Por: Paulo Matos
Os escândalos de corrupção que tomam conta do Brasil desde meados de 2005 ainda não saíram de cena. Entretanto, o ponto mais alto da “crise do mensalào” ficou para trás. Hoje, o cenário político é tomado pela antecipação das disputas eleitorais ã presidência marcada para outubro de 2006. Palocci, o ministro da economia que foi um dos principais pilares do governo Lula, foi recentemente derrubado por envolvimento em corrupção. Ao mesmo tempo o atual ciclo de recuperação da economia se mantém estável, e Lula recupera-se dos abalos sofridos com a crise, projetando-se como favorito nas pesquisas.
Por outro lado, desenvolve-se um processo importante para a vanguarda da classe trabalhadora. Os sindicatos, oposições sindicais e entidades populares que romperam com o governo Lula e o PT preparam-se para realizar um Congresso Nacional no mês de maio. Este Congresso oferece a possibilidade de unificar a vanguarda com uma política independente do governo e dos patrões para fortalecer um pólo alternativo de direção independente capaz de disputar a influência de Lula e do PT e dos dirigentes sindicais traidores da CUT sobre o movimento de massas.
Os ritmos do processo de experiência das massas com Lula e o PT
Muitos pensaram que a “crise do mensalào” iria dar um “golpe de morte” em Lula e no PT. De fato, esta crise deferiu um golpe importante na “aura ética e moral” deste partido, que se transformou em um de seus principais pilares de sustentação. Entretanto, o outro pilar central do governo Lula e do PT, que é sua influencia sobre o movimento de massas pela via do controle das direções das principais organizações sindicais e populares do país, manteve-se forte, ainda que tenha sofrido desgastes.
Foram as direções governistas da Central Única dos Trabalhadores (CUT), do Movimento de Sem-Terras (MST), da União Nacional dos Estudantes (UNE) e da Central dos Movimentos Populares (CMP) que garantiram a contenção do descontentamento das massas em relação aos escândalos de corrupção, e impediram que este descontentamento se transformasse em ações diretas e independentes nas ruas. Os trabalhadores foram enganados com o discurso de que havia um “golpe de direita” sendo preparado para derrubar o governo Lula (ver balanço mais completo da “crise do mensalào” no site www.ler-qi.org).
Atualmente, é uma combinação entre três elementos que garantem a recuperação do prestígio de Lula. Em primeiro lugar, se mantém - pelo menos em 2006 - o ciclo precário de recuperação da economia que se desenvolve desde 2004. Ainda que o Brasil esteja na retaguarda do ciclo de crescimento que abarca a maioria dos países latino-americanos, os atuais índices de crescimento têm outorgado autoridade a Lula e lhe permite algumas margens de manobra. Obviamente, estas perspectivas estão subordinadas a possíveis mudanças no cenário econômico mundial.
Em segundo lugar, as crises internas ao PSDB, partido de Fernando Henrique Cardoso que reúne os principais competidores de Lula-PT, ao dificultarem a definição de um candidato que combine a aceitação interna do partido e o prestígio junto ás massas para competir com Lula, abre espaço para o fortalecimento deste último. Na disputa interna entre Serra e Alckmin, os principais candidatos do PSDB, Alckmin saiu vitorioso, mas não consegue decolar nas pesquisas, deixando margem para que Lula vença no primeiro turno. Em terceiro lugar, e como elemento determinante, encontram-se as direções das principais organizações do movimento de massas, que mesmo criticando o “neoliberalismo exacerbado” de Lula, já declararam o apoio a sua reeleição e já iniciaram aberto período de campanha. Foi isso que ficou evidente na assembléia que em abril reuniu mais de 2 mil operários metalúrgicos no ABC paulista, na qual foi aprovado por unanimidade o apoio ã reeleição de Lula.
Mas se por um lado o governo conseguiu fazer refluir a “crise do mensalào”, isso não significa a saída de cena das contradições estruturais que fundamentaram essa crise; nem tampouco significa a inexistência de conseqüências marcantes para o regime de domínio; sem mencionar que não podemos excluir a possibilidade de que venha ã tona algum escândalo de corrupção que atinja mais diretamente a Lula.
Entre os países da América Latina, o Brasil, apesar de ser juntamente com o México o economicamente mais poderoso, está entre os que menos aproveitaram o atual ciclo de crescimento da região, assemelhando-se neste aspecto a nada mais nada menos que o Haiti. Isso acentua as contradições no interior da burguesia, pois os empresários brasileiros gostariam de lucrar como os argentinos atualmente. Fortalece a visão burguesa de que seria necessário articular um novo pacto com o imperialismo, no qual os setores mais diretamente ligados aos bancos e ás finanças internacionais cederiam um pouco para os setores mais diretamente ligados a indústria e ao mercado interno nas decisões sobre a política econômica.
Entretanto, o que unifica todos os setores da burguesia e os principais partidos políticos do país (PT, PSDB, PFL e PMDB) é que, seja com mais neoliberalismo lulista ou com alguma mudança no sentido de um pretenso “neodesenvolvimentismo tipo Kirchner”, terão que ser realizados alguns ataques fundamentais ã classe trabalhadora brasileira que já foram realizados em outros países e aqui ainda não foram até o final; sob pena do Brasil perder espaço na competição no mercado internacional. Um importante exemplo disso que a burguesia insiste em lembrar é que tanto FHC como Lula não conseguiram implementar as reformas trabalhistas e previdenciárias que Menem e DeLa Rua conseguiram na Argentina.
A burguesia de conjunto insiste na necessidade de uma reforma política que recupere o prestígio das instituições do regime, em grande medida desgastadas pelos escândalos de corrupção, e que dificilmente poderão ser recompostas apenas com as eleições, principalmente se levamos em conta que serão eleições repletas de denúncias de corrupção.
Ainda que amplos setores das classes médias que migraram do PSDB para o PT em 2002 voltem a apoiar o PSDB em função dos escândalos do mensalào, a maioria da classe trabalhadora e do povo pobre organizado ao redor dos sindicatos e dos movimentos sociais ainda aposta em Lula no mínimo como um “mal menor” frente ao PSDB. Os planos assistenciais de Lula como o “bolsa família” (que atinge cerca de 11 milhões de famílias), o aumento do salário mínimo para R$ 350,00 e a criação de postos de trabalho precários nos últimos anos são migalhas miseráveis completamente insignificantes frente aos gigantescos lucros que tiveram os bancos e os grandes empresários no governo Lula; sem mencionar a continuidade do desemprego estrutural de milhões de trabalhadores e da fome no campo.
Porém, com a ajuda das direções do movimento de massas, Lula tem conseguido transformar essas migalhas em trunfos a seu favor. Essa situação coloca a dupla PSDB-PFL numa ofensiva para tentar desgastar a Lula com novos escândalos de corrupção. A derrubada de Palocci demonstra a possibilidade real de que a crise volte ou ganhe novos contornos. Como mínimo, devemos prever eleições turbulentas, que poderão colocar as entranhas podres do regime democrático burguês ainda mais expostas.
É neste marco que se insere a importância do Congresso Nacional de Trabalhadores (CONAT) que ocorrerá em maio numa cidade próxima de São Paulo. Este encontro é organizado pela Conlutas, uma organização que reúne a maior parte dos sindicatos, oposições sindicais e entidades populares que romperam com o governo Lula e o PT.
O CONAT e o processo de reorganização da vanguarda
O CONAT pode se transformar num importante marco no processo de reorganização da classe trabalhadora brasileira. São centenas de sindicatos, oposições sindicais e entidades estudantis e populares que nos últimos dois anos têm sido a linha de frente na campanha de resistência ás reformas neoliberais do governo Lula. Fazem parte da Conlutas importantes sindicatos do país como o dos metalúrgicos de São José dos Campos, que reúne 35 mil operários em sua base; e o dos trabalhadores da Universidade São Paulo (Sintusp), que representa 15 mil trabalhadores.
A Conlutas já realizou três manifestações em Brasília reunindo milhares de trabalhadores, estudantes e sem-terras em protesto contra os ataques do governo Lula e os escândalos de corrupção; e recebeu cerca de 30 a 40% dos votos nas eleições para alguns do principais sindicatos do país em 2005. O CONAT pode, a partir de um balanço do que significou a experiência histórica com a CUT, tirar conclusões que armem a atual vanguarda antigovernista para começar a se apresentar como uma nova alternativa de direção para a maioria da classe trabalhadora que ainda vive sob a influência dos burocratas traidores de CUT e das demais organizações de massas no país.
Entretanto, infelizmente, os partidos e correntes políticas da esquerda que hoje dirigem a Conlutas - PSTU e algumas correntes políticas internas do PSOL[1] - se negam a fazer um balanço conseqüente da CUT; e buscam referendar no CONAT uma política que em pouco se diferencia da atuação histórica da esquerda de capitulação ã burocracia sindical e ao reformismo dentro desta central.
A Conlutas tem tido como um de seus eixos políticos centrais, aprovado como consigna máxima nos encontros que realizou, a “derrota da política econômica neoliberal”. Essa é uma política reformista, que coloca os trabalhadores como “ala esquerda” do projeto neodesenvolvimentista que pretende mudar a política econômica neoliberal de Lula para uma próxima da que aplica Kirchner na Argentina. Essa não é uma política muito distinta da que propõem os próprios burocratas dirigentes da CUT, que defendem a redução das taxas de juros, a redução do superávit primário e a desvalorização do real frente ao dólar para estimular o crescimento da economia nacional e favorecer os patrões. Como se isso fosse resolver o problema do desemprego e dos salários miseráveis.
A Conlutas tem impulsionado três campanhas centrais. A “campanha pela valorização do salário mínimo para R$ 550,00 e um plano para chegar ao salário do Dieese[2] em 4 anos”, que não contempla as necessidades imediatas mais sentidas pelos trabalhadores. A “campanha pela auditoria da dívida externa e interna”, que abandona a reivindicação de “não pagamento” e abre a possibilidade de que alguma parte dela possa ser paga ou negociada. E a “campanha pela anulação da reforma previdenciária”, que tendo como centro um abaixo assinado dirigido ã Procuradoria Geral da República não coloca aos trabalhadores que essa reivindicação só poderá ser conquistada através de greves, piquetes e manifestações de rua, alimentando a ilusão dos trabalhadores no “Congresso do mensalào” e na justiça dos patrões.
Para culminar, o PSTU, através de sua influência sobre o sindicato dos metalúrgicos de São José dos Campos, faz a vergonhosa proposta de que a Conlutas tenha como “modelo” a CTA argentina, que não só ficou do lado de Dela Rua nas jornadas revolucionárias de dezembro de 2001, mas hoje é uma das importantes bases de sustentação de Kirchner.
Ou seja, o PSTU o PSOL, apesar de nos discursos defenderem a independência em relação aos patrões e socialismo, nas palavras de ordem e nas campanhas centrais levam ã frente uma política reformista adaptada ã burocracia sindical, e feita sob medida para ser assimilada por governos reformistas de conciliação de classes. O PSTU coloca a Conlutas para participar da campanha do Jubileu junto com a igreja e os governistas sem fazer qualquer crítica ã defesa de uma “auditoria da dívida pública”.
Desta forma, o PSTU e o PSOL reproduzem a mesma estratégia que pautou a trajetória de toda a CUT. Propõem para a Conlutas um “programa máximo” com independência de classe para os discursos inflamados e um “programa mínimo” reformista para as alianças com os sindicalistas e pequeno-burgueses de todo o tipo; colocando a Conlutas a reboque de distintos projetos de conciliação de classes.
A atuação da Fração Trotskista frente ao CONAT
Desde a Liga Estratégia Revolucionária - Quarta Internacional, temos criticado a direção do PSTU na Conlutas, constituindo-nos como uma fração que busca contribuir para que esta adquira um curso revolucionário (ver site www.ler-qi.org). No 4° Congresso de trabalhadores da Universidade São Paulo, concluído em março, os militantes da LER-QI que são trabalhadores desta categoria convenceram o congresso de que o Sintusp deveria fazer uma crítica ao caráter reformista da orientação política atualmente implementada pela Conlutas e propor uma nova orientação independente dos patrões seus governos e dos sindicalistas traidores.
Abaixo descrevemos literalmente a resolução aprovada neste Congresso:
“O 4° Congresso de trabalhadores da USP propõe ã Conlutas, seus sindicatos e oposições sindicais adotar como orientações políticas centrais: lutar pelo salário mínimo do Dieese (em torno de R$ 1.551,00); lutar por reajuste mensal automático de salários de acordo com o aumento do custo de vida; lutar pela incorporação do valor máximo da PLR e dos bônus aos salários; lutar pela desvinculação dos salários a metas de produção ou aos lucros da empresa; lutar pela incorporação dos terceirizados como trabalhadores efetivos em todas as fábricas e empresas com salários e direitos iguais (e sem necessidade de concurso público no caso dos servidores); lutar pela transformação dos contratos temporários e precários em contratos permanentes com salários e direitos iguais; lutar pelo fim dos bancos de horas; lutar pelo seguro desemprego sem qualquer restrição e até conseguir novo emprego; lutar pela redução da jornada de trabalho para garantir emprego para todos; lutar pela paralisação em toda fábrica ou empresa que demita ou ameace fechar para garantir o emprego; lutar para ocupar e colocar para produzir sob controle operário as fábricas e empresas que falirem ou ameaçarem falência; lutar pela expropriação dos grandes latifúndios e divisão das terras entre os camponeses pobres com crédito barato para que possam plantar; lutar pela reestatização das empresas privatizadas; lutar por um plano de obras públicas; lutar contra as reformas neoliberais; lutar para que essas reivindicações sejam viabilizadas através do ataque aos lucros dos patrões, do não pagamento das dívidas interna e externa e de impostos progressivos ás grandes fortunas; lutar pela unificação das campanhas salariais das distintas categorias para lutar por essas reivindicações; lutar para que essas reivindicações sejam impostas pela força de nossa mobilização através de greves, piquetes e ocupações de fábrica; lutar pela expulsão de todos os dirigentes sindicais que detêm cargos de confiança em órgãos e instituições do governo e da patronal ou que são parlamentares que votam em leis contra os trabalhadores e contra as decisões aprovadas em assembléias, encontros e congressos sindicais.”
Neste sentido, os militantes da LER-QI, junto com uma bancada de 36 delegados de base do Sintusp mandatados por seu Congresso, vamos lutar no CONAT para que a Conlutas abandone a separação entre um “programa máximo” independente dos patrões e um “programa mínimo” conciliador, e incorpore um programa trasicional. Para nós, só um programa transicional pode unificar a luta pelas reivindicações mais mínimas e imediatas dos trabalhadores e camponeses pobres com o objetivo máximo desenvolver a luta de classes necessária para conquistar um governo da classe trabalhadora do povo oprimido baseado em organizações de democracia direta das massas.
[1] O Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU) é a organização brasileira da Liga Internacional de Trabalhadores (LIT). o Partidos do Socialismo e Liberdade (PSOL) é a organização política que surgiu como subproduto da ruptura de um setor da esquerda do PT em 2003. Tendo como principal figura pública a senadora e candidata a presidente Heloísa Helena, o PSOL reúne várias correntes políticas. A Corrente Socialista dos Trabalhadores (CST, ligada ao MST na Argentina) do deputado Babá; o Movimento de Esquerda Socialista (MES) da deputada Luciana Genro; e o Movimento Terra e Liberdade são, dentre outras, as principais correntes internas do PSOL que participam ativamente da Conlutas. A Liberdade e Revolução (LR) de Heloísa Helena; a Ação Popular Socialista (APS) de Ivã Valente e Plínio Arruda Sampaio, dentre outras, são correntes que se colocam ambíguas ou no caso da APS diretamente contra a Conlutas.
[2] O Dieese é um instituto de estatísticas historicamente financiado pelos sindicatos de trabalhadores.
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