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Brasil

Junho: um novo país surgiu das maiores mobilizações em décadas

05/07/2013

Por Val Lisboa

No dia 5 de junho, em evento do Dia Mundial do Meio Ambiente, a presidente Dilma Rousseff, com largos sorrisos, declarava que “Nós mostramos que é possível crescer e preservar, crescer e distribuir renda”. Continuava a cansativa lenga-lenga do período lulista de que o Brasil virara um “modelo”, principalmente pós-crise capitalista mundial (2008).

A imprensa, o governador Alckmin e o prefeito Haddad, e toda a corja política do país tratou as manifestações com o conhecido método da burguesia hostil ao povo: como disse o governador, tratava-se de “caso de polícia”, e a dura repressão foi lançada sem hesitação.

O quarto ato contra o aumento do transporte do dia 13 de junho significou um ponto de inflexão: a brutal repressão com tiros de borracha, gás lacrimogêneo, gás pimenta e pancadaria bestial da polícia assassina de São Paulo que atingiu não apenas manifestantes, mas também jornalistas, foi a “gota que transbordou o vaso”. Depois desse dia o movimento contra o aumento dos transportes ganhou simpatia e adesão de massas no país inteiro. A segunda-feira, 17 de junho, concentrou cerca de 100 mil manifestantes em São Paulo no quinto ato.

Até 21 de junho havia ocorrido manifestações em 438 cidades, reunindo mais de 1 milhão de pessoas. Depois das mobilizações pelas Diretas Já! (1983-84) e o Fora Collor (1992), vimos as maiores manifestações populares. Contudo, diferente das anteriores, que foram mobilizações por demandas políticas (eleições e retirada de um presidente), esta se caracterizou por seu conteúdo “social” – demandas sociais que afligem as diversas classes exploradas –, o que lhe dá uma amplitude e profundidade muito maior na população. O grande protagonista destas mobilizações foi a juventude, principalmente os estudantes, que ousadamente liberaram energias inesperadas, confirmando que os jovens são os “anunciadores” de novos tempos e potencialidades das diversas camadas sociais que vinham de um longo período de “paz social”.

Os governantes e políticos foram surpreendidos, pois se terminava o tempo da “pax lulista” (estabilidade social, consumismo, reformismo social, passividade política e social das massas). O petismo se desmascarava, perdendo seu verniz progressista, e via contestado seu principal papel, o de “partido da contenção social” – garantia de “paz social” para que os negócios capitalistas andassem de vento em popa (Lula não se cansou de gritar que “os capitalistas nunca lucraram tanto na história”). As mobilizações de junho desmascaram o “Brasil-potência”, mostram que o lulismo foi a continuidade do período neoliberal – contrarreformas sociais, privatizações e lucros cada vez maiores para os monopólios capitalistas nacionais e estrangeiros – com uma dose de “projetos sociais” (bolsa família, aumento do nível de emprego - essencialmente precário – e consumo). O verdadeiro Brasil, com sua regressão social agravada desde 1994 com a ascensão neoliberal “tucana”, explodiu nas manifestações que exigiam soluções para o mais caro e pior transporte do mundo, deterioração e roubo dos salários com gastos em saúde e educação, principalmente, produtos das privatizações e da entrega das riquezas nacionais para os monopólios nacionais e estrangeiros. Um país que mesmo com um ciclo de crescimento econômico não revertia a riqueza produzida para as necessidades sociais da maioria da população, mas para os capitalistas e os políticos patronais.

Depois de junho o Brasil não será mais como antes. O país se levantou e trouxe ã tona o falso progressismo do PT, revelando sua submissão aos interesses dos grandes capitalistas e suas relações espúrias com o mais retrógrado da política nacional.

Governo Dilma e os políticos rechaçados procuram salvar a pele e os interesses capitalistas

Surpreendidos, os governantes e políticos buscaram “saídas” que “dialogassem” com as mobilizações das ruas. Com demagogia falava-se em “ouvir as ruas” e “atender” as reivindicações. Dilma lançou um pacto de 5 pontos. No primeiro já deixava claro quem ela “escutava” e “obedecia”: os capitalistas, os detentores dos títulos da dívida pública, os monopólios nacionais e estrangeiros para quem o petismo governa. De cara Dilma anunciou que garantiria a “responsabilidade fiscal”, isto é, antes de tudo buscava tranquilizar os capitalistas de que nada lhe afastaria do compromisso de “honrar” os seus negócios, reservando (superávit primário) recursos para pagar religiosamente os juros da dívida pública (especulação contra as finanças do país para favorecer 20 mil grandes detentores de títulos). A prova de que o petismo, mesmo com as massas nas ruas, não deixará de entregar a riqueza nacional aos capitalistas. Este entreguismo vergonhoso esconde-se como “estabilidade da economia”.

Desde FHC, passando por Lula e Dilma – ciclo neoliberal – o país viu sua infraestrutura privatizada e sucateada. Rodovias, ferrovias, portos e aeroportos viraram plataformas de lucros para empresas nacionais e estrangeiras. E, óbvio, corrupção dos políticos. Faltam metrô, trens e ônibus, enquanto esses governos entregaram o serviço de transporte para algumas empreiteiras e empresas que prestam péssimos serviços e têm garantido taxas altíssimas de lucro.

Para a saúde e educação, os políticos do Congresso (Senado e Câmara) correram para “mostrar serviço”. Aprovaram a toque de caixa 75% dos royalties do petróleo e gás do pré-sal para educação e 25% para saúde. Recursos que não existem, pois o pré-sal começará a gerar receita em 2016.

Para “mobilidade”, o governo prometeu R$ 50 bilhões. Mas Dilma manteve os planos faraônicos pactuados com as grandes empreiteiras e monopólios. O trem-bala (ligando São Paulo ao Rio, via Campinas), para se tornar mais “atraente” aos empresários, terá a taxa de retorno (lucro) aumentada e o governo receberia R$ 30 bilhões, enquanto a concessionária (empresa) que ganhar a licitação receberia R$ 244 bilhões nos 40 anos do contrato. Como sempre, as obras serão bancadas pelo governo e as empresas só terão o trabalho de cobrar tarifas e explorar serviços (g1.globo.com – 02/07). O governo não passa de um “gerente dos negócios” dos grandes capitalistas. Está claro que o petismo e os políticos são rechaçados precisamente porque governam para os capitalistas e ricos, não para a maioria da população. Um governo dos trabalhadores que enfrentasse os capitalistas e governasse com e para o povo planejaria democraticamente (ouvindo a população) um plano nacional de transporte, sob controle de comitês de trabalhadores e usuários, que significaria uma “revolução” na qualidade de vida do povo!

Se somarmos os cargos comissionados no Legislativo e no Judiciário, federal, estaduais e municipais, as mordomias e altos salários dos políticos, juízes, procuradores e as negociatas com os empresários descobriremos muitos recursos que poderiam ser utilizados para as necessidades sociais da maioria da população.

Todas as medidas propostas por Dilma, Senado e Câmara de Deputados, não passam de cortinas de fumaça que pretendem desviar a atenção dos verdadeiros problemas e soluções exigidos “pelas ruas”. Esses políticos fazem demagogia, enganam, mentem.

Para manter tudo como está Dilma propõe reforma política e plebiscito, mas gera crise política

A “grande” manobra de Dilma, para salvar a pele e a reeleição em 2014, foi a proposta de reforma política. O objetivo era mostrar que “ouvia as ruas”, deixando o desgaste político para os parlamentares. Primeiro falou em Constituinte Exclusiva. Com a grita dos políticos (principalmente o vice, Michel Temer) e do Judiciário (Joaquim Barbosa ã frente) que viram nessa proposta um claro risco de não poder controlar a reação do povo, que poderia, mesmo em eleições antidemocráticas, rejeitar a casta política atual, recuou e saiu-se com o plebiscito restrito a temas da reforma política, como se as mobilizações não contestassem justamente as graves falências dos serviços públicos, a carestia deste governo no qual os políticos e apadrinhados roubam recursos preciosos e a corrupção.

Porém, nem o governo e os aliados se entendem, há uma crise geral. Em reunião do vice-presidente Michel Temer (PMDB-SP) com o ministro da Justiça Cardozo e líderes da base governista, na manhã do dia 4, Temer declarou que o plebiscito não aconteceria em 2013, como propôs Dilma. À noite, o vice se desmentiu, atendendo, por certo, a pressão de Dilma, que estava em viagem pelo Nordeste. O PT está dividido sobre esta proposta.

Diante das péssimas previsões de queda do PIB (já se estima em 2%, no máximo), redução do consumo, fuga de capitais (8 bilhões de dólares em junho), desvalorização do real, inflação crescente, menor fluxo de capitais estrangeiros, déficit na balança comercial e nas contas correntes, e vendo cair os índices de popularidade pelo descontentamento popular e incapacidade de apresentar saídas que não sejam as mesmas de sempre – favorável aos grandes monopólios capitalistas, que sangram o país –, a presidente Dilma viverá um longo período de crises políticas e sociais. Faltando 18 meses para a eleição, e nesse quadro crítico, Dilma conviverá com a pressão das “vozes das ruas” e o “fogo amigo” (base governista), principalmente o fantasma do “volta Lula” que já ronda seu sono. Tende a ser um governo “pato manco” – mantém a cadeira governamental mas não “apita” de fato. Essas novas condições políticas abrirão brechas para novas mobilizações e, principalmente, a entrada em cena dos contingentes de trabalhadores que têm suas reivindicações e poder de luta contidos pelas botas dos burocratas sindicais que dominam os grandes sindicatos e as centrais sindicais (CUT, Força Sindical, CTB, UGT).

Dilma “fala grosso” contra as mobilizações, anunciando um giro ã direita para conduzir a nova situação e a reeleição

Se havia dúvidas, se dissiparam com a pressa do governo e do deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP), ex-dirigente bancário da CUT, para aprovar a famigerada “lei antiterrorista”. De autoria do senador evangélico Marcelo Crivella (PRB-RJ), senadores Ana Amélia (PP-RS) e Walter Pinheiro (PT-BA), é uma lei reacionária que nem a ditadura militar chegou a editar. O PT e seus aliados patronais mentem que seria uma lei voltada para os eventos da Copa do Mundo. Mesmo que fosse isso apenas mostra como este governo se curva ás ordens da Fifa e dos grandes monopólios. Mas, assim como em vários países (Chile, Paquistão etc.) as leis antiterroristas são utilizadas contra as mobilizações sociais. O projeto de lei, além de tipificar crimes de terrorismo, com penas de 15 a 30 anos, disciplina “o direito de greve no período que antecede e durante a realização dos eventos, entre outras providências”. Ora, manifestações políticas e greves serão consideradas crime de terrorismo. Até mesmo o deputado Miro Teixeira (PDT-RJ), sub-relator deste projeto, cobra mudanças na proposta apresentada pelo Relator Romero Jucá (PMDB-RR) por “receio de que movimentos sociais, como o MST, possam ser criminalizados”. Com esta lei antiterrorista o PT atende não apenas as ordens da Fifa e dos monopólios capitalistas, mas também dos setores mais reacionários deste país, como o fascistóide Reinaldo Azevedo, da Veja, que depois da brutal repressão policial do dia 13/06 escreveu que “como o Brasil não tem uma lei antiterrorismo, que se aplique contra os desordeiros a Lei de Segurança Nacional, que está em vigência”. Este é a verdadeira face do “progressismo do PT”.

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