FT-CI

Polêmica com o PSTU

Porque os revolucionários não devem apoiar a “luta” dos bombeiros

22/06/2011

Na última terça-feira (14) o site do PSTU publicava um artigo assinado por seu principal dirigente Eduardo Almeida, junto com um colaborador, intitulado “Polêmica: porque é correto apoiar a luta dos bombeiros”, com o objetivo de combater nossa declaração política “Nenhum apoio ao repressor Sérgio Cabral nem ao motim dos bombeiros” (http://www.ler-qi.org/spip.php?article2966) publicada no dia 5 de junho sobre o motim dos bombeiros do Rio de Janeiro.

A direção do PSTU em poucas horas postou duas diferentes versões de sua polêmica em seu sítio, em ambas recorre ao método das intrigas, mentiras e falsificações para nos acusar de caluniadores. Como de costume, não apresenta qualquer prova do que nos acusa. Como este partido dirige a CSP-Conlutas e tem peso de vanguarda no movimento estudantil, deverá comprovar suas acusações contra uma organização revolucionária ou então mais uma vez ficará ao lado das correntes pequeno-burguesas, sectárias e reformistas de todo tipo que buscam fugir dos debates de idéias, programas e táticas com acusações irresponsáveis. Não seria a primeira vez e esperamos, sinceramente, que seja a última pois esse método não condiz com um partido que se diz trotskista, justo a corrente mais perseguida, caluniada e agredida em toda a história do movimento operário! Contudo, vamos ao debate político.

“Neutralidade”, ou uma firme posição de classe?

Eduardo Almeida inicia sua polêmica afirmando: “A LER-QI divulgou um artigo ‘Nenhum apoio ao repressor Sérgio Cabral nem ao motim dos bombeiros’, no qual assume uma postura de neutralidade no conflito. Em um conflito dessa magnitude, perante a repressão do governo do Rio de Janeiro contra a mobilização dos bombeiros, não existe neutralidade”.

Primeiramente é importante limpar os terrenos de confusões. Não existe neutralidade alguma e a posição da LER-QI no conflito entre os bombeiros militares do RJ e o governo bonapartista de Sergio Cabral não é de maneira alguma neutra, mas sim uma posição de classe. A LER-QI declara firmemente que a vanguarda e os trabalhadores não podem se deixar levar pela “comoção popular” e a falsa consciência de que os bombeiros são “heróis” e “salva-vidas”, não podem se deixar enganar apoiando forças policiais por mais que estas não apareçam no dia a dia como repressores e assassinos nos bairros operários. A realidade com sua participação na ocupação do morro da Mangueira pode ajudar a desconstruir esta visão, ao menos a uma vanguarda contraria ás UPPs. A LER-QI declara firmemente que os bombeiros são policiais militares, conforme o estado, mas sempre forças repressivas auxiliares, denuncia sua vinculação com a repressão e até atentados a bomba na época da ditadura militar. A LER-QI declara que os marxistas revolucionários não consideram os policiais – civis ou militares, que atuem direta ou indiretamente na repressão – como trabalhadores e sim como agentes do Estado capitalista a serviço de impor aos trabalhadores, ã juventude e ás massas a ordem burguesa, com o máximo de violência, se houver resistência. Estamos contra apoiar motins e movimentos de policiais, contra considerá-los e tratá-los como trabalhadores. Em relação ás forças de repressão não há neutralidade alguma: somos pela dissolução de todo o aparato repressivo, portanto estamos contra apoiar e se incorporar ás movimentações policiais e suas reivindicações reacionárias. Mais salários e melhores condições para os policiais significa mais repressão contra os trabalhadores, a juventude e as massas, no presente e no futuro.

Em relação ao governador Sergio Cabral, para quem leia honestamente nossa declaração, ficará nítida nossa denúncia do bonapartismo – autoritarismo e demagogia – deste governante, seu papel reacionário na “limpeza” do Rio de Janeiro para tornar a cidade “vitrine” na Copa do Mundo e nas Olimpíadas. Dizemos sem meias palavras: “Sob seu governo os trabalhadores e a juventude do Rio de Janeiro não podem esperar nada além de repressão, mortes em tragédias anunciadas, e uma precarização generalizada dos direitos de saúde e educação.” O título da nossa declaração não deixa margem a dúvidas ou confusões: “nenhum apoio ao repressor Cabral”.

Como Trotsky explicava, os sectários e os oportunistas (duas faces da mesma moeda) costumam isolar um ou dois elementos da realidade para justificar seu esquematismo tático e político. A direção do PSTU confirma o que diz Trotsky e tenta nos imputar uma “neutralidade” que na verdade seria uma “aliança com a direita”. Em seu esquema oportunista, só haveria dois “lados” (“campos”): com o governo Cabral ou com os bombeiros. Cabral seria a direita e os bombeiros a esquerda. Porém, a realidade não combina com os centristas ou oportunistas e sectários. Quem está com os bombeiros é a direita – Bolsonaro, por exemplo. E o PSTU está nesse bloco. Nós, ao contrário, nos colocamos ao lado dos trabalhadores, no sentido estratégico e não meramente tático (apoiar ou não uma determinada mobilização). E não estamos sós. A diretoria do Sintusp, sindicato combativo que tem como tradição combater a polícia e os órgãos repressivos, acabou de aprovar uma declaração classista contra o apoio aos bombeiros, que são parte dos órgãos de repressão. Ao contrário da manobra sectária e oportunista da direção do PSTU, no caso concreto dos bombeiros do Rio existe uma terceira posição, minoritária, por certo, mas uma posição de independência de classe: nem com os governos nem com os órgãos de repressão. Os bombeiros na invasão policial do morro da Mangueira (no último fim de semana) desmentem a direção do PSTU e seu esquema oportunista, pois os “heróis bombeiros” estão nos morros “limpando” a cidade, ou seja, cumprindo o programa e a política demagógica e bonapartista do governador Cabral. A realidade é a mãe da verdade! E agora, a direção do PSTU convocará seus militantes contra a invasão da Mangueira – onde estão os bombeiros atuando como efetivos repressores – ou se calarão, talvez para não comprometer a “aliança com a polícia”?

Um verdadeiro debate de estratégias

Como até mesmo Eduardo Almeida considera em seu escrito, nossa organização tem a tradição de não se deixar levar pelo falso discurso de que todos os que “recebem salários” são “trabalhadores”. Desde a nossa fundação combatemos essa visão reformista. Buscamos, sempre, não nos deixando levar pelas pressões do “senso comum” ou a exigência de respostas táticas, pois estas resultam em adaptação ao estado burguês e distanciamento das tarefas históricas (estratégicas) do proletariado. A estratégia – constituição de uma classe “em si” em classe “para si” (dirigente), luta pelo poder proletário, destruição do Estado burguês, revolução proletária, insurreição – determina a tática. Sim, são diferenças estratégicas que se expressam na discussão.

Fala-se em seu texto em “estratégia” e mesmo em “tarefas preparatórias”, até mesmo se alude ã ideia de insurreição. Eduardo Almeida tenta vender a idéia de que a política de apoio ã polícia e aos bombeiros seria parte de uma estratégia revolucionária de armamento do proletariado. Porém, involuntariamente, dá demonstrações de que sua política de apoiar efusivamente as mobilizações daqueles setores é fruto do contrário de uma política audaz. Em primeiro lugar é um ceticismo estratégico em relação ã classe trabalhadora, ã sua potencialidade como sujeito revolucionário. A direção do PSTU não acredita firmemente que a classe operária pode sair da atual situação e se transformar em classe dirigente, revolucionária e hegemônica dos oprimidos e explorados. Este é um debate teórico a fazer com este partido e sua tradição morenista que se transformou, no pós-II guerra mundial em corrente centrista que manteve fios de continuidade com o trotskismo principista mas avançou para a revisão da Teoria da Revolução Permanente, inovando com a Teoria da Revolução Democrática (vide debates anteriores).

Trotsky, dirigente do Exército Vermelho, em Aonde Vai a França coloca: “Citando Clausewitz dissemos que a guerra civil é a continuidade da política por outros meios. Isso significa: o resultado da guerra civil depende 1/4, para não dizer 1/10, da marcha da própria guerra civil, de seus meios técnicos, da direção meramente militar, e os 3/4 restantes, senão 9/10, da preparação política. Em que consiste esta preparação? Na coesão revolucionária das massas, em sua libertação das esperanças servis na clemência, generosidade e lealdade dos escravistas “democráticos”, na educação de quadros revolucionários que saibam desafiar a opinião pública oficial e que sejam capazes de exibir diante da burguesia, quanto mais não seja, uma décima parte da implacabilidade que a burguesia exibe diante dos trabalhadores. Sem esta têmpera, a guerra civil, quando as condições a impõem – e sempre terminam por impô-la – se desenvolverá em condições mais desfavoráveis para o proletariado, dependerá em maior medida de acasos; e mesmo em caso de vitória militar o poder escapará das mãos do proletariado”.

Ou seja, antes dos momentos decisivos da luta de classes – enfrentamento entre revolução e contra-revolução, vésperas de insurreições e guerras civis – as organizações revolucionárias devem atuar nos sindicatos e organizações de luta forjando uma consciência e uma prática de armamento do proletariado, com piquetes como destacamentos de combate, grupos de autodefesa e ações contra os grupos fascistas e os órgãos de repressão para garantir as manifestações e organizações proletárias e populares. Tudo ao contrário do que faz a direção do PSTU nos sindicatos e demais organizações onde dirige, pois justamente nesses “tempos de paz” prega, junto com o PSOL e todos os reformistas e pacifistas, que seria “irresponsável” enfrentar os fascistas, a repressão e mesmo organizar piquetes de greves que combatam os fura-greves e os operativos repressores. Não faltam exemplos desta prática pacifista, enquanto se fala em “estratégia revolucionária”. No metrô, em maio, este partido impediu a greve da categoria com argumentos de “responsabilidade” para “negociar”, fazendo coro ao PSOL no argumento de que “a justiça” e o “esquema da empresa” (fura-greves treinados para fazer funcionar o metrô) não “permitem” greves. Por que este partido, que dirige o sindicato, não mostrou “sua estratégia” neste momento, organizado piquetes de combate para garantir a greve metroviária, enfrentando os fura-greves e a repressão? Como os metroviários vão acreditar em suas forças se os seus dirigentes dizem que “não dá pra fazer greve”?

Portanto, o mais difícil é fazer com que a classe trabalhadora retome a confiança em suas próprias forças, e rompa os limites impostos pelo regime, se libertando tanto das amarras impostas pelos “escravistas democráticos”, como enfrentando o aparato repressivo do Estado capitalista. Em outras palavras, como sublinha Trotsky, o essencial é a preparação política do proletariado, não em palavras mas em atos. Isso abre um debate sobre quais são as vias para forjar esta moral no interior da classe trabalhadora hoje, numa situação em que inclusive o que prima não são as tendências revolucionárias.

A direção do PSTU fala em estratégia revolucionária, mas o que mais contribui para forjar a moral revolucionária: a confiança e o apoio dos trabalhadores ás demandas dos motins dos órgãos repressivos do Estado, ou a clara percepção de que a polícia é assassina de trabalhadores, negros e jovens em nome da defesa da propriedade privada? Isso sem falar na educação política revolucionária dos seus militantes. Que moral é necessária para decidir a guerra civil em favor dos trabalhadores quando esta explodir: a que passou toda a situação preparatória, em que a tarefa mais importante da vanguarda é não se deixar arrastar pelo fluxo regressivo, como diz Trotsky, adulando os policiais e não se organizando para enfrentá-los e também aos fascistas e para-militares (que matam impunes no campo e nas cidades), ou a que foi educada na independência de classe e no combate efetivo contra o pacifismo e a não- violência? Que militância jovem será capaz de ganhar a confiança dos trabalhadores e se colocar ativamente ao lado das lutas e dos piquetes: a que faz como a juventude grega, que se enfrenta ã polícia e a denuncia como inimigos de classe, ou a que trata os policiais como companheiros?

O problema das imensas forças policiais que a democracia burguesa degradada do Brasil exibe não é só um problema numérico e de armas para a revolução é um problema da hegemonia proletária sobre o conjunto dos explorados. Sem a incondicional denúncia das forças repressivas e um programa por sua dissolução que confiança a vanguarda do proletariado semeará nos milhões de pobres urbanos pisados dia a dia por estas mesmas forças? Sem este contingente como que é sequer pensável a revolução em um país como o Brasil?

As tarefas do proletariado nacional advêm da situação internacional. Para este partido e sua corrente internacional (LIT) a independência política dos trabalhadores não é estratégica ou um princípio. É o que se pode extrair da posição publicada, e não contestada, num artigo (“Apoio ao povo líbio para derrotar Kadafi! Não ã intervenção da OTAN!”) em seu site, em nome do principal dirigente do PRT-IR do Estado Espanhol (da LIT). Na Líbia, esta corrente, a despeito de estar contra a intervenção da Otan, tem defendido que os governos imperialistas que estão contra o ditador Kadafi façam chegar armas aos rebeldes e ã população. Este partido ensina que é possível derrubar Kadafi com o imperialismo como aliado, negando a estratégia de independência de classe e de que seja o proletariado e as massas líbias que ajustem as contas contra esse ditador, único caminho revolucionário para impor, ao mesmo tempo, uma derrota ao imperialismo e quaisquer desvios “democráticos” que a burguesia internacional busca como saída “segura” (para manter seu domínio) neste país e na região.

Mais uma vez, o proletariado não seria capaz de se auto-determinar e precisaria de “aliados” entre as “forças militares”. Por isso não se fala em sovietes, em armamento geral da população e, significativamente, não se fala em milícias operárias, elementos derivados de uma estratégia revolucionária – insurreição proletária para destruir o estado burguês e suas forças militares, para impor uma democracia de massas, soviética. Nesse raciocínio não existiria contra-revolução. Pelo contrário, Eduardo Almeida acredita que é possível convencer pacificamente o braço da contra-revolução – as forças militares e os órgãos de repressão burgueses – a “passar para nosso lado”. E este “convencimento” se daria lembrando os órgãos de repressão de que “um dia” a CSP-Conlutas, o PSTU e a esquerda “apoiaram” as reivindicações desses agentes da contra-revolução!

Trotsky deixa claro em inúmeros textos, praticamente em todos os mesmos em que trata de revoluções, de situações revolucionárias ou pré-revolucionárias (como por exemplo em Aonde vai a França?, Revolução e Contra-revolução na Alemanha, ou na História da Revolução Russa, entre tantos outros), o papel decisivo que tem a milícia operária – tanto nos momentos revolucionários abertos, quando são o destacamento avançado das massas insurretas, como nos momentos anteriores, para a têmpera e ao mesmo tempo a preservação física da vanguarda proletária. Não é menos claro em afirmar que a principal “tarefa preparatória” nesse sentido, quando não é ainda a de armar diretamente a milícia, são os piquetes de greve e outros destacamentos de combate.

Trotsky, em “Os problemas da tática revolucionária” (escrito em 1921) alertava toda a vanguarda e a classe operária mundial para se prepararem para enfrentar momentos decisivos, de vida e morte, pois a burguesia, apesar de condenada historicamente não entregaria sua condição de classe dominadora se a classe operária não mostrasse todo seu valor e firmeza. “A guerra e suas conseqüências terríveis [...] mostraram ã burguesia o perigo ameaçador da sua perdição. Fato que elevou ao mais alto grau o seu instinto de conservação de classe. Quanto maior o perigo mais uma classe, tal como um indivíduo, tensiona todas suas forças vitais na luta pela sua conservação. [...] A burguesia havia criado e destruído todo tipo de regimes. [...] Toda esta rica e variada experiência, que penetrou no sangue e na medula dos elencos dirigentes da burguesia, serve hoje para conservar seu poder a qualquer preço. Ela age com tanto maior inteligência, fineza e crueldade quanto o perigo que a ameaça é reconhecido pelos seus dirigentes.” Uma das tarefas preparatórias essenciais dos revolucionários é orientar e educar a vanguarda e os proletários de que a crise capitalista mundial e a decadência do imperialismo reservam um futuro de combates mortais e não um tempo de concessões ou reformas graduais. Quanto mais próxima da decadência a burguesia (seu estado e suas instituições) será ainda mais feroz, cruel e guerreira. A vanguarda e a classe operária terá que ouvir: “é preciso que você saiba que vai perecer debaixo das ruínas da civilização, se você não derrotar a burguesia.” No que as táticas do PSTU para os aparatos repressivos contribuem na preparação dessa estratégia revolucionária de Trotsky?

Defendemos as lições da III Internacional em sua época revolucionária e não sua degeneração centrista e depois stalinista

O dirigente do PSTU reivindica as resoluções do II Congresso da III Internacional para justificar o seu apoio ã policia militar alegando ser “uma das condições para a admissão de um partido na Internacional (...) a propaganda e uma agitação sistemática e perseverante entre as tropas” Esquece-se porém de dizer que o Congresso realizou-se em julho de 1920, no período pós-primeira guerra mundial, após o triunfo da Revolução Russa e em meio ã guerra civil de 14 países contra os russos, em que estavam dadas as condições revolucionárias para toda a Europa.

Logo em seguida, o dirigente do PSTU se utiliza do texto “O trabalho militar revolucionário sobre as forças armadas da burguesia, IOSSIF S. UNSCHLICHT” para afirmar que “nas instruções da III existiam propostas concretas de como desenvolver esse tipo de trabalho [conduzir uma agitação sistemática e perseverante entre as tropas]”. Há um outro “pequeno” detalhe deste texto que Eduardo Almeida utiliza como referência (por que não usa Trotsky?). Ioussif neste período era parte da reação burocrática, stalinista, contra a revolução russa. O texto é datado de 1928, ano do exílio de Trotsky, e refere-se em algumas passagens ao VI Congresso da IC. A tradição trotskista, comum a nós e ao PSTU, reivindica a III Internacional até o IV Congresso, ou seja, antes de sua degeneração centrista e depois stalinista. Pulando isto, há coisas interessantes no texto do stalinista e que contradizem absolutamente a linha política defendida por Eduardo Almeida.

No texto de Ioussif aparece uma preocupação que inexiste na estratégia de Eduardo Almeida: a necessidade do proletariado se armar como pré-condição a todas as outras táticas de divisão das forças armadas da burguesia. O autor escreve: “Disso se extrai simplesmente que a preparação da insurreição proletária deve ocorrer não apenas mediante o trabalho revolucionário no interior das forças armadas da burguesia como também através da criação de unidades armadas próprias do proletariado que estejam em condições de se baterem, de armas na mão, com os setores das tropas regulares da burguesia que permaneceram intactos. Não se deve esquecer que, no momento da insurreição proletária, a luta pelas forças armadas há de também ser conduzida com armas.”

Eduardo Almeida, interessadamente, cita apenas partes do texto que interessam a seu amalgama confusionista de que a “estratégia” dos revolucionárias seria “dividir as forças armadas”, para tentar justificar com isso o apoio a todos os motins policiais. Não cita Ioussif quando este afirma que uma tarefa dos revolucionários é desmascarar o “verdadeiro caráter” das tropas regulares da burguesia (polícia civil e militar) para que sejam “execradas pela população”. “Execradas”, não “apoiadas”. Para Eduardo Almeida, e seu esquema, não importa que mesmo este texto da III Internacional determina que o proletariado revolucionário deve considerar, para sua tática em relação ás forças armadas, como segundo critério “os seus métodos de recrutamento”. Ou seja, se os proletários entram “por livre e espontânea vontade” nas polícias ou como “recrutas” (serviço militar obrigatório) no exército. Mesmo o centrista Ioussif desmente Eduardo Almeida ao escrever que as “reivindicações parciais” em favor dos soldados podem ser utilizadas em “situações concretas” mas vinculadas ás reivindicações centrais como “dissolução das forças armadas mercenárias, tropas de quadros e comandos profissionais”, “desarmamento e dissolução da polícia civil, da polícia militar e de outras tropas especiais de guerra da burguesia”, entre outras. Esta parte Eduardo Almeida “esqueceu” de citar, talvez porque desmentiria a “neutralidade”, “pacifismo” e “falta de estratégia” da LER-QI?

Em Um programa de ação para a França, Trotsky exprimia sem qualquer confusão ou jogo de palavras a política revolucionária perante a polícia e o exército (o que já aparecera acima em Ioussif). O próprio título do ponto 10 do programa era “dissolução da polícia, direitos políticos para os soldados”, e terminava afirmando a diferença incontestável entre as tropas do exército e da polícia: “todas as polícias, executoras da vontade do capitalismo, do estado burguês e de suas quadrilhas de políticos corruptos devem ser dissolvidas”, propondo que a classe trabalhadora (e suas organizações) não confiassem nos oficiais nem nas instituições do estado burguês e apenas nas suas próprias forças para garantir que “a execução das tarefas policiais ficará a cargo das milícias operárias”.

“Pequenas manobras”, ou uma definição científica de classe?

Seguindo em seu confusionismo, os autores do texto afirmam: “a LER tenta escapar dessa discussão estratégica, apelando para algumas manobras. A primeira é que, como os policiais não são trabalhadores, é errado apoiar suas greves.”

Estamos realmente surpreendidos que o PSTU, agora, declare em seu artigo polêmico que concorda conosco afirmando que “evidentemente os policiais não são partes do proletariado”. Porém, essa afirmação não passa de uma manobra. Em outro parágrafo reafirma que “vendem sua força de trabalho”, ou seja, “como qualquer outro trabalhador”. Este partido tem, há anos, dezenas de textos explicando que os policiais são “trabalhadores”. Em alguns textos aparece o conceito de “trabalhadores da segurança”. Nos conflitos da luta de classes, quando a polícia vem reprimir, o PSTU é o primeiro a agitar: “você ai parado, também é explorado”. Deste novo conceito revisionista nasce todo o programa e a tática em relação aos aparatos repressivos e a justificação para apoiar os motins de policiais, independente das reivindicações e do sentido que adquiram na situação concreta. Em Revolução e Contra-Revolução na Alemanha Trotsky afirma: "O fato de que os agentes de polícia tenham sido recrutados em grande parte entre os operários social-democratas não quer dizer absolutamente nada. Aqui também a existência determina a consciência. O operário que se torna um policial a serviço do Estado capitalista é um policial burguês, não um operário".

A adaptação do PSTU aos fenômenos, e a separação entre estratégia e tática

As posições defendidas pelo PSTU mostram uma contradição entre a estratégia que dizem defender e suas táticas. A estratégia aqui é sempre uma espécie de “justificativa” para a tática, externa a ela, que por assim dizer como que “redime” os pequenos pecadilhos do dia a dia. Já na tradição marxista revolucionária existe uma conexão propriamente dialética entre esses dois momentos: a estratégia se manifesta concretamente na tática. Não se pode acreditar em nenhuma suposta “estratégia” que não o faça, que não encontre nas táticas concretas as suas “encarnações”. A distinção entre tática e estratégia é uma questão vital para pensar a política do proletariado. Porém se damos a essa separação um caráter mecânico, as táticas rapidamente se transformam numa espécie de vale-tudo, e a estratégia uma cobertura de esquerda que não permite ver o sentido objetivo das ações.

No morenismo, a corrente teórica que o PSTU reivindica, esse vínculo orgânico é rompido, e por isso é possível ir de tática em tática. Essa é a base para que as táticas se distanciem de um caráter revolucionário. No caso atual, isso se expressa em que o PSTU (acompanhado nisso pelo PSOL) escolheu um lado: em nome de “seguir as massas” e a opinião pública se colocaram na linha de frente do bloco em defesa dos bombeiros e de suas reivindicações. Nem sequer olharam ao lado para ver que neste bloco estavam junto com o principal expoente da extrema-direita estadual.

Os bombeiros publicamente chamavam os demais policiais militares, civis e federais a se incorporarem ao movimento, com slogans “somos todos irmãos”. Pouco importava ao PSTU e ao PSOL se entre as principais reivindicações dos policiais-bombeiros estavam: voltar a ser vinculado ã Secretaria da Segurança Pública ou de Defesa Civil, conforme manda a Constituição, já que são policiais militares e não aceitavam continuar trabalhando pela Secretaria de Saúde. Ou seja, enquanto diziam que os bombeiros são trabalhadores eram desmentidos pelos fatos, já que os bombeiros se mobilizavam justamente para ter as mesmas condições que todos os PMs, dobrando seu salário de R$ 1.031 para R$ 2.000. E agora se mobilizam pelo PEC 300, uma reivindicação do conjunto dos “irmãos em armas”. O PSTU os acompanhara nisto como parece indicar o texto “Dilma, Palocci e a volta das mobilizações sociais” de seu presidente nacional, Zé Maria, que consta em seu site?

Um detalhe: os professores estaduais sem nível superior, dirigidos por essas correntes, recebem R$ 610 mensais. Por que estes partidos de esquerda defendem com tanto fervor e disposição que os policiais ganhem o salário mínimo aproximadamente igual ao do Dieese (o que manda a Constituição) mas não são capazes de exigir e lutar firmemente para que os professores, que recebem salários menores que os policiais, tenham o salário do Dieese? Por que a direção do PSTU levou seus militantes e sua juventude a vestir a cor vermelha e a inscrição “somos todos bombeiros” mas em momento algum teve a mesma “ousadia” de fazer valer a inscrição “somos todos professores”?

A importância do debate estratégico

Eduardo Almeida questionou sobre nossa estratégia. Ainda que não possamos tratar de vários temas aceditamos que mostramos, primeiro, que a direção do PSTU não atua sob a concepção que Lênin e Trotsky tinham de estratégia mas em uma particular separação dos meios e dos fins. Trosky em “Stálin, o grande organizador de derrotas”, editada recentemente pela editora deste partido, afirma: “A concepção da estratégia revolucionária ganhou raízes apenas nos anos pós-guerra, e no começo indubitavelmente sob a influência de uma terminologia militar. Mas isto não quer dizer que ganhou raízes acidentalmente. Antes da guerra falávamos apenas das táticas do partido revolucionário; essa concepção era suficientemente adequada aos métodos sindicais e parlamentares então predominantes que não ultrapassam os limites das tarefas e reivindicações do dia a dia. Por concepção tática entendemos um sistema de medidas que servem a uma tarefa corrente ou a um simples ramo da luta de classes. Estratégia revolucionária, ao contrário, abarca um sistema combinado de ações que, juntas, por sua consistência e crescimento, devem levar o proletariado ã conquista do poder.”

Como observa Trotsky, e é facilmente observável olhando somente os títulos de diversos livros de Lênin antes de 1914, falava-se em teoria marxista e tática do partido revolucionário. Foi a grande revolução russa de 1917 e antes dela a de 1905 que fizeram avançar e clarificar a estratégia do proletariado, e como a tática se subordina ã estratégia. Trotsky argumenta em Lições de Outubro que a falta de questionamento sobre a “tática das táticas” – a insurreição – e a preparação do partido para esta tarefa era um sinal de como até 1917 mesmo os bolcheviques ainda tinham muito em comum com a social-democracia e suas táticas parlamentares, sindicalistas e municipais, todas separadas da questão estratégica, que é para Trotsky “apoderar-se do poder”; também explica que, mesmo a III Internacional em seu período revolucionário, ao não debruçar-se detidamente nesta questão, mostrava um desvio.

Este avanço dos revolucionários russos foi produto de sua experiência programática e concreta para apoderar-se do poder desde a sua formação, passando pela revolução de 1905. Mas também do estudo do grande teórico militar prussiano Carl Von Clausewitz, não pelas “questões militares” em si mesmas mas para pensar a estratégia do proletariado. O prussiano havia formulado sua teoria pensando em Estados Nacionais e como constituir sua Prússia em nação dominante da Europa, porém em sua teoria encontra-se uma dialética de meios e fins que os revolucionários não hesitaram em beber criticamente. É dele a famosa frase que a guerra é a política continuada por outros meios. Em sua obra a guerra, ao contrário de todos ditames de sua época, não aparece como um conjunto de equações e geometria de tropas mas composta de perigos imponderáveis, de azar, e antes de mais nada, das forças intelectuais e morais do exército, dos comandantes e seu Estado-maior. Para ele a “estratégia se ocupa do recontro [a unidade de combate, o duelo, a batalha, os aspectos táticos de uma campanha, ou a própria pluralidade de combates que compõem uma tática] mas sua teoria na suas considerações deve integrar o agente desta atividade específica, isto é, as forças armadas em si mesmas e as suas principais relações, sendo o recontro determinado por elas e exercendo sobre elas os seus efeitos imediatos. O próprio recontro deve ser estudado sob o ângulo dos seus resultados possíveis assim como das forças morais e intelectuais que utiliza. A estratégia é a utilização do recontro para atingir a finalidade da guerra [1]”.

Lênin e Trotsky se apoderaram destas definições para medir e preparar partidos para a insurreição, complementado e corrigindo Clausewitz em um aspecto fundamental. Se a guerra é a política conduzida por outros meios, a guerra a ser travada também tinha que expressar uma política de classe do proletariado, daí a famosa consigna “transformar a guerra imperialista em guerra civil revolucionária”. Em nenhum momento as considerações de classe e da política revolucionária do proletariado abandonam o campo de batalha, seja nas táticas isoladas e nem falar em suas mais altas expressões nos combates e guerras.

Em nossos dias, uma das tarefas colocadas é lutar, e não apoiar, contra o aparato repressivo do Estado capitalista. Esta é uma tática que concretiza a tarefa estratégica chave de fomentar o ódio de classe contra as forças repressivas, sendo uma condição fundamental para forjar a independência política da classe trabalhadora contra a burguesia. É justamente neste ponto que nosso debatedor inicia sua polêmica fugindo das tradições revolucionárias. A polêmica está aberta.

  • NOTAS
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  • [1Da Guerra, Martins Fontes, São Paulo: 2003, p. 171

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El año que termina estuvo signado por la mayor conflictividad laboral en más de 15 años. Si bien finalmente la mayoría de los grupos en la negociación salarial parecen llegar a un acuerdo (aún falta cerrar metalúrgicos y otros menos importantes), los mismos son un buen final para el gobierno, ya que, gracias a sus maniobras (y las de la burocracia sindical) pudieron encausar la discusión dentro de los marcos del tope salarial estipulado por el Poder Ejecutivo, utilizando la movilización controlada en los marcos salariales como factor de presión ante las patronales más duras que pujaban por el “0%” de aumento. Entre la lucha de clases, la represión, y las discusiones de los de arriba Construyamos una alternativa revolucionaria para los trabajadores y la juventud

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