprou dólares para evitar uma depreciação violenta desta moeda nos finais dos anos 60, no começo dos 70 e finais dos 80, e por último foi o caso do Kuwait, Arábia Saudita e outros países como o Japão com a primeira guerra do Golfo. Hoje, pelo contrário, a política norte-americana de todos estes anos deteriorou a legitimidade e a posição norte-americana no mundo.

Somado a estes elementos, o caráter distintivo da atual crise é o forte debilitamento do sistema financeiro norte-americano e do “modelo anlgo-saxão”. Agreguemos que uma conseqüência imediata da alta inflação será a de que para muitos países dependentes, o atrelamento ao dólar (“dollar peg”) se fará mais difícil. Por hora, estes são reticentes a abandonar este laço com a moeda norte-americana, mas o crescimento da inflação pode tornar esta situação intolerável. Quando abandonarem este vínculo com a nota verde é provável que revejam suas reservas de divisas em detrimento do dólar.

As potenciais implicações geopolíticas são imensas. Os EUA perderiam seu exorbitante privilégio de obter rendimentos mais altos de seus ativos no estrangeiro do que os rendimentos que estrangeiros obtêm ao investem nos EUA. O dólar deixaria de ser “nossa moeda e vosso problema”, tomando uma frase do ministro das finanças de Nixon, quando este desligou o dólar do padrão ouro em 1971. Sua influência nas instituições financeiras internacionais diminuiria. Em outras palavras, a perda do dólar como moeda de reserva mundial implicaria uma perda efetiva de poder político que debilitaria ainda mais o papel hegemônico dos EUA no mundo. É, em última instância este elemento que está por trás do pânico que percorre os altos círculos das finanças dos EUA, e que não deixa o presidente da FED e o atual presidente do Tesouro dormirem.
Uma tendência ã ruptura do equilíbrio capitalista
A crise atual assinala o questionamento de alguns dos principais fatores de contra-tendência ã queda da taxa de lucro, que vem se sucedendo após o excepcional período de boom do pós-guerra, isto é, a ofensiva neoliberal, na qual a máxima expressão foi o “modelo anglo-saxão” e a liberalização do sistema financeiro. Seu corolário foi um enorme sobre-endividamento, amenizado nos últimos anos pelas bondades da restauração capitalista na China e na área de influência da ex-URSS.

Mais importante ainda, desde o ângulo da subjetividade da classe operária e do movimento de massas, é que a fenomenal crise da economia de mercado questiona duramente esta enorme miragem da fortaleza do capitalismo - depois da derrubada das economias mal chamadas socialistas - que era apresentado como o único futuro ao qual poderia aspirar a humanidade. A crise atual coloca uma ruptura com o instável equilíbrio capitalista de todos estes anos, muito mais profunda que a crise asiática de 1997, já que a presente crise tem seu epicentro no estouro do maior mercado financeiro do mundo: Wall Street e os EUA. A chamada crise asiática explicita, em última instância, o movimento das burguesias dos países dependentes para uma posição de maior regateio com as potências imperialistas, expressada na acumulação de reservas dos bancos centrais destes países para que pudessem sair da crise sem serem submetidos, eventualmente, ás condições leoninas que foram impostas pelo FMI e o Banco Mundial ã países como Coréia ou Argentina, sem evitar, neste último caso, o default ou o crack de sua economia.

O “mérito” da crise atual ao golpear o coração do sistema financeiro internacional [4] é demonstrar que o mercado não só não salvará os operários de seus sofrimentos (pelas demissões que serão multiplicadas pela crise mundial, ou por uma crescente inflação), como que tampouco evitará a hecatombe dos mesmos capitalistas. O resultado desta crise inevitavelmente será uma profunda mudança na percepção dos explorados, em especial nos principais países imperialistas, incluindo os EUA, ao desnudar a falsa ideologia que justificou toda a “esquerda” mundial se entregar de corpo e alma ao capitalismo.

Isso não significa que a classe operária ainda esteja ã altura da crise que se avizinha. Como assinala Trotsky: “A política considerada como força histórica de massas está sempre atrasada em relação ã economia” (León Trotsky, A terceira Internacional depois de Lênin). Esta desproporção de importância decisiva entre os fatores objetivos e subjetivos, agudizada hoje pela fenomenal crise de direção revolucionária dos trabalhadores, obtém bases objetivas para tenderem a se resolver nos momentos de agudização extrema das contradições, de comoções econômicas, sociais e políticas, que empurram a classe trabalhadora e a juventude à luta e tiram a sustentação das promessas dos partidos social-democratas e ás burocracias operárias de obterem melhorias nos marcos do capitalismo. Os que nos reivindicamos revolucinários devemos tomar consciência de que estamos entrando em um destes momentos históricos nos quais as demandas de nosso programa são da maior atualidade e se torna mais aguda a necessidade de construir partidos revolucionários.

 

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