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Brasil

A fraca reação de Dilma ao golpe no Paraguai como uma expressão da maior subordinação do Brasil aos EUA

11/07/2012

A fraca reação de Dilma ao golpe no Paraguai como uma expressão da maior subordinação do Brasil aos EUA

Por Daniel Matos, Leandro Ventura

Chico Buarque afirmou em plena campanha de 2010 que o motivo porque votava Dilma era porque com ela o Brasil seguiria uma política externa “que não fala fino com Washington nem fala grosso com o Paraguai e a Bolívia”. Esta definição correu as redes sociais e virou tema de discussão e campanha para vários intelectuais “progressistas” defenderem seu engajamento eleitoral em nome de passos a uma política externa “independente”. Uma grande parcela dos trabalhadores mais politizados no país pensam justamente isto e a definição curta e simples de Chico parece condizer com as aparências das coisas. No entanto, olhando mais detidamente, o músico mostrou-se errado nas duas partes de sua afirmação. A aceitação passiva do “golpe brando” no Paraguai mostra um passo maior de Dilma em falar cada vez mais fino com Washington. E por outro, apesar da retórica, o saque que o Brasil realiza do Paraguai e da Bolívia, seja pelos recursos hídricos ou de gás, não é nada que se compare a não falar grosso; é fazer parte – junto e subordinada aos planos imperialistas – do saque semi-colonial da América do Sul.

Maior ingerência ianque no coração da América do Sul

O “golpe brando” no Paraguai significou um passo importante do imperialismo norte-americano para colocar pedras no sapato dos projetos de integração sulamericana sob liderança brasileira. No coração do Chaco substituiu-se um governo conhecido como “progressista” por alinhar-se com Chávez e demais governos tidos como “progressistas”, mas que também era um governo qu dialogava com o movimento sem-terra e por outro o reprimia– levando a uma verdadeira chacina poucos dias antes de sua queda – por um governo mais aliado com Washington, que seja a cara da velha elite gorila, latifundiária e pró-imperialista do país vizinho. A melhor representação desta elite é o parlamento paraguaio que foi voz ativa contra a Venezuela seguindo os ditames imperialistas, que reconhece Taiwan e não a China como país, que é super-alinhando com Israel em cada pronunciamento sobre o Oriente Médio, que tem enorme integração de suas forças armadas com as forças armadas ianques. Não bastando a base área que os EUA já tinham conquistado no país guarani, este golpe dá um passo maior para criar sérios problemas aos projetos brasileiros que nenhuma ampliação do Mercosul com a entrada da Venezuela consegue mascarar. A liderança brasileira depende de uma aparência de consenso, e os passos que os EUA deram ajudando os latifundiários e outras elites paraguaias ameaça o Brasil, pois justamente em sua suposta “área de influência” há crescentes ameaças de dissenso e não tendências a consenso mais fáceis. Frente a isto já ocorrem numerosos debates em grandes jornais da burguesia brasileira se este não seria o primeiro episódio do fim do Mercosul. Em resumo: a águia, símbolo dos EUA, ganhou maior espaço para seus voos.

A covardia de Lugo

Frente ao golpe de Honduras em 2009, Manuel Zelaya, o presidente deposto, apesar de ter se negado a apoiar-se na mobilização das massas para derrotar o golpe, temendo a ação independente das massas, abriu uma importante crise ao resistir ao golpe, e com a ajuda da embaixada brasileira, instalar-se no país exigindo sua restituição. Frente ao recente golpe no Paraguai, Lugo, diferentemente, aceitou passivamente o golpe, desestimulando qualquer forma de mobilização contra o mesmo, inclusive de mobilizações controladas como forma de pressão para algum acordo. Essa postura de Lugo, indubitavelmente, contribui par o curso de estabilização do golpe.

Dilma responde ã ofensiva do imperialismo com palavras e gestos impotentes

Apesar da covardia de Lugo, os governos ditos “progressistas” da América do Sul, em especial o Brasil pelo papel destacado que cumpre, não estavam obrigados a aceitar de forma tão passiva a consolidação de uma maior “cabeceira de praia” do imperialismo norte-americano no coração do cone-sul. Se assim o fizeram, isso apenas demonstra como sua aparência “progressista” é uma casca vazia que cai por terra frente a qualquer investida real do imperialismo ianque. Para além dos pronunciamentos de desaprovação ao golpe – do Brasil bem mais tímidos ainda que dos demais países do subcontinente – tanto a suspensão provisória do Paraguai no Mercosul como a incorporação da Venezuela no mesmo são medidas completamente impotentes para fazer frente ao golpe.

O único tipo de medidas que realmente poderiam ser uma resposta ã altura – como por exemplo a ruptura de relações diplomáticas com o Paraguai e os EUA, o boicote comercial aos EUA, o encabeçamento de uma campanha internacional de repúdio ao golpe ou a mobilização de massa no Brasil com esse conteúdo – não fazem, nunca fizeram nem nunca farão parte do rol de medidas das classes dominantes brasileiras e de um governo que apesar de ter influência nas organizações do movimento de massas utiliza essa influência a serviço dos interesses dominantes completamente dependentes do imperialismo. O Itamaraty ergueu a voz contra o golpe para admitir que reconhecerá quem emergir do golpe daqui a um ano ou dois. O mesmo já havia acontecido com Honduras onde o Brasil não reconheceu o golpe mas o filho do mesmo....

Honduras é um país distante, marginal aos interesses brasileiros, já o Paraguai é bem mais importante para sua liderança na América do Sul, compartilha Itaipu que abastece o Brasil com grande parte de sua energia elétrica, tem poderosíssimos latifundiários brasileiros (“brasiguaios”), tem intenso comércio com o Brasil, empresas e capitais de empresas brasileiras investidas no Paraguai de pequenas fábricas a grandes interesses na construção civil e mercado imobiliário. O Paraguai é historicamente muito importante para o Brasil, diferente da distante Honduras. E para marcar mais diferenças, no caso do golpe hondurenho, o Brasil adotou táticas muito mais significativas, como abrigar Zelaya em sua embaixada.

Por que o petismo também se acovarda?

Diferente da distante Honduras, o que ocorre no Paraguai não tem importância só geopolítica e comercial ao Brasil: tem importância na luta de classes. Um dos motores fundamentais do golpe foram os conflitos agrários e a posição dos latifundiários, com destaque para os “brasiguaios” golpistas. Dar corda a resistência – que Lugo não encampou mesmo com todos os limites que o fizera Zelaya em Honduras – ameaçava balançar os estados vizinhos no Brasil. A resistência paraguaia teria forte peso de movimentos camponeses e por terra. Os estados vizinhos e próximos do Paraná, Santa Catariana e Rio Grande do Sul são berços históricos do MST. O problema da terra atravessa as fronteiras. A força dos latifundiários “brasiguaios” e suas relações com o imperialismo e latifundiários brasileiros idem. Este é o primeiro motivo de porque o Brasil de Dilma foi “àdireita” do Brasil de Lula. O governo brasileiro teme a possibilidade de que ondas de mobilização e ocupações de terras no país vizinho contaminem seus irmãos brasileiros e desestabilizem a “pax lulista”.

Mais importante que o temor da luta de classes é um caminhar sustentado no tempo de Dilma em ter uma política externa mais alinhada com Washington.

Silenciosamente, com poucos sinais em voz alta, fora o deslocamento de Amorim para colocar um embaixador notoriamente bem quisto por Washington (Patriota, de caráter mais técnico e menos personalidade que Amorim, ainda que este último também era extremamente elogiado pelas agências de propaganda imperialista) e distanciamento com o Irã, Dilma operou uma transformação na política externa em relação a Lula. Frente aos novos cenários mundiais com a disputa EUA/Alemanha, Dilma buscou utilizar a mesma retórica “contra os ricos” de Lula porém focando-se nos que aplicam medidas recessivas como Merkel. As “indelicadezas” para com a anfitriã alemã em reunião bilateral na Alemanha foram a maior expressão disto, servindo para alimentar os discursos inflamados dos petistas “de esquerda” que advogam em favor de que o Brasil de Lula e Dilma fosse o paladino de uma política externa “mais independente”. O alinhamento de Dilma com Washington é maior que o de Lula, o qual expressou distintos momentos de maiores divergências com os amos do norte , como frente ao golpe de Honduras e o cerco ao Irã, apesar de manter o alinhamento estrutural e o pragmatismo econômico.

O alinhamento de Dilma com a política “neokeynesiana” de Washington para a União Europeia está em função de que, para a economia brasileira, um aprofundamento da dinâmica recessiva na Europa - ou eventualmente a possibilidade de um novo Lehman Brothers com a quebra de algum banco importante ou a quebra de algum país com sua saída do euro – teria consequências internas mais drásticas ou até mesmo catastróficas; sendo que, por outro lado, uma política de estímulo ao crescimento econômico por parte da Alemanha, por mais que empurre para frente e acumule as contradições aberta com o endividamento dos estados, daria maior tempo e margem de manobra para o governo brasileiro lidar com a crise mundial. Este posicionamento tem levado setores influentes do establishment norte-americano – como Hillary – e meios de propaganda imperialista – como Economist e Financial Times – a ser muito elogiosos de Dilma e seu governo. Por hora, sem o acelerar de contradições internacionais que façam esta disputa por quem deve abrir o bolso para reestruturar as finanças mundiais se desdobrarem como disputa inter-imperialista mais aberta, Dilma consegue, mesmo com esta alteração, parecer continuadora da mesma política externa que Lula, que na verborragia era “sul-sul”, mas defendia interesses dos imperialismos (e também dos Odebrecht e outros grandes burgueses nacionais que tem grandes negócios na América do Sul).

Com estes passos de maior alinhamento com os EUA não excluímos numerosas divergências que poderão e seguramente surgirão, nem que o Brasil não jogue inúmeros forcejos para que sua submissão saia mais cara. Mas são jogos de submissão e seus preços e não passos a “não falar fino com Washington”.

O discurso reacionário dos tucanos

O temor aos sem-terra e aos setores mais pró-imperialistas do Brasil não são grandes temores do governo Dilma, pois o MST segue em grande parte cooptado e a oposição burguesa enfraquecida. O PSDB tenta localizar-se com esta investida do imperialismo no continente reconhecendo o governo Franco e entrando na justiça contra a exclusão do Paraguai do Mercosul para....impedir a entrada da Venezuela. Desta forma, setores do tucanato, ainda que contrariando interesses da grande burguesia nativa e estrangeira instalada no páis, que já há tempos vem cultivando polpudos negócios com o país dirigido por Chávez, buscam ocupar um espaço ideológico mais ã direita nas classes médias brasileiras. Longe de qualquer ideologia de “esquerdização do Mercosul”, a incorporação da Venezuela, pelo menos até o presente momento, responde muito mais ao fato de que um país dependente da importação de quase tudo menos gasolina é vista como bem lucrativa.

Por uma política de independência de classe para enfrentar o golpe

É aqui que a política de “volta Lugo” na boca do petismo “de esquerda”, orgulhoso do palavreado de “sua” presidente, mas exigente de medidas mais contundentes, mostra a falácia de seu conteúdo. Para além do ridículo de defender a “volta” de um presidente que não deu nenhuma demonstração de vontade de resistir ao golpe, o petismo de esquerda, para se manter ã sombra de Dilma, se vê obrigado a renunciar a qualquer uma das mais elementares medidas de solidariedade de classe internacional com os irmãos trabalhadores e sem-terras que foram vítimas da direita golpista no país vizinho. É quando um governo dito “de esquerda” se transforma em patriotismo chauvinista. Pois não defender a expropriação das terras dos latifundiários brasilguaios para efeitos de reforma agrária, a nacionalização dos capitais brasileiros no país vizinho sob controle dos trabalhadores paraguaios esta esquerda do petismo acabando ignorando a espoliação brasileira. Defendemos que esta expropriação seja obra da luta da própria classe trabalhadora e das massas paraguaias. Qualquer medida elementar de solidariedade entre os povos da América do Sul, como esta mesma esquerda freqüentemente fala para significar somente um aplauso ao Itamaraty, passa pela expropriação do conjunto de interesses ianques e de outros imperialismos bem como das grandes empresas e latifundios de grandes burgueses dos “países irmãos” em todo o continente realizada pela mobilização independente da classe trabalhadora de cada país. Este programa no caso do Paraguai é parte de sua luta para expropriarem o conjunto dos capitais imperialistas e realizarem o que sua burguesia subserviente aos EUA não pode realizar, sua efetiva independência nacional. Para coroar seu chauvinismo, este mesmo petismo de “esquerda” sequer defende uma medida muito mais elementar como a revisão do contrato de Itaipu para atender as demandas mais sentidas da população mais pobre daquele país é o mesmo que defender a continuidade dos interesses de espoliação das classes dominantes brasileiras sobre o Paraguai.

Para ilustrar esta relação vale a comparação do que o Brasil paga por Itaipu ao Paraguai e ao estado brasileiro do Paraná em forma de royalties, em toda a história foram pagos US$ 3,8 bilhões ao país vizinho, e por outro lado US$ 4,1 bilhões aos municípios paranaense e a este estado, sendo que teoricamente tudo é 50% para cada lado nesta represa(1) . Para completar as relações de espoliação em torno desta hidréletrica, a energia excedente que é comprada do vizinho – mesmo após o aumento ocorrido no governo Lugo e denunciado por tucanos e setores burgueses brasileiros por sua aceitação por Lula – é das energias mais baratas que se consegue no Brasil, US$ 24,30 o MW/h por mês, e para arrematar a opressão o Paraguai quase não vê um centavo deste dinheiro pois deve honrar dívidas com o estado brasileiro pela hidrelétrica.

É nesse marco que reafirmamos que apenas a mobilização independente das massas paraguaias em aliança com seus irmãos explorados e oprimidos do Brasil e toda América do Sul pode ser capaz de fazer retroceder essa avançada direitista e imperialista. Na CUT, no MST, nos sindicatos, nas organizações de direitos humanos, entre os setores da esquerda anti-governista ou até mesmo entre os setores da chamada “esquerda petista”, qualquer um que queira combater o golpe consequentemente, deveria romper com a política chauvinista e subserviente ao imperialismo adotada pelo governo Dilma e lutar pela mobilização independente das massas contra o golpe, levantando demandas que combatam o papel de espoliação que as classes dominantes brasileiras exercem sobre o país vizinho. No caso de surgimento de algum movimento de massas pelo retorno de Lugo, apoiaremos o direito de nossos irmãos trabalhadores e sem-teras paraguaios de terem restituído o presidente que elegeram através do seu voto. Entretanto, esse apoio estará ligado à luta para as massas confiem apenas em suas próprias forças se querem de fato derrotar o golpe, denunciando a política conciliadora de Lugo, que leva inevitavelmente ã capitulação. Lutaremos para que liguem a luta contra o golpe ã defesa de um programa mais amplo de resolução de suas demandas mais sentidas, o que as levará a chocar-se com Lugo e perceber a necessidade instalar um governo das massas proletárias e oprimidas, baseado em organismos de autodeterminação, para que sua energia revolucionária não seja expropriada e utilizada para manter o status quo como ocorreram nas várias jornadas revolucionárias que atravessaram a América Latina no início dos anos 2000.

Notas

1. Informações da página web da “Itaipu Binacional”, seção royalties.

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