FT-CI

Apresentação

Apresentação Panorama Latino-Americano 2

04/05/2006

A América Latina ante os governos “pós-neoliberais”, o começo da experiência com suas promessas e a recomposição do movimento operário

Nestes primeiros meses de 2006 os governos de discurso progressista (Lula, Tabaré ou Kirchner) e nacionalista (Chávez) se somaram ao governo de Evo Morales na Bolívia, de perfil populista e indigenista. Além disso, há pouco as eleições municipais de El Salvador marcaram o ascenso eleitoral do FMLN, no Peru do comandante Humala encabeçou o primeiro turno das presidenciais com uma retórica nacionalista e anti-neoliberal, e no México a figura de López Obrador, do PRD, cresce nas pesquisas.

Assim, no panorama político regional, continua a tendência ao deslocamento dos velhos agentes neoliberais do imperialismo e do grande capital, e sua troca por forças políticas “pós-neoliberais”, que passam a administrar o Estado contendo conjunturalmente os cenários de crise política e luta de massas mais agudas que haviam caracterizado a situação latino-americana nos últimos anos (particularmente, na América do Sul).

Estas possibilidades de contenção relativa nos últimos anos se apóiam não só na expectativa que os governos despertam entre as massas, mas no crescimento econômico regional e a atitude mais “pragmática” que os Estados Unidos parece ter adotado em relação ao subcontinente, sem que tudo isso signifique a absorção das crises estruturais nem uma sólida estabilização regional.

I. O contexto internacional

A conjuntura regional se define numa situação internacional que combina a expansão econômica - ainda que experimentando certa “desaceleração” - com as dificuldades dos Estados Unidos para “construir hegemonia” e outras tensões políticas (ainda que não esteja diante de um esgotamento do ciclo econômico, nem diante de um deslocamento das relações interimpeialistas).

A economia mundial continua crescendo motorizada pelos Estados Unidos, e em menor medida pela China e a Índia - que atraem investimentos, compram equipamentos industral e consomem grandes quantidades de matérias-primas e commodities - apesar do pouco dinamismo da União Européia e Japão. Ainda que a maioria dos analistas prognostique que este cenário se manterá durante este ano e o próximo, não são poucos os elementos de alarme que começam a questionar a possibilidade de prolongar este tipo de crescimento, entre eles: a alta irrefreável dos preços de petróleo - ao que contribuem as dificuldades norte-americanas no Iraque e a crise com o Irã -, os altos níveis de endividameno interno nos Estados Unidos, e o caráter abertamente especulativo que tem a alta do mercado imobiliário neste país e em outros centros capitalistas.

Ao mesmo tempo, é evidente o debilitamento dos Estados Unidos como potência hegemônica, enfrentando um cenário de pesadelo na ocupação do Iraque e sem conseguir estabilizar o Oriente Médio, com disversas dificuldades com seus aliados e com outras potências (como mostra o fato de que os EUA não tenham obtido um consenso até agora entre os membros do Conselho de Segurança da ONU para sua política de sanções ao Irã), e inclusive em seu “páteo traseiro” latino-americano debe tolerar certos tímidos gestos de indisciplina ou resistência a determinadas imposições entre suas semi-colônias.

O imperialismo norte-americano não logra uma saída ã ocupação do Iraque, na qual recentemente - quatro meses após as eleições - conseguiu formar um governo negociado entre as distintas frações, e os enfrentamentos entre curdos, xiitas e sunitas, alimentam o fantasma da guerra civil aberta. Ao mesmo tempo, os EUA enfrentam grandes contradições com o Irã, pois se por um lado aumentam a pressão sobre o programa nuclear iraniano (inclusive com as ameaças de ataques militares), por outro necessitam de um entendimento com o regime do Teerã para articular uma saída no Iraque e estabilizar o conjunto do Oriente Médio, onde a conformação do governo do Hamas nos territórios palestinos tensiona ainda mais o conflito palestino-israelense.

Tudo isso cria maiores fricções nos meios governantes norte-americanos, com o debilitamento do governo de Bush, que encara uma importante queda de sua popularidade nas pesquisas - uma média histórica de 38% em princípios de abril - e renovadas críticas à linha dos neoconservadores, como mostram os ataques ao secretário de defesa Rumsfeld por parte de vários generais aposentados.

Entretanto, o elemento realmente novo no cenário internacional é o desenvolvimento de acontecimentos da luta de classes nos países centrais, como as mobilizações contra o CPE (Contrato de Primeiro Emprego) na França e as manifestações dos imigrantes (sobretudo os de origem latino-americana) nos Estados Unidos. Tais fenômenos, pela sua magnitude e dinâmica, podem chegar a mudar o curso da situação internacional (e que refletimos nas páginas de Panorama Latino-americano em diversos artigos).

Na França a luta contra o ataque ás condições trabalhistas dos jovens que implicava o CPE provocou uma ampla e combativa rebelião juvenil (que havia tido já importantes antecedentes, como o levante das periferias em novembro passado) e permitiu a unidade entre um poderoso movimento estudantil e setores da classe operária, causando uma forte derrota política ao governo. A imprensa francesa não pôde menos que evocar o fantasma de 68, materializando seus temores de que na França se possa desenvolver uma situação de caráter incipientemente pré-revolucionário.
Nos Estados Unidos a aprovação de um duríssimo projeto de lei na Câmara de Representantes, que convertia os imigrantes ilegais em “criminosos” e condenava a prisão a qualquer um que os ajudasse, desatou um processo de mobilização sem precedentes. Isto se deu em meio a divisões sobre a questão da imigração na patronal norte-americana e seus partidos, fazendo fracassar este primeiro projeto e travando outro “de consenso” no Congresso, mas também muito duro.

As mobilizações de trabalhadores imigrantes e jovens foram históricas, chegando a reunir nos dias 9 e 10 de abril mais de um milhão de pessoas de cerca de 120 cidades, mobilizações que continuarão no próximo 1° de maio. Se por um lado enfrentam represálias da patronal racista, por outro, representam o despertar de setores muito explorados num país onde 15% da população são de origem latino-americana e há uns 12 milhões de trabalhadores sem documentos que constituem a camada mais explorada, precarizada e marginalizada. Este é o início de um processo que pode repercutir para a recuperação do movimento operário norte-americano, que vem suportando ataques patronais como no setor automotriz.

Cabe destacar que ambos os processos - na França e nos Estados Unidos - refletem o despertar de novos setores operários e juvenis - em especial, os mais afetados pela precariedade e flexibilidade trabalhista após vários anos de ataques capitalistas sob o programa neoliberal. Isto é um sintoma de novos passos na recomposição do movimento operário, um processo de abarca tanto países centrais como da periferia, tal como podemos comprovar na América Latina.

II. América Latina

A relativa calma na supefície do mapa político regional não implica que tenham se revertido nem as profundas crises estruturais, nem a situação do movimento de massas que nos últimos anos vem protagonizando um amplo ascenso.
Os altos preços que - com alguns altos e baixos - as matérias-primas como o petróleo, a soja, o cobre e outros produtos minerais e agro-industriais obtém no mercado mundial seguem alimentando o crescimento da economia latino-americana (a pouco mais de 4% para este ano), com o que não só se obtém balanças comerciais significativamente positivas, como melhoram conjunturalmente os termos do intercâmbio e paliar o peso da dívida externa e outros mecanismos de saque imperialista - como as remessas de utilidades -, sobre as economias locais. Em uma situação onde todos os setores capitalistas têm bons lucros, e algumas migalhas alcançam as camadas médias, isto acaba amortizando em parte os antagonismos sociais, mas ao mesmo tempo alenta, como se pode ver na Argentina, a recomposição objetiva das forças do proletariado.

Por outro lado, obrigado a concentrar sua atenção no Iraque e no Oriente Médio, e após o fracasso de várias de suas iniciativas, como a de forçar um avanço da ALCA na cúpula de Mar del Plata em fins do ano passado, o governo de Bush parece estar passando a tolerar certos gestos de “indisciplina de seus vassalos” na região, na medida em que não afetam seus interesses fundamentais, sem deixar de pressionar para avançar em seus planos, como os “acordos de livre-comércio” alcançados ou em discussão com a América Central, Colômbia, Peru ou Equador.

Entretanto, ao mesmo tempo, pode se constatar a inconsistência das propostas de “integração latino-americana”, que sem enfrentar o imperialismo e buscando novas associações com o capital estrangeiro, não conseguem superar as rivalidades comerciais e políticas entre seus sócios, como mostra o enfrentamento entre a Argentina e o Uruguai, a crise crônica do MERCOSUL, a desagregação da CAN (Comunidade Andina das nações), etc., desnudando a impotência das burguesias latino-americanas, que ainda que regateiem em torno deste ou daquele aspecto comercial ou político com o imperialismo, não estão dispostas a tocar em profundidade na ordem regional de subordinação semi-colonial.

Os novos governos “pós-neoliberais” têm significado uma mudança do pessoal político, permitindo o acesso ao Estado de setores essencialmente pequeno-burgueses que se apóiam de diversas formas no respaldo do movimento de massas, mas sem mudar os regimes de domínio conformados em duas décadas de ofensiva capitalista-imperialista. Salvo, parcialmente, no caso da Venezuela (onde a “República Bolivariana” expressa o intento de construir um regime distinto) ou possivelmente o da Bolívia (onde Evo Morales tenta redefinir uma “democracia reformada” através da próxima Assembléia Constituinte), em suma, sem romper o estatuto semicolonial nem afetar a propriedade do grande capital local e estrangeiro.

Que este tipo de relocalizações governamentais tenha sido relativamente ordenado e conte com certas margens de manobra em seu trabalho de contenção do movimento de massas se explica também por algumas particularidades do ascenso que a região atravessou nos últimos anos (particularmente na América do Sul).

Os importantes processos de massas, apesar de sua amplitude, que em vários casos alcançaram picos insurrecionais e até derrubaram vários governos (como na Argentina, Equador ou Bolívia), não conseguiram quebrar a continuidade dos regimes existentes e as instituições estatais (como as Forças Armadas) nem se transformar em revoluções abertas, permitindo sucessões constitucionais ou desvios eleitorais. Nestes limites foi fundamental o papel traidor das direções existentes, burocráticas e pequeno-burguesas. O proletariado tampouco pôde jogar um papel central, o que poderia ter aprofundado a dinâmica anticapitalista, antiimperialista e anti-governamental dos mesmos, com métodos e programas mais audazes e facilitando o surgimento de organismos de duplo poder, abrindo a possibilidade de aliança operária, camponesa e popular.

Agora, inclusive num país como a Bolívia, onde começou um processo revolucionário incipiente ao calor da enorme crise nacional e das grandes ações de massas, se atravessa uma fase de experiência com as promessas do reformismo no governo. Mas ao mesmo tempo, pode-se constatar que em vários países da América Latina a classe trabalhadora está protagonizando novos processos de luta e organização, passos sintomáticos no caminho de sua recomposição como classe. No México, a partir da tragédia de Pasta de Conchos, se iniciou um processo de mobilização no importante setor mineiro, com paralisações, protestos e enfrentamentos com a polícia que têm resultado em mortos e feridos, rebelião operária que nossos companheiros do México analisam nestas páginas.

Na Argentina as constantes luta salariais que há meses percorrem diversos setores da indústria e dos serviços, se somaram nas últimas semanas a importantes conflitos dos novos setores terceirizados (como no Metrô) e precarizados (como os telefônicos). No Chile uma importante greve dos trabalhadores do cobre se fez sentir há poucos meses. Na Bolívia a classe operária está dando sintomáticos passos em sua recuperação, com lutas como a do LAB na qual se coloca a questão da nacionalização e a formação de novos sindicatos, inclusive entre os setores mais precarizados dos trabalhadores. Vários destes processos, assim como nossa participação nos mesmos e a política para ajudar em seu desenvolvimento estão refletidos nas páginas deste número do Panorama Latino-americano.

III. Os governos “pós-neoliberais”

Os governos progressistas, nacionalistas e populistas estão cumprindo um papel de “contenção” do ascenso de massas nos marcos do regime burguês e na administração do estado semicolonial com os menores transtornos possíveis. Mas ao mesmo tempo, mostram os limites de projetos que, como ocorre com Lula, não vão muito além de um “reformismo sem reformas” e neste caso, até tenta aprofundar as políticas de corte “neoliberal”; ainda nas variantes de discurso mais radical, como Chávez ou Evo Morales, não tomam nenhuma medida de fundo (nem sequer comparável ao nacionalismo burguês de meados do século XX) dirigida contra o peso do saque imperialista, a situação de miséria das massas pobres do campo e da cidade, nem os brutais níveis de exploração do proletariado. Assim a “revolução bolivariana” de Chávez não rompe com as condições de subrodinação ao imperialismo e se limita a buscar maiores margens para um desenvolvimento capitalista “nacional” (neste número proporcionamos um balanço de 7 anos do governo chavista).

No caso da Bolívia, após três meses de assumir o poder, Evo Morales está confirmando claramente sua política acordo com empresários, latifundiários, e transnacionais e de convivência com o imperialismo, para “associá-los” ao desenvolvimento do “capitalismo andino” (como mostra a nota dedicada ao tema nestas páginas). Por isso, lentamente e ainda que primem as ilusões entre as massas, em alguns setores avançados começa a se desenvolver a experiência com estes projetos reformistas.

Este processo merece a maior atenção, considerando que nesta perspectiva, sob a frágil e relativa calma na superfície, seguem existindo enormes contradições econômicas, sociais e políticas que alimentaram as diversas crises políticas e o ascenso de massas nos últimos anos, e dificilmente a atual conjuntura de contenção poderá se transformar em uma estabilização duradoura, como provavelmente se demonstrará ante uma nova recessão, uma maior pressão imperialista ou novos fenômenos da luta de classes na região ou internacionalmente.

Em outros artigos do PLA se estudam as perspectivas da situação mexicana, ante a proximidade das cruciais eleições nas quais cresce o PRD, assim como a situação brasileira, em torno da experiência com o governo de Lula e os processos de reorganização na vanguarda. Também dedicamos uma nota ã análise do “fenômeno Humala” no Peru.

IV. “Apoio crítico” aos reformistas ou política operária independente?

Pronunciamos-nos contra as estratégias de pressão e “apoio crítico” aos governos e movimentos nacionalistas e reformistas que só contribuir para “embelezar” aos reformistas e confundir a vanguarda, atrasando sua experiência política. Estas orientações oportunistas são praticadas desde setores do Secretariado Unificado ou o lambertismo (como no Brasil diante de Lula), por grupos que como o MST da Argentina apóiam politicamente a Chávez na Venezuela ou ao MAS na Bolívia (e no caso do El Militante até integram um partido burguês como o PRD no México), política na qual recaiu uma corrente formalmente mais ã esquerda como o PO da Argentina (que chamou a votar em Evo Morales e que na Itália defende a capitulação de seus sócios políticos de AMR dentro do Riffondazione Comunista em favor da centro-esquerda de Prodi).

Contra a estratégia de “partidos amplos”, policlassistas e sem definição estratégica que as correntes mais oportunistas do centrismo impulsionam; mas também frente aos partidos formalmente independentes, mas adaptados de maneira centrista aos cenários sindicais, dos “novos sujeitos sociais” e eleitorais, isto é, carentes de estratégia proletária independente, como os que impulsionam setores formalmente mais ã esquerda (como o PSTU ou o PO), defendemos a necessidade de lutar por partidos operários revolucionários com uma política conseqüente pela efetiva independência de classe.

Para isso, uma tarefa fundamental hoje é contribuir no processo de recomposição do movimento operário latino-americano - mesmo quando não há claras tendências ã independência de classe nem ã radicalização em sentido revolucionário - ligando-se aos fenômenos mais avançados e colocando uma perspectiva operária, socialista, revolucionária e internacionalista; intervindo com uma estratégia de auto-organização (soviética, na perspectiva do poder operário e popular); lutando para que os setores mais avançados do proletariado, ao mesmo tempo em que se forjam no caminho da mais ampla independência política em relação ã ordem burguesa, se postulem como “tribuno do povo”, para lutar pela hegemonia operária no seio da aliança com os explorados e oprimidos. Esta luta, que exige que os setores avançados da classe operária façam sua a luta antiimperialista, contra as privatizações e a entrega de seus recursos naturais ao capital estrangeiro, assim como por uma audaz reforma agrária, em direção a que o proletariado possa acaudilhar a luta antiimperialista, põe num lugar preponderante do programa dos revolucionários a luta por uma Confederação de Repúblicas Socialistas da América Latina.

É necessário construir organizações trotskistas sólidas que, inserindo-se na classe operária e forjando-se no marxismo revolucionário, se preparem para se fusionar com a vanguarda operária ao calor de novos combates da luta de classes, e é este o combate de nossa FT-CI, como um destacamento avançado na luta pela reconstrução/refundação da Quarta Internacional como o partido mundial da revolução socialista.

  • TAGS
Notas relacionadas

No hay comentarios a esta nota