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Cuba depois de Fidel
por : Diego Dalai

21 Feb 2008 |

No dia 19 de fevereiro Fidel Castro renunciou formalmente ã presidência de Cuba através de uma carta publicada no diário oficial Granma, cargo que havia abandonado provisoriamente em julho de 2006 após um grave problema de saúde. Desde então, seu irmão Raul Castro vem exercendo a liderança efetiva da ilha juntamente com outras figuras proeminentes do regime, como o vice-presidente do Conselho de Estado (órgão máximo do governo), Carlos Lage e o chanceler Felipe Pérez Roque. No dia 24, domingo, a Assembléia Nacional do Poder Popular elegerá o novo presidente. Ainda que haja distintas especulações sobre quem sucederá Castro, se será seu irmão ou uma direção mais colegiada, o certo é que tudo indica que a renúncia de Fidel busca uma readequação de “geração” na burocracia governante, funcional ã introdução de “reformas” econômicas - e possivelmente políticas - favoráveis a uma maior abertura ao capitalismo por parte do PC cubano.

No início da década de 1990, após o desaparecimento da União Soviética e com ela da ajuda econômica da qual o estado cubano essencialmente dependia, a burocracia governante colocou em ação uma série de medidas, conhecidas como “período especial” [1], que facilitaram os investimentos de capital estrangeiro através de empresas mistas - principalmente espanholas e canadenses - centradas sobretudo na exploração do turismo, que continua sendo um dos principais pilares da economia. Como contrapartida ás concessões ao capital e ás possibilidades da burocracia ficar com quantidades importantes dos rendimentos, a maioria do povo cubano suportou duras condições, que se expressaram na restrição ao consumo popular e ao acesso de bens básicos.

A grande parte da população que ficou sem acesso ao dólar viu cair drasticamente suas condições de vida e seu acesso aos produtos e serviços básicos (alimentos, transporte, eletricidade). Desta forma se avançou na descentralização e no “auto-financiamento” de grande parte das empresas do estado que constituíam o núcleo do aparato produtivo. Assim, a planificação econômica se viu seriamente afetada e muitos postos de trabalho foram fechados, como por exemplo dezenas de engenhos açucareiros, constituindo outro golpe ás massas e ás bases do estado operário.
O exército assumiu um papel central na economia, reafirmando-se como um dos principais fatores de poder. Segundo estimações e número oficiais, as Forças Armadas Revolucionárias (FAR) controlam empresas dedicadas ao turismo, ã agricultura, ã pecuária, ao tabaco, ao açúcar, ás telecomunicações, ã construção, além da industria militar, o que representa mais de 60% dos rendimentos que entram no país. Até 2003 estas medidas foram detidas parcialmente, sobretudo com a reintrodução de certas restrições ã circulação do dólar. A economia cubana começou a crescer em taxas altas (acumulou crescimento de 42% do PIB no período de 2004-2007), produto da alta do preço das matérias-primas e da aliança do regime com países produtores de petróleo, como a Venezuela. Entretanto, as conseqüências do “período especial” não se reverteram: se aprofundou a desigualdade social, os trabalhadores e camponeses têm suas rendas em peso desvalorizadas, mas os preços dos produtos estão cada vez mais expressos na CUC, a moeda conversível que tem um valor 25 vezes maior do que o peso. O PC, por sua vez, manteve ferreamente o monopólio do poder político e os privilégios materiais para a elite governante, parte da qual se ligou diretamente aos novos negócios derivados da abertura econômica do período especial.

Caminhando para uma maior abertura ao capital?

Não é um segredo que tanto Fidel Castro, como seu irmão Raúl Castro e os altos membros da hierarquia do Partido Comunista, vêm apresentando como modelos a serem seguidos a via “chinesa” [2] ou a via “vietnamita”, isto é, países onde a restauração capitalista avançou qualitativamente sob regimes de partido-estado controlados pelos respectivos partidos comunistas.

Em diversas ocasiões Raúl Castro deu indicações de linhas gerais que poderia ter o futuro governo: “nossa disposição de resolver na mesa de negociações a prolongada tensão entre os Estados Unidos e Cuba” [3]. “Terá que introduzir as mudanças estruturais e de concepções que forem necessários (...) estudamos atualmente o relativo ao aumento do investimento estrangeiro (...) trabalhando com empresários sérios e sobre bases jurídicas bem definidas que preservem o papel do Estado e o predomínio da propriedade socialista” [4].

Na situação atual, é provável que um novo salto na abertura econômica ao capitalismo seja acompanhado com algumas reformas políticas, sejam algumas concessões ás camadas sociais que se beneficiaram das medidas dos últimos anos, - como por exemplo a demanda de facilidades para poder sair do país - o a abertura de válvulas de escape que canalizem controladamente o descontentamento que pode estar desenvolvendo-se nos setores populares, produto da crescente desigualdade social [5]. E que por sua vez, tais reformas, sirvam como gesto ás reivindicações das potências imperialistas e dos governos “amigos” que demagogicamente reivindicam uma “transição ã democracia” [6] . Assim, é possível que o regime utilize as críticas que vieram ã tona publicamente nas últimas semanas - e outras que possam surgir da suposta “abertura” que Raúl Castro lançou para que os cubanos expressem suas opiniões - em função de um projeto de maquiar o regime de partido único para manter o essencial: o controle da burocracia do PC do aparato do estado.

Pressão imperialista

A administração Bush, em linha com o lobby dos "gusanos" de Miami, isto é, a burguesia cubana e seus descendentes no exílio, continuou sustentando uma política dura ã Cuba [7]: nos últimos anos recrudesceu o bloqueio econômico contra a ilha e estendeu ainda mais as restrições de intercâmbio comercial, o envio de dinheiro e a possibilidade de que cidadãos norte-americanos viagem para Cuba. Para alguns analistas, esta política impediu a expressão aberta de alas mais permeáveis do regime cubano a uma restauração gradual e negociada do capitalismo.

Os dois pré-candidatos ã presidência, Barak Obama e Hillary Clinton, parecem estar se inclinando por uma política mais “aberta” ou “negociadora” [8] , ainda que ambos sejam partidários da manutenção do bloqueio como uma chantagem. Obama, por exemplo, declarou que “se a direção cubana começa abrir Cuba ã significativas mudanças democráticas, os EUA devem se preparar para começar a dar passos em normalizar as relações e flexibilizar o embargo das últimas cinco décadas”.

Esta política pareceria estar mais afinada com as potências da União Européia e vários governos latino-americanos, que “saudaram” a saída de Fidel do cenário político como “uma oportunidade para uma transição democrática e pacífica”, isto é, para uma restauração ordenada do capitalismo.

Mas tanto a política dura de Bush, como a “negociadora” da UE, estão em função de conseguir plena liberdade para que seus monopólios possam explorar sem restrições os trabalhadores e o povo cubano, fazer grandes negócios e espoliar os recursos naturais do país, retornando a Cuba ao seu status semi-colonial.

Defender as conquistas da revolução contra o imperialismo e a política restauracionista da burocracia

A revolução cubana significou uma grande conquista para os oprimidos. Acabou com o latifúncio e deu terra paras os camponeses, independizou o país do imperialismo nacionalizando suas propriedades na ilha. Liquidou a burguesia local e colocou nas mãos dos estado os principais meios de produção, as grandes empresas de serviços e da produção de açúcar (base da economia naquela época). Apesar de ser um pequeno país atrasado, conseguiu terminar com a fome, o desemprego e o analfabetismo. A saúde se tornou um direito real e acessível para o povo. A grande maioria das massas populares cubanas continuam defendendo as conquistas que ainda se conservam, apesar da ação da burocracia que foi enterrando ao longo dos anos as bases do estado operário cubano.

O Partido Comunista monopolizou o controle do estado e da política, estabelecendo um regime de partido único, proibindo toda organização operária que escape de seu controle, seja sindical ou política. Este regime de partido único, copiado do modelo da União Soviética stalinizada e de sua estratégia de “socialismo em um só país” [9], favorece aos interesses materiais da burocracia governante que, através do estado e sem o controle das massas, se transformou em uma camada privilegiada, que conforme demonstrou a derrota das burocracias stalinistas da ex URSS, dos países da Europa do Leste e da China, aspira, cedo ou tarde, se converter em proprietária dos meios de produção.

A única forma de evitar esta perspectiva, que significou um enorme retrocesso das conquistas de milhões, é uma revolução política encabeçada pelos trabalhadores e camponeses, que derrube a casta governante na luta contra o imperialismo e contra as tentativas de restauração capitalista, que acabe com os privilégios e a opressão política da burocracia dando pleno direito de reunião e organização sindical aos trabalhadores e camponeses e legalidade aos partidos que defendam as conquistas da revolução. Um estado baseado em conselhos de operários, camponeses e soldados que sejam a base de um novo regime de democracia operária revolucionária que transforme Cuba em um motor da revolução socialista na América Latina.

Traduzido por: Clarissa Lemos

 

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