FT-CI

América do Sul: na tormenta

A crise e as perspectivas estratégicas na região

18/05/2010

1. INTRODUÇÃO

A nova crise econômica internacional já se apresenta como a mais grave retração desde a Grande Depressão dos anos 30 e abre uma crise capitalista de caráter histórico que começa a perturbar as relações de forças que moldaram o mundo dos últimos trinta anos, anos da grande ofensiva do capital e do imperialismo e da "restauração burguesa". Esta crise está desatando as condições para uma profunda ruptura do equilíbrio na economia capitalista nas relações sociais e nas relações interestatais, o que obviamente terá enorme impacto sobre a periferia semi-colonial.

A América Latina e a América do Sul estão altamente expostas aos golpes da crise, apesar do crescimento dos últimos anos. Na verdade, a crise é o fator mais convulsivo da situação atual e abre uma fase de crise histórica. A América Latina não pode se preservar das convulsões econômicas mundiais nem manter a precária estabilidade política. A burguesia e o imperialismo também não podem descarregar a crise sobre as massas operárias, camponesas e populares da região sem enfrentar uma feroz resistência.

A combinação entre debilidade do domínio imperialista; crise econômica; crise social e agravamento da situação dos trabalhadores e do povo em geral; desestabilização política; a resistência operária e popular produto do rico processo político e de luta de classes durante mais de uma década; configuram um quadro explosivo que empurra o recrudescimento da luta de classes e muito provavelmente a novas situações pré- revolucionárias e revolucionárias nos próximos anos.

2. Crise capitalista, declínio da hegemonia e "desordem" regional

A combinação entre a crise econômica - que tem seu epicentro nos Estados Unidos, onde já adquiriu caráter recessivo e pode se transformar em depressão - e a debilidade política no plano doméstico e internacional do imperialismo norte-americano aceleram e aprofundam o declínio da hegemonia mundial dos Estados Unidos da América, causando aumento da tensão entre as potências imperialistas, e destas com sua periferia dependente e semicolonial em torno da distribuição dos custos de uma crise prolongada e que pode ser catastrófica.

Este cenário trará inevitavelmente conseqüências para a crescente perda de controle político de Washington sobre as Américas (que, aliás, nos últimos anos tem sido uma das condições de erosão da sua posição hegemônica), para o quadro comercial e monetário dos países da região, e para a autoridade do imperialismo e suas instituições financeiras na hora de impor seu domínio financeiro.

O governo de Obama, tendo ã frente pesadas dificuldades econômicas e políticas, tanto internas como "geopolíticas" pode tentar um discurso mais acomodando em sua política externa para a região, na tentativa de lavar o rosto do imperialismo com gestos como o fechamento de Guantánamo e outros, adaptando-se a condições internacionais nas quais a linha "dura" tentada por Bush e pelos "neoconservadores" falhou.

No entanto, é evidente que a linha do novo governo norte-americano para a América Latina não deixará de defender seus interesses econômicos, financeiros, políticos e militares estratégicos sobre o sul do Rio Grande, como fizeram os seus antecessores no panteão Democrata (como Kennedy com a Aliança para o Progresso, ou na Baía dos Porcos, e do início da invasão ao Vietnã).

Por agora, para além das definições sobre o novo governo que vai chegar nos próximos meses, é provável que a América Latina continue a ser uma peça internacional secundária para um EUA concentrado nos enormes problemas econômicos, e no pântano político e militar do Iraque e Afeganistão, além dos temas que abarcam as relações com a Europa e Japão, e ã necessidade de contenção da Rússia e da China. No entanto, a crise significará um endurecimento das pressões imperialistas para obrigar a América Latina a "honrar os seus compromissos" financeiros, respeitando a "segurança jurídica" das operações e, finalmente, aceitar uma parte dos pesados custos. Isto pode tornar-se um fator explosivo de desestabilização no processo de crise de ordem semicolonial e regional, e quando elas começam a expressar uma maior rivalidade interimperialista, o posicionamento das "potências emergentes" e crescentes tensões regionais, sobre o pano de fundo das turbulências econômicas, sociais e políticas que agitam o mapa regional e incentivam o desenvolvimento de novas crises nacionais.

O peso do capital estrangeiro e a desordem semicolonial

O processo de subida das economias latino-americanas pelas transnacionais, que se aprofundou em meados dos anos 90, permitiu-lhes atingir um enorme peso financeiro e de controle dos setores mais dinâmicos e rentáveis produção, o que lhes permite captar a cereja do bolo na riqueza nacional. No entanto, as condições específicas dos primeiros anos deste século têm impedido que o peso colossal do capital estrangeiro venha acompanhado por um aprofundamento simétrico do domínio político imperialista.

O enfraquecimento da hegemonia dos Estados Unidos, concentrados na ocupação do Iraque e de outros problemas internacionais, se expressou na região com o fracasso do projeto da ALCA, ao calor de uma nova correlação de forças criada pelo ascenso das massas e pela série de derrotas dos governos mais pró-imperialistas, como os de Bucaram, Sanchez de Losada, De la Rua ou o presidente Alberto Fujimori. A debilidade dos EUA sob as novas relações de forças regionais facilitou a negociação e a "indisciplina" de alguns governos locais, abrindo maiores margens de manobra que levaram em alguns casos a medidas semi-nacionalistas, destinadas a recuperar certo grau de controle estatal e manter a maior parte do "excedente" para a acumulação local, como na Venezuela, Bolívia e Equador acerca dos hidrocarbonetos.

Embora o avanço imperialista se limitasse parcialmente, o novo ciclo do crescimento permitiu um aumento de "excedente" a ser repartido, a expansão de alguns grandes grupos capitalistas nacionais, e um alívio temporário da chantagem financeira que o capital estrangeiro poderia exercer. Agora, credores internacionais, multinacionais e governos imperialistas não podem faz outra coisa senão aumentar suas exigências para fazer com que os trabalhadores e povos da região paguem o custo da crise que, nas atuais relações de forças e frente essa debilidade hegemonia, pode levar a que se abram fissuras na ordem semicolonial e que se potencializem processos de mobilização antiimperialista.

Como pano de fundo destas contradições, pode ser caracterizada uma crise de ordem regional pela qual os EUA administravam historicamente o relacionamento com suas semicolonias latino-americanas, relação expressa no âmbito da OEA, TIAR e outras instituições. Nas relações de força mais amplas que se seguiram após a desintegração do "Consenso de Washington", a ascensão das massas na primeira metade do século, e com a derrota de governos neoliberais em diversos países, é evidente que os acordos com Washington já não podem ser abordados como nos "velhos tempos". Mas ainda não se conseguiu encontrar uma nova forma, o que leva a constantes discussões, uma fluida desordem nas relações interestatais locais e fenômenos de distintos tipos:

• Com a longa ocupação militar do Haiti sob pretextos "humanitários e democráticos" e com mandato da ONU os governos da América Latina procuram demonstrar a sua capacidade de agir sem a necessidade de intervenção imperialista direta.

• A constituição da União de Nações Sul-Americanas (UNASUR) visa "atualizar" as instituições regionais com maior "autonomia de gestão" diplomática, que reflete os novos termos gerais. A intervenção "moderadora" da UNASUR na crise boliviana de setembro de 2008 viabilizando os pactos com a direita mostra seu papel reacionário sob uma fachada democrática e "sul-americanista".

• As discussões sobre como redesenhar as instituições regionais refletem as aspirações do Brasil em se estabelecer como um "líder regional" e "parceiro" em relação a Washington. O Brasil, apesar da sua dimensão, é um país dependente e interligado por laços semicoloniais (mesmo que estes laços sejam muito menos estreitos do que aqueles que possuem os países mais débeis), que se posiciona como parte das "potências emergentes" que procuram uma melhor margem de negociação com o imperialismo. Esta posição não tem nada de progressiva (como dizem diferentes sectores nacionalistas e reformistas); pelo contrário, como mostra a pressão sobre o Equador para defender a Petrobrás, os exercícios militares na represa e Itaipu na fronteira com o Paraguai, e os esforços da Lula na crise boliviana, o Brasil está a serviço da estabilidade semicolonial e dos negócios capitalistas.

• Em meio ao "sul-americanismo light" pragmático e atravessado por muitas contradições que a crise econômica agrava, como acontece no MERCOSUL, o pólo mais abertamente pró-imperialista está em crise, representado por Uribe (apesar do seu posicionamento agressivo como agente militar dos EUA.) e Alan García; e a tentativa de construir um "Arco do Pacífico" se enfraquece, do México ao Chile, economicamente neoliberal e politicamente pró-ianque. Mas também não consegue consolidar-se como uma alternativa de peso ã ALBA "bolivariana". Além das iniciativas isoladas (como o Banco do Sul ou a sugestão de criar o "Sucre" como uma moeda regional) e voluptuosas declarações, está limitada por compromissos com os interesses burgueses de cada país, o curso moderado de Chávez e os seus aliados como Evo Morales; e a discreta oposição de Lula ás burguesias maiores da região a todo alinhamento que signifique maiores atritos com Washington.

Rivalidades interimperialistas e "potências emergentes" no cenário sul-americano

As crescentes diferenças econômicas e políticas entre os Estados Unidos, as potências européias e o Japão, e secundariamente a busca por maior influência econômica e política internacional da Rússia e da China, podem ganhar amplitude e serem fatores de maiores perturbações regionais no próximo período.

Nos últimos anos, a concorrência entre os principais imperialismos na América do Sul foi amortecida por uma série de razões: o crescimento oferecia oportunidades para todas as transnacionais; a região desempenhava um papel menor em termos geopolíticos, e enquanto os Estados Unidos concentravam seus esforços nas relações com a Europa e a Ásia e se afundava até o pescoço no Iraque e no Afeganistão, a UE privilegiava sua própria construção e implantação na Europa Oriental. Na América do Sul, enquanto a Europa se manteve com uma política própria sobre questões como a Colômbia, Cuba, etc., e nunca abandonou as possibilidades de explorar as dificuldades dos EUA visando garantir sua própria influência econômica e política, um foco importante foi a defesa dos interesses imperialistas comuns antes de qualquer questionamento de suas transnacionais, como mostrado o papel da Espanha na Venezuela e em outras situações.

A nova situação internacional representa uma aceleração dos conflitos inter-imperialistas também na região, o que pode fazer com que haja maior tensão, dada a importância dos interesses europeus na América do Sul (especialmente Brasil e Cone Sul) e da relativa debilidade do controle dos EUA em comparação México, América Central e do Caribe (por exemplo, apenas 15% das exportações brasileiras são destinados aos Estados Unidos).

Muitas das principais transnacionais alemãs, inglesas ou francesas têm grande interesse no Brasil, Argentina, Chile, Colômbia, etc., considerando que, para o imperialismo espanhol –que na década de 90 fez uma forte implantação regional - seus assuntos sul-americanos são vitais. O atual profusão de negociações entre a UE, o Mercosul e os países andinos busca selar laços comerciais mais estreitos, interferindo de fato nos interesses dos EUA. Na disputa pelos mercados e parcerias sobre o mapa regional buscaram apoio dos governos e atores políticos contra os seus rivais.

O posicionamento das "potências emergentes" também se expressa, conforme mostra o próprio Brasil apoiando-se no BRIC, - juntamente com a China, a Rússia e a Índia – uma política para pechinchar um lugar ao lado das potências imperialistas, como se mostra pela reafirmação no G-20 dos "princípios do mercado, livre comércio, regimes de investimento e os mercados financeiros regulamentados de forma eficaz." Existe uma importante presença comercial chinesa como um forte comprador de soja e minerais, crescentes exportações e alguns investimentos; e por outro lado, as incursões das grandes vendas de armas russas para a Venezuela (a visita no início de dezembro de uma frota russa ã Venezuela foi um gesto significativo).

Estes são elementos secundários, mas não negligenciáveis nas manobras diplomáticas, os atritos com Washington e os regateios e realinhamentos regionais; pois podem gerar fissuras e contradições que façam com que alguns países da região se vejam tentados em utilizar, para ampliar suas margens de manobra frente os Estados Unidos.

"Integração" ou "desordem"?

O recente confronto entre Brasil e Argentina sobre a política comercial, uma vez mais, volta a trazer tensões ao Mercosul, sendo uma indicação de que, apesar do entrelaçamento dos negócios e interesses em nível regional durante os últimos anos, no momento da recessão será marcado inevitavelmente por uma mesquinha defesa do "mercado" para cada burguesia nacional associada aos capitais estrangeiros que operam em seus territórios.

O desenvolvimento da crise mina aceleradamente as tímidas tentativas de integração econômica regional, desde o Mercosul e o CAN até a ALBA, que têm como denominador comum permanecem na área de colaboração com o grande capital nacional e estrangeiro. Os representantes políticos das burguesias nacionais não podem efetivar a união econômica e política da América do Sul, ainda que esta se torne objetivamente mais importante para o impacto da crise.

A "desordem" regional já se expressa em vários atritos bilaterais de distintos tipos, como por exemplo, entre a Colômbia, Equador e Venezuela; Peru e Chile, Brasil e Equador, Brasil e Argentina, ou Argentina e Uruguai. Não devemos excluir a re-emergência de confrontos militares, como os que se deram entre Equador e Peru em 1995, e a recente agressão pelo exército colombiano em solo equatoriano. Estados da região estão pressionados entre a decisiva dependência econômica, financeira, política e militar do imperialismo, e a tentação de experimentar um certo grau de resistência ás suas mais brutais imposições, negociando a asfixiante parte dos custos da crise que o imperialismo, os credores e as transnacionais exigirão. Portanto, não podem ser descartados movimentos defensivos, ainda que limitados frente ao capital estrangeiro.

"Algumas conclusões"

Esta situação regional nos revela importantes advertências: em primeiro lugar, o imperialismo não vacilará em impor as suas políticas econômicas e estratégicas, e isso mesmo que a sua atual debilidade torne difícil desferir grandes ofensivas, em longo prazo é possível que tente recorrer a uma intervenção mais agressiva, e a "provocação" que significa a reativação da Quarta Frota da Marinha dos EUA é um exemplo disto. Em segundo lugar, que UNASUR e outras instancias regionais defenderão o status quo burguês mesmo com intervenções militares, frente a novas crises nacionais agudas ou irrupções revolucionárias, podendo testar o Brasil, Colômbia e outros países, em desempenhar o papel de "policias regionais".

Finalmente, qualquer ilusão na possibilidade de que no momento da crise, os governos nacionalistas possam conduzir a resistência ao imperialismo ou fazer um "bloco comum" para isso, choca-se com as provas dos limites do governo de Chávez, Correa e Evo Morales (para não remetermo-nos ã abundante experiência histórica). Sua função tem sido a de canalizar a resistência das massas contra a inserção imperialista para projetos de conciliação de classes e de colaboração com o capital nacional e estrangeiro que frustram todas as expectativas populares.

Contra isto, é imprescindível a essencial revalorização da luta antiimperialista que exige da classe trabalhadora que tome em suas mãos e com seus métodos de luta a tarefa da expulsão do imperialismo e a luta pela unidade continental (tarefas que só podem ser resolvidas através da ação revolucionária, com o estabelecimento de governos operários, camponeses e populares que coloquem de pé uma Federação das Repúblicas Socialistas da América Latina).

3. Até a recessão

Até a poucos meses foi popular a tese oficial do "descolamento" das economias nacionais em relação ás dificuldades dos EUA, que se dariam graças ã diversificação do comércio externo e do "escudo" financeiro, que garantiriam suportar os choques da crise, apoiando-se nos "recursos próprios", as grandes reservas monetárias, o menor peso percentual da dívida externa e uma boa receita. A chegada da crise tem desmoronado essas ilusões. Em um país após o outro começa a manifestar a desaceleração do crescimento, mercados acionários em colapso, fuga de capitais, o declínio das exportações, a produção e o emprego, desequilíbrios cambiais, financeiros e fiscais. Agora, aos governos "progressistas" não resta mais nada do que reconhecer que não existe tal "imunidade" e desculparem-se de que "a crise vem de fora", para justificar as dificuldades crescentes, como se o impacto da crise fosse um elemento exterior ás economias nacionais, visando diluir o caráter "sistêmico" que a crise tem.

A crise do capital que se expande a partir do coração do sistema, com o seu epicentro nos EUA, é também uma crise do capitalismo semicolonial latino-americano. As economias nacionais são apenas uma parte subordinada a essa realidade superior, a economia mundial dominada pelo imperialismo, cuja a sua densa trama tem entrelaçado ainda mais o ciclo da internacionalização do capital que tem sido chamado de "globalização".

Na dialética entre os elementos "exógenos" e "endógenos" no funcionamento das economias locais a prioridade é para a totalidade, ou seja, o capitalismo tomado como sistema mundial. Isto não nega, mas pressupõe a especificidade da "parte", como uma sub-totalidade diferenciada dentro do "todo", de modo que a dinâmica da crise na periferia do sistema adquire características e ritmos próprios.

Depois de décadas de "abertura" e "esforço exportador" para adaptarem-se ã "globalização", as economias latino-americanas são ainda mais dependentes dos caprichos dos mercados internacionais. A dependência dos fluxos de capital estrangeiro, os níveis elevados de endividamento e o atrelamento ao dólar, os tornam altamente vulneráveis aos choques financeiros internacionais.

Os principais motores da crise "sistêmica" são: sobre-acumulação de capitais, esgotamento dos mecanismos de super-expansão de capital fictício e colossal endividamento para bombear o dinamismo nas décadas de neoliberalismo, atuando e se combinando com as contradições próprias das economias atrasadas, dependentes e semicoloniais, para adquirir um caráter geral mais explosivo, volátil e propenso a catastróficas quedas (como demonstrado pelo colapso da conversibilidade na Argentina em 2001).

Se a crise tem demorado um pouco para bater com força, graças ã inércia do recente crescimento, é devido também em grande medida a fatores mundiais, como o auge das matérias-primas. Este fenômeno se refere, em última instância, a um subinvestimento histórico no setor, resultando em uma subprodução relativa e temporária, e a manobras especulativas que utilizaram produtos como petróleo, soja, trigo e minerais para a recuperação financeira e como “refúgios de valor" temporário.

As condições internacionais favoráveis foram dissolvidas e a curva de crescimento regional tem se invertido. A crise já está aqui, e as forças dos Estados nacionais e a frágil base econômica do capitalismo local são totalmente impotentes contra ela.

Vulnerabilidade regional no mercado mundial

Durante a época de crescimento mesmo as maiores economias da região, como o Brasil e Argentina, se adaptaram para desempenhar um papel complementar nos esquemas de acumulação internacional controlados por centenas de empresas multinacionais e grandes bancos, que nas últimas décadas repousava sobre o papel dos EUA como a "locomotiva" e "comprador de última instância", papel exercido até o atual esgotamento em base ao seu sobre-endividamento, tornado possível graças ao papel do dólar como “moeda mundial”, nos complexos fluxos financeiros ( a Europa em terceiro lugar e o Japão, também desempenharam este papel embora um patamar inferior).

O papel sul-americano na presente situação pode ser descrito, em geral, como o de um fornecedor de matérias-primas e insumos industriais, de espaço de "recuperação financeira" para o capital internacional ansioso pela aplicação rápida e pelo atraente mercado (dada a dimensão do seu nada desprezível consumo doméstico, também em expansão nos últimos anos) para as multinacionais que procuram lucros mais elevados do que aqueles obtidos em países de origem.

Os bens de consumo produzidos a baixo custo no Leste da Ásia (China e Índia, principalmente), exigiam em sua fabricação um grande volume de matérias-primas e commodities produzidas em outras regiões da periferia, como a América Latina. A longa expansão nos últimos anos, exigindo uma maior produção por anos depois que o investimento na agricultura, mineração e energia foram deprimidos, levantou os preços das matérias-primas e do petróleo (o que também contribuiu para a especulação financeira), condução crescimento na América do Sul durante os últimos cinco anos.

Mas o destino final destas mercadorias são os EUA, e secundariamente a Europa e Japão, de modo que este desvio através dos circuitos internacionais de comércio e produção não pôde impedir a queda da procura e dos preços para os produtores sul-americanos. A crise deixa sem sustento essa inserção subordinada em um esquema que está entrando em pane, e ainda que os indicadores do PIB se mantenham positivos, esta dinâmica é insustentável e há dados que mostram a fragilidade estrutural do “modelo”, tais como as taxas de investimento que só atingiram o nível de 20% regionais.

Secam-se as fontes do crescimento

Com a queda dos preços das matérias-primas decompõe-se um dos pilares do recente ciclo de crescimento regional, que não é um elemento menor nem somente "de conjuntura", já que se está liquefazendo literalmente a fonte das rendas extraordinárias originadas nos hidrocarbonetos, na mineração e no agronegócio que foram motores do crescimento, e de atração de investimentos estrangeiros, engrossando os lucros capitalistas e as contas fiscais.

Certamente que desde o ano de 2002 havia mais que duplicado a média dos preços desses bens (sobretudo no caso do petróleo) e que as recentes quedas para muitos dos produtos exportáveis da América do Sul (petróleo, cobre, zinco, soja, etc.) não chegaram ao piso anterior. Contudo, em média, as matérias-primas perderam 40% do preço máximo alcançado (segundo o índice Reuters/Jefferies).

A soja, um motor da expansão do agronegócio no Mercosul (não apenas no Brasil e na Argentina, mas também no Paraguai e no Oriente boliviano), sofreu fortes quedas.
O cobre - que é historicamente a "fonte de renda do Chile"- caiu 23% em poucos meses, para apenas 1,51 dólares a libra. Também caíram o zinco e o estanho, importantes nas exportações peruanas e bolivianas. A produção brasileira de ferro tem suas projeções para o ano de 2009 em forte queda.

O petróleo venezuelano, depois de ter superado a barreira dos 100 dólares a menos de um ano, está cotado agora próximo dos 50 dólares e segundo alguns analistas, para sustentar a renda petroleira a níveis satisfatórios se deveria estabilizar o preço em 80 dólares o barril.

As commodites industriais como o aço e alguns produtos que muito exportados pelo Brasil e em menor medida a Argentina, também estão perdendo mercado e preços.

A queda da renda por exportações enfraquece os superávits comerciais que permitiram consolidar as contas fiscais, e volta a acrescentar o peso da cobrança da dívida externa e interna (que no último período alcançou grande importância), comprometendo o equilíbrio financeiro, fiscal e cambiário.

Das finanças e dos ramos de ponta ao conjunto da economia

Ao mesmo tempo começa a se reverter o fluxo de capital estrangeiro que em 2006 e 2007 havia alcançado os 100 bilhões de dólares na América Latina (concentrando no Brasil, México, Chile e Peru). Agora, frente aos altos riscos dos mercados regionais, o fim das expectativas de lucros extraordinários, e a necessidade de socorrer as matrizes com problemas, a imigração de capitais já alcança níveis de centenas de milhões de dólares, como no Brasil e na Argentina, apesar dos esforços governamentais.

Contraindo-se o crédito bancário, ficam com problemas as empresas que já estão cortando os planos de investimento e de produção, e se restringe o consumo das camadas médias que cumpriram um papel importante na recente expansão ampliando o mercado automotivo, outros bens de consumo e da construção, como no Brasil e na Argentina.

Isso já esta estendendo os efeitos da "crise dos automóveis" (que traz oscilações ás gigantes norte-americanas do ramo, como a General Motors) também no Brasil e na Argentina, com uma onda de demissões e "férias coletivas" nas grandes montadoras locais da General Motors, Fiat, Ford, Volkswagen e outras, com um "efeito dominó" sobre as subsidiárias e fábricas de peças que pode ser a ante-sala de uma forte redução da produção e demissões massivas.
Assim, a desaceleração se aprofunda e se estende a toda economia, ampliando seus efeitos aos setores ligados ao mercado interno. Em curto prazo, a diminuição de recursos afetará também os depósitos fiscais, diminuindo a capacidade estatal de honrar seus compromissos econômicos e sociais, e minando as tentativas de dedicar maiores recursos para atuarem como contratendências ao aprofundamento da crise.

No caso do Brasil este processo se soma ás perdas das grandes indústrias que lucravam na bolsa e na “roleta financeira” com seus altíssimos juros, e agora viram evaporar centenas de milhões de dólares, amplificando o efeito das fortes crises das bolsas e as depreciações cambiarias que se fizeram sentir em São Paulo, Buenos Aires e outros países.

Uma rápida "desaceleração"

Dessa maneira, a região passa do auge alentado pelo aumento das matérias-primas, a uma desaceleração mais ou menos brusca dependendo dos países, que a coloca ás portas de uma nova recessão.

Depois da desastrosa “década perdida” dos anos 80, o crescimento dos primeiros anos do neoliberalismo, abriu caminho ã severa recessão de 1997-2001, que incluiu sérios problemas para o Brasil (1998-99), uma aguda deterioração em outros países como a Venezuela e o Equador, e a imensa crise financeira da Argentina em 2001.

Em 2003 consolida-se a tendência ã recuperação, e posteriormente se desenvolve a fase ascendente no período de 2002-2007, motorizada pelo “boom” das matérias-primas e das commodites, e apoiada em uma recomposição parcial dos mercados internos, que permitiu índices notáveis de expansão- uma média de 2,2% em 2003, 6,1% em 2004, 4,5% em 2005, chegando em 2006 a 5,7% (dados do CEPAL) -, com “taxas asiáticas” em alguns países sul-americanos como a Venezuela, a Argentina e o Peru.

Já em meados de 2007, os sintomas do esgotamento do ciclo de crescimento eram evidentes apesar do otimismo obtuso das burguesias locais, seus governos e seus meios de comunicação.
Ainda que o ano de 2008 tenha acabado com índices positivos de crescimento, esses são inferiores aos esperados há alguns meses, e não podem ocultar que o ponto de inflexão descendente na curva já foi superado.

No Brasil as convulsões financeiras internacionais desferiram um duro golpe ã bolsa de São Paulo e ao real, e levaram ã retração do crédito, obrigando Lula a sair em ajuda dos bancos e empresas. Na Argentina, a retração se estende rapidamente e ficam definitivamente para trás as altas taxas de crescimento. No Chile, já em outubro os indicadores da mineração do cobre, da construção e da indústria apresentaram quedas e alguns prognósticos prevêem crescimentos de menos de 3% em 2009. Na Colômbia o crescimento esperado para o ano de 2008 já caiu um terço, para cerca de 3,5%.

É possível que os países mais voltados para o mercado externo e mais dependentes de poucas matérias-primas possam ser os mais expostos (como o Peru e o Chile, altamente dependentes das vendas de minerais), como também os que reuniram a exportação de cereais e oleaginosas com a produção para o mercado local dos setores com certo poder aquisitivo em base a um forte endividamento interno (como Brasil e Argentina).

Entretanto, como é possível que a queda dos preços no campo dos hidrocarbonetos não seja tão profunda (dada a relativa escassez de fontes de energia e a continuidade dos riscos no Oriente Médio), não se pode descartar que a Venezuela, a Bolívia e o Equador, tradicionais exportadores de hidrocarbonetos, se encontrem agora mais duramente afetados que outros.

De todas as formas, as perspectivas para o ano de 2009 são sombrias, de estancamento e recessão para o conjunto da região.

O peso da espoliação imperialista

O declínio econômico fará com que se volte a sentir em toda sua magnitude o brutal saque que os mecanismos de espoliação imperialista representam, como a subtração sistemática do “excedente”, através da dívida (externa), o controle das exportações e seus preços, as remessas de utilidades das filiais estrangeiras e a dependência dos mercados internos das transnacionais.

Por exemplo, só a dívida externa do Brasil ronda os 200 bilhões de dólares, com altos juros e uma pesada cobrança que se tornarão insustentáveis em uma recessão. No caso argentino, a dívida está acima dos 120 bilhões de dólares. O Chile deve 54 milhões de dólares e a Colômbia 44 bilhões de dólares. O total latino-americano é de 730 bilhões de dólares. Ao mesmo tempo multiplicou-se o endividamento interno, que beneficia em grande medida aos capitais estrangeiros atraídos pelos altos juros. O anúncio do Equador de questionar como “ilegítima” uma parte de sua dívida externa e suspender temporariamente o pagamento de seus juros - um default parcial - para depois renegociá-la, é uma primeira expressão disso.

Enquanto opera essa sucção gigantesca de recursos, tenderão a acontecer novas ondas de concentração e centralização do capital como parte das vias de saída ã crise. O poder dos bancos e monopólios estrangeiros se fará sentir com força multiplicada na disputa dos capitais mais fortes para sobreviver e prosperar ás custas dos setores mais débeis.

Apesar de que isso pode beneficiar também os grupos mais concentrados da grande burguesia local, é possível que algumas “translatinas” que se projetaram operando em escala internacional, como Techint-Tenaris na Argentina ou as grandes siderúrgicas, construtoras e empresas alimentícias brasileiras, além de certos grupos chilenos, se vejam em dificuldades e tenham atritos mais fortes com o grande capital estrangeiro. Se estas empresas cresceram se beneficiando do apoio estatal, agora com a crise recorrerão ã ajuda de “seus” governos para “socializar” as perdas.

O mecanismo tradicional de “limpeza” de capitais mais débeis e ineficientes se fará sentir com a ruína das camadas burguesas “não monopolistas”, médias e baixas que prosperaram nos últimos anos ao calor do crescimento dos setores exportadores e de ponta (autopeças, insumos para o agronegócio, etc.) e da recuperação do mercado interno (bens de consumo, construção, serviços), incluindo as pequenas e médias empresas que provêem uma importante cota de sustentação social aos regimes.

A hora do intervencionismo estatal

Nesse momento estamos frente uma nova situação na qual os alarmes de todos os problemas típicos das economias regionais voltam a soar: estancamento ou baixa da produção, investimentos reduzidos, restrição do crédito, déficit comerciais e de conta corrente, alto peso do endividamento, desajustes fiscais, sangria de capitais.

Frente a esse panorama, os métodos do neoliberalismo e das variantes neodesenvolvimentistas estão em bancarrota.

O neoliberalismo tardio de Uribe e Alan García, que se dinamizaram mediante os Tratados Livre Comércio (TLC) e uma maior entrega ao capital estrangeiro, se parece cada vez mais uma postergação que pode terminar em uma derrocada ao perder sustentação pela recessão norte-americana e pelo giro adverso da movimentação financeira.

Por outro lado, os governos “progressistas” já se vêem empurrados a um maior intervencionismo estatal, a recorrer a medidas de desvalorização e a pensar em regulamentações numa tentativa de, pelo menos, moderar a “desaceleração”, disponibilizando fundos públicos para a “salvação” bancária e empresarial e outras medidas para sustentar os grandes grupos capitalistas com problemas, assim como para reafirmar uma capacidade de mediação e arbitragem que começa a erodir.

No Brasil, Lula teve que sustentar o sistema bancário e as grandes empresas com problemas com mais de 50 bilhões de dólares, além de anunciar grandes investimentos em obras públicas, para o agronegócio, etc., enquanto o real se desvalorizou cerca de 40%. Ao mesmo tempo, procura manter os planos de assistencialismo, fundamentais para manter sua base social em um ano de eleições como o de 2009.

Cristina Fernández promoveu a “nacionalização” das cambaleantes Linhas Aéreas Argentinas e Austral, até agora nas mãos do grupo espanhol Marsans, e depois a reestatização do sistema de previdência, entregue em 1995 ás AFJP. Entretanto, não conseguiu conformar a burguesia com os repetidos anúncios “anti-crise” para amortecer a desaceleração na indústria e no agronegócio.

“Medidas de contingência” desse tipo não vão deter a crise, ainda que acabem beneficiando o grande capital estrangeiro e nacional que tem todos os meios para tirar proveito da ajuda e subvenções oficiais e para burlar suas regulamentações.

E assim, as políticas de desvalorização e inflacionárias defendidas pelos neodesenvolvimentistas são funcionais ás gigantescas operações de expropriação de salário e da renda populares em benefício do capital, sendo os mecanismos que operam na crise capitalista.

Por outro lado, o nacionalismo, que por trás de Chávez se posiciona em torno ã “Declaração de Caracas”, propondo também maior intervenção estatal, re-impulsionar a ALBA, criar o “sucre” como moeda única regional, fomentar o mercado interno, etc., tampouco pode oferecer uma saída de fundo ã crise. É uma variante nacionalista do neo-keynesianismo. Quando muito, podem oferecer limitados paliativos cujos beneficiários serão distintos grupos burgueses, mas cujo custo se reparte em ultima instância entre toda a população, e que não evitarão que a inflação (que é alimentada por essas políticas oficiais, mesmo que em algum momento possa começar a predominar o mecanismo de deflação, variante ã qual parece tender a economia mundial), a carestia de vida, a deterioração dos salários e a perda de postos de trabalho corroam a economia operária e popular.

É uma ilusão supor (como por exemplo, o faz o economista argentino Aldo Ferrer), que com medidas regulatórias e intervenção estatal se irá “por um fim a essa crise” e “resgatar o sistema” mediante uma “nova ordem com mais controle que evitará que a história volte a se repetir”. A ressurreição do keynesianismo e das velhas propostas da CEPAL que alguns esperam, dificilmente seriam uma solução frente ás dimensões da crise internacional e dos problemas de fundo do capitalismo semicolonial latino-americano - como já mostraram nas mais diversas variantes por mais de meio século.

4. Desestabilização política e crises nacionais

A crise econômica está diluindo rapidamente a relativa estabilidade política que primou nos últimos anos ao calor das ilusões nos governos nacionalistas, de centro-esquerda e do crescimento. Tensões políticas profundas começam a afetar governos que a um ano ou menos apareciam fortes e apoiados em uma alta popularidade, e corroem as próprias bases dos regimes, o que se manifesta nas tendências ã abertura ou no recrudescimento de crises nacionais que haviam sido “reabsorvidas” ou se encontravam em estado “latente”.

É a “hora ruim dos conservadores”. O rumo da crise já constitui um duro golpe para os governos mais pró-imperialistas, que vinham alinhados com os Estados Unidos, podendo converter-se em focos de instabilidade no próximo período: Colômbia, onde naufraga o plano uribista de uma segunda reeleição, em meio ás fissuras abertas pela “narco-política”, o escândalo das “pirâmides financeiras”, enquanto parece começar a mudar o clima com algumas lutas operárias, camponesas e populares importantes; e o Peru, onde García está imerso em uma rápida deterioração, com escândalos de corrupção e uma crescente resistência operária, campesina e popular.

O progressismo entra com o passo trocado na crise e vários governos “pós-neoliberais” enfrentam dificuldades econômicas e políticas que podem acelerar o desgaste. No Brasil, Lula se beneficiou do crescimento recente com uma alta popularidade, mas a mudança de cenário, em vésperas de ano eleitoral, começa a corroer seu capital político. No Chile, a “socialista” Bachelet teve que enfrentar importantes lutas dos trabalhadores e estudantes e enfrenta sintomas de desgaste e divisão na própria Concertacíon. Na Argentina, a rápida debilitação do kirchnerismo (que vem pagando altos custos políticos desde a crise agrária de meados do ano) no começo de uma nova crise nacional, pode também ser potencializada quando se aproxima uma renovação parlamentar que será um importante teste político.

Evidenciam-se os limites do nacionalismo

O pólo que representado por Chávez e Evo Morales teve no ano de 2007 um ponto de inflexão em suas tentativas de conciliar com o conjunto da classe dominante, o que mostra suas debilidades estratégicas. Na Venezuela, desde a derrota do referendo constitucional do final de 2006, Chávez iniciou um caminho ã “moderação”, buscando compromissos com a burguesia e suavizar suas relações com o imperialismo, do qual um gesto eloqüente foi o abraço com Uribe depois da crise do assassinato de Reyes, enquanto que as últimas eleições municipais mostram uma erosão de seu peso eleitoral nas grandes cidades que marca o limite e o começo da deterioração do chavismo. Na Bolívia, o longo confronto com a direita se resolveu, depois do fracasso do enfrentamento autonomista de setembro, com um pacto congressual selado com setores do neoliberal PODEMOS, o MNR e a Unidad Nacional, para viabilizar o processo de aprovação da nova Constituição ás custas de enormes concessões ás oligarquias regionais, aos proprietários de terra e ao empresariado, que implicam no “congelamento” constitucional da reforma agrária e na redução da retórica em torno de muitas das demandas históricas dos povos originários. No Equador, depois da aprovação da nova Constituição e do fortalecimento de Correa, há uma fase de forcejo com as petroleiras, a burguesia guayaquilenha e os governos vizinhos, como o da Colômbia e do Brasil, e uma moratória de juros da dívida externa, ainda que os limites sejam semelhantes aos que já mostraram Chávez e Evo.

Na ladeira da recessão perdem “sustentabilidade” as políticas de compromisso social e contenção, enquanto se aprofundam as discussões interburguesas, e a classe dominante exige aos governos “populares” a aplicação dos planos de acordo com suas necessidades frente ás sombrias perspectivas econômicas, tudo o que derruba a capacidade de mediação e arbitragem dos governos, do qual é um exemplo o desgaste do segundo governo “K” na Argentina.

No final das contas, a deterioração econômica retira as bases financeiras para suas políticas de conciliação de classes, debilitando as ilusões populares e a base social dos governos que já cumpriram muitos anos de gestão, obrigando-os a administrar a crise segundo os interesses gerais ameaçados da burguesia.

Frente a isso, a primeira resposta parece ser tentar manter o precário equilíbrio enquanto vão ã direita, adaptando-se ã pressão burguesa.

Estes governos podem se orientar a um maior intervencionismo estatal e medidas pragmáticas, enquanto fazem maiores concessões aos capitalistas e se endurecem contra as mobilizações e demandas operárias e populares, tratando de reter a base social revestindo de demagogia medidas como a nacionalização do sistema previdenciário na Argentina ou o anúncio de planos de emprego no Chile. A melhor hora dos pós-neoliberais ficou pra trás, e estes se verão obrigados a administrar a crise deixando cair sobre os trabalhadores e o povo a maior parte de seus custos.

Das promessas democráticas e da erosão das democracias semicoloniais

Os governos de centro-esquerda se apoiaram nas aspirações e ilusões das massas para prometer uma “democratização” com os Lula, Kirchner, Tabaré ou Lugo.

Agora, pelo contrário, a exacerbação das contradições econômicas, sociais e políticas põe uma interrogação sobre o futuro das “democracias degradadas” semicoloniais, ou seja, sobre os regimes de domínio burguês edificados com base nas derrotas dos anos 70 e 80 e na ofensiva imperialista, e que sob os governos pós-neoliberais tiveram só recompensas parciais e “lavadas de cara”.

Mas a crise afeta também os novos regimes da República Bolivariana da Venezuela e da “descolonização” por via constitucional na Bolívia, elaborados como resposta ás profundas crises nacionais e movimentos de massas dos últimos anos, golpeando sua estabilização e gerando tensões que as medidas do “constitucionalismo social” e o fortalecimento do Estado não podem absorver completamente.

Se a crise se desenvolve, os mecanismos da “democracia representativa” não poderão regular as profundas contradições e conter as forças sociais em movimento. Frente ás previsíveis “brechas nas alturas” e “curtos-circuitos” políticos, emergirão novos projetos ã direita e ã esquerda. A aparição de uma direita militante dos setores privilegiados, como dos setores burgueses que reivindicam autonomia no Oriente boliviano (com seus grupos de choque fascistizantes) ou no “movimento da soja” argentino, que tem antecedentes nos “esquálidos” da Venezuela, é um alerta que não deve ser desprezado mesmo que hoje estejam de “cabeça baixa”, pois ainda não é o momento das “soluções extremas”.

No cenário político regional aparecerão tendências políticas como resposta ã desestabilização e ã crise da dominação burguesa. Entre elas, tentativas bonapartistas de distintas formas (abertamente reacionários ou talvez novos nacionalismos) para arbitrar apoiando-se na burocracia estatal e nas forças armadas, e frentes-populares caso as massas intervenham.

5. Polarização social e luta de classes

Na rede de fenômenos econômicos e políticos que acarretam o desenvolvimento da crise está o aprofundamento de todos os antagonismos de classe, entre as classes e no interior das mesmas. Um novo ciclo de enorme polarização que impactará a “crise social” existente, amenizada até certo ponto pelos anos de crescimento, mas que com a “desaceleração” tende a se agravar de forma explosiva (basta dizer que no subcontinente existem mais de 200 milhões de pobres), junto aos altíssimos níveis de exploração operária que o proletariado já tolera e ao qual se integra o desemprego, que no final do ciclo de crescimento tem um nível de 8,5% (OIT, 2008).

A relativa unidade da burguesa que primou enquanto o crescimento dava para todos e os governos pós-neoliberais pareciam ser um custo aceitável, racha-se. Isto se traduz em violentas lutas entre as distintas frações do capital em torno ás repostas econômicas e políticas da crise. Todos os exploradores, dos maiores aos menores, coincidiram na demissão de trabalhadores e no aumento da exploração. Ao mesmo tempo, as transnacionais e os credores estrangeiros, e os grupos de uma relativamente poderosa burguesia local, procuraram se impor ás camadas da burguesia e aos latifundiários “não monopolistas”, empurrando ã quebra as alas mais débeis da média e pequena burguesia que prosperaram como fungos nos anos de crescimento. Novos partidos de “industriais” e “agrários”, de e “financistas” tomaram forma, iniciando novos fenômenos políticos e tentando arrastar as camadas populares atrás de seus interesses de classe.

A pequena burguesia se fragmentará sob o impacto da polarização social, enquanto as camadas superiores defenderão com furor seus privilégios; setores médios oscilarão entre o conservadorismo e o protesto; e amplas camadas empobrecidas serão empurradas ã bancarrota, entrando em contradição com os governos e planos da burguesia. Isto, que estrategicamente golpeará a base social da democracia burguesa, pode dar origem a fenômenos opostos, que vão desde guinadas ao fascismo por um lado, ao surgimento de um novo movimento estudantil progressivo por outro. Neste sentido, podem ser sintomas antecipatórios tanto as mobilizações do último período no Chile, na Colômbia, como as atuais na Europa–Itália, Grécia, Espanha—.

No momento de agravamento das penúrias para as camadas populares, oprimidas e exploradas do campo e da cidade pode desencadear novos processos de mobilização camponesa, dos povos indígenas, desempregados e outros setores. Se na primeira década do século a luta destes setores demonstrou suas enormes possibilidades e capacidade de mobilização, agora a intervenção destes aliados estratégicos do proletariado pode confluir com um salto na intervenção deste, com melhores possibilidades estratégicas apara avançar rumo ã aliança operária, popular e camponesa.

A fluidez das relações sociais e o realinhamento de classe que a crise promoverá desestabilizará as “alianças reformistas” sobre a qual o “progressismo” e o “nacionalismo” se sustentam, tanto como aos blocos conservadores. O agravamento da situação das massas acabará colocando, mais cedo do que tarde, enormes forças sociais em movimento e alentará uma diferenciação política maior. O problema crucial é o proletariado e sua dinâmica diante do impacto da crise.

6. A classe trabalhadora frente ã crise

Como demonstram os recentes acontecimentos no Brasil e na Argentina, as patronais já iniciaram um plano de ataque aos trabalhadores, com as suspensões, demissões, “férias coletivas” e pressões sobre o salários (muitas vezes negociados com a burocracia) ao mesmo tempo em que se endurecem contra as movimentações dos trabalhadores, especialmente diante das lutas operária mais avançadas. Os ataques começaram nos setores de ponta, e se estão se estendendo para o resto da economia com o aumento do desemprego, e afetando primeiro as camadas mais precarizadas.

Estes ataques avançam tanto no sentido de ajustar os planos em relação ã baixa nos negócios, como para semear o terreno e aterrorizar os assalariados com a ameaça do desemprego. São uma mostra da ofensiva que terá de se aprofundar, pois o “recurso” dos empresários diante da crise será essencialmente expulsar a força de trabalho “restante” e impor novos níveis de exploração operária.

É possível que com o peso da burocracia, as ilusões nos governos progressistas, a falta de experiência e de preparação em geral do movimento operário para enfrentar uma ofensiva como esta, facilitem com que alguns destes ataques passem sem uma resistência ferrenha, e que haja derrotas como pode acontecer, por exemplo, nos setores mais precarizados e desorganizados da classe operária, abandonados ã sua sorte pelas centrais sindicais.

No entanto, a classe operária na maioria dos países da região parece estar em melhores condições relativas para resistir, tanto do ponto de vista objetivo quanto subjetivo.
Em seu conjunto, o proletariado sul-americano viveu nos últimos anos um processo de fortalecimento social objetivo, como subproduto da fase ascendente do ciclo econômico. Apesar da super-exploração, da precarização do trabalho e o despotismo empresarial, o fato de que milhões hajam retornado ás fábricas, aos setores de serviços e transportes tonifica as forças operárias.

A classe trabalhadora sul-americana está no começo de um processo de recomposição que vêm alentando a recuperação da confiança entre os trabalhadores, e que gera alguns fenômenos de mobilização e reorganização. No marco do recente crescimento econômico e das expectativas nos governos “pós-neoliberais” e nacionalistas, este processo vem se desencadeando de forma “possibilista” e sindicalista, ã sombra dos projetos de conciliação de classes e sem ultrapassar as burocracias sindicais, ainda que tenham se expressado em processos de organização sindical, como entre os mineiros terceirizados no Chile e no Peru, e processos de lutas fabris ou setoriais por salário que se combinam com o enfrentamento ã burocracia sindical, como na Argentina (onde uma extensa camada de ativistas surgiu) ou no Brasil, com o fenômeno de reagrupamento anti-governista que se formou nos últimos anos, a CONLUTAS.

Este período também foi acompanhado de experiências de vanguarda, minoritárias porém, sintomaticamente importantes, das quais as tendências ao controle operário tiveram papel importante (como a persistente luta de Zanon na Argentina, os petroleiros na resistência ao lockout de 2002, em Sanitários Maracay e outras na Venezuela, os mineiros de Huanuni na Bolívia), precedentes que marcam um novo “acúmulo” de experiência nas camadas avançadas que poderão adquirir um novo valor frente ás ameaças que a crise representa para os trabalhadores. Durante 2008 aconteceram vários processos de mobilização nos quais a classe trabalhadora demonstrou maior disposição de luta.

No Uruguai ocorreu a primeira paralisação geral sob o governo da Frente Ampla, convocada pela PIT-CNT em 20 de agosto de 2008. Na Colômbia em 23 de outubro de 2008, ocorreu uma paralisação de vinte e quatro horas ã qual meio milhão de trabalhadores estatais aderiram, além de uma longa greve na qual dezoito mil trabalhadores do açúcar aderiram, além de protestos indígenas e outras mobilizações. Na Venezuela ocorre um processo de luas por demandas operárias na indústria, sendo a re-nacionalização da Sidor uma vitória importante. Na Bolívia se presenciam processos moleculares de reorganização sindical e os mineiros de Huanuni protagonizaram mais uma vez mobilizações combativas. Na Argentina, 2008 foi um ano de lutas salariais e anti-burocráticas em vários setores industriais, protestos de docentes e outros setores, apesar de algumas derrotas e de uma ofensiva contra a vanguarda.

No último trimestre do ano, como já havíamos mencionado, a classe operária não conseguiu dar respostas ás primeiras expressões da crise. Evidenciamos isto no Brasil (onde aumentou o número de demissões, férias coletivas e outras medidas, como na automotrizes e setor de auto-peças, do aço e outras, mas prima a passividade imposta pelos acordos entre a patronal e a burocracia para fazer com que os trabalhadores “aceitem os sacrifícios necessários”). No entanto na Argentina - onde vem ocorrendo um processo similar e a burocracia da CGT coloca sua mão - houveram focos de resistência e algumas ações como a jornada de luta em várias automotrizes em Córdoba, a paralisação em defesa do corpo de delegados do metrô de Buenos Aires ou a luta dos trabalhadores da Paraná Metal contra o fechamento. Tratando-se dos dois maiores e mais industrializados países da América do Sul, e com os maiores proletariados, pode ser um sintoma de como se apresentará a difícil conjuntura nos próximos meses, e é impossível prever em que ponto os trabalhadores ficariam “imobilizados” ou se produzirá uma maior resistência. As recentes lutas operárias na Europa e EUA, como a greve geral na Grécia, as mobilizações de trabalhadores e estudantes em outros países, como Espanha e Itália, e a repercussão alcançada pela ocupação de pequenas empresas nos EUA e Alemanha poderão antecipar um maior despertar da classe operária internacional, e seu “contágio” ã América do Sul?

Perspectivas do proletariado sul-americano

Por enquanto, por mais que seja possível que o movimento operário sofra derrotas e passe ainda por fases de refluxo, a crise abre um novo panorama, no qual as ilusões de melhora gradual alimentadas pelos governos “pós-neoliberais” e as políticas que contiveram a ação da classe trabalhadora durante estes últimos anos, serão liquidadas. A “declaração de guerra” do capital aos assalariados, com o agravamento da exploração e o desemprego, quebrará a rotina das relações cotidianas entre explorados e exploradores nos locais de produção e no conjunto da sociedade, empurrando mais cedo ou mais tarde ã resistência operária, e minando as ideologias de colaboração entre o capital e o trabalho.

Mas este processo também fará emergir as contradições entre as necessidades do movimento operário - principalmente de suas novas camadas mais concentradas, exploradas e precarizadas - e as organizações tradicionais da classe, que apenas organizam uma minoria dos trabalhadores e estão controladas por uma burocracia sindical cuja integração ao Estado e superestruturalização se acentuaram com o pós-neoliberalismo. No entanto, a debilidade estratégica dos grandes aparatos burocráticos os dificultará a controlar e mediar o surgimento de novos processos de reorganização operária.

Uma nova fase superior de recomposição do proletariado sul-americano poderá ser gestada na medida em que a classe operária se ponha em movimento, através da difícil escola de greves e mobilizações, e no enfrentamento com a patronal, seus governos e seus agentes burocráticos, poderá unir suas fileiras e ganhar centralidade na luta de classes. Ou seja, no próximo período as condições para um novo auge operário e de massas podem estar dadas.

Neste caminho, os trabalhadores, ainda que tenham que começar em desvantagem, fruto das seqüelas das derrotas do ascenso dos 1970 e da ofensiva neoliberal, podem se fazer valer da experiência da última década de grandes lutas de massas e levantamentos na região - do Equador e Venezuela ã Bolívia e Argentina. Poderão aproveitar as lições das crises anteriores, pois a recessão e a demissão em massa do final dos anos 90 estão frescas na memória de gerações, além da tonificação recente das próprias forças e das experiências avançadas, ainda que minoritárias da fase do ascenso pós 2000 (como Zanon na Argentina, Huanuni na Bolívia e Sidor na Venezuela). Mas podem também começar a recuperar os fios de continuidade e a “memória” do grande ascenso dos anos 70 que colocou o proletariado no centro da cena no Uruguai, Bolívia, Chile ou Argentina, dando maior explosividade ás lutas e abrindo novas possibilidades de radicalização da vanguarda nos métodos, programa e consciência.

Por um novo movimento operário

Nesta perspectiva, frente ã crise tornam-se ainda mais nefastas que nunca as políticas burocráticas e reformistas de “colaboração entre capital e trabalho” em nome da “defesa da produção e do emprego”, e a limitação das lutas dos trabalhadores apenas em torno de demandas mínimas isoladas, quando toda luta séria tende a questionar a ordem e a propriedade privada e se elevar ao terreno político. No calor de seus futuros combates, o proletariado deverá renovar suas organizações, seu programa e seus métodos, para conseguir dar uma resposta ã altura da crise e dos ataques do capital e seus governos, articulando a luta anti-patronal, anti-estatal e anti-burocrática no desenvolvimento de um novo movimento operário.

7. Umbrais de uma nova etapa

Na medida em que as condições objetivamente pré-revolucionárias se estendam, torna-se mais difícil que os governos e as classes dominantes consolidem as tentativas para impedir uma maior desestabilização, como observamos nas conjunturas dos últimos meses. A tendência que parece primar, ao contrário, é abertura de crises nacionais de magnitude. Como tentamos analisar nas teses precedentes, a crise mina aceleradamente o precário equilíbrio prévio e tende a atualizar em nossa região as características fundamentais da época do declínio capitalista como “época de crises, guerras e revoluções”. Nesta nova fase de crise histórica, ou de crise geral (outro conceito que Lênin utiliza), pode se gestar um salto a um novo e superior nível do ciclo ascendente da luta de classes que se iniciou com a mudança de século na região.

Em uma primeira fase, os primeiros anos do século mostraram a América do Sul como uma região avançada na luta de classes, com levantamentos, insurreições, estouros de guerras civis, processos ricos de luta de massas e convulsões políticas que derrubaram vários governos (como no Equador, Bolívia ou Argentina), impediram golpes contra-revolucionários (como na Venezuela), ainda que não tenham conseguido se transformar em revoluções abertas e nem tenham contado com um papel central do proletariado que lhes pudesse dar uma perspectiva superior. Na segunda fase, os desvios com as substituições “pós-neoliberais”, apontados pelas mediações reformistas, contiveram o processo, mas não significaram uma reversão total das relações de força mais gerais, nem tampouco uma reversão duradoura e consciente do domínio burguês. O auge econômico ajudou a amenizar a situação, mas não permitiu uma absorção das enormes contradições acumuladas.

A possibilidade de que nos próximos anos ingressemos em uma nova fase de tendências revolucionárias está colocada, em que a continuidade se retome com os ensaios gerais do começo do século e que ressurjam as tendências ã ação direta das massas. Enquanto os contornos de uma nova etapa tomam forma, é possível pensar como marco e horizonte estratégico, na possibilidade de que no final do caminho de enfrentamentos entre revolução e contra-revolução um ou vários países da região cheguem a ter o papel de uma Rússia do século XXI.

As crises também ensinam

Podemos dizer que ao mesmo tempo em que as crises colocam na ordem do dia a maturidade das condições objetivamente pré-revolucionárias ou revolucionárias, o terreno para que a subjetividade das massas se transforme é favorecido. Suas duras lições, os sofrimentos multiplicados que são causados ás massas populares, revelam o verdadeiro rosto do capital e de seus regimes, e podem impulsionar a busca por uma nova saída, em que as massas amplas lutem e reflitam. Podemos precisar melhor: a crise ensina apenas com a condição de as classes exploradas e oprimidas se colocarem em movimento. Para isto podem contribuir:

• A “crise ideológica” burguesa, com o desmoronamento do neoliberalismo, diante da qual também estarão comprometidas as ideologias populistas, reformistas e intermediárias, que pregavam a “humanização” ou “regulação” do capital com suas variantes autóctones como o “socialismo do século XXI” chavista ou a “revolução descolonizadora e o capitalismo andino” na Bolívia, enquanto os espaços para as idéias marxistas se ampliam.

• Uma importante experiência política dos setores avançados com os governos nacionalistas e de centro-esquerda e o compromisso da esquerda reformista e da burocracia sindical com os mesmos. “E onde está a esquerda?” é a pergunta feita numa nota do Le Monde Diplomatique, pedindo respostas ã crise que não signifiquem recair nos “pecados” socialistas e revolucionários. Mas esquece de dizer que a “esquerda” ã que se refere, isto é, a centro-esquerda e os “sindicalistas”, ou seja, a burocracia, estão em sua ampla maioria compartilhando a administração do Estado semicolonial a partir dos governos pós-neoliberais, ou apontando a esses mesmo governos o que comprometerá a aplicação dos planos “anti-crise”, debilitando-os para controlar a resistência operária e popular.

• A possibilidade de novos avanços no processo de recomposição subjetiva do proletariado, através das batalhas do próximo período na qual a classe operária tenha um perfil mais de sujeito social e politicamente diferenciado.

8. Oportunidades históricas para a construção revolucionária

A crise não apenas exporá o nacionalismo e o reformismo, presentes na administração dos Estados semicoloniais e seus aliados ou semi-aliados stalinistas e maoístas, como também demonstrará a inconsistência das estratégias autonomistas/zapatistas e suas variantes, impotentes para dar uma resposta eficaz diante dos acontecimentos que se avizinham, abrindo novas possibilidades para que o programa e as ideias marxistas comecem a se encaixar com setores da vanguarda.

Torna-se urgente a necessidade de rearmar e reagrupar os trabalhadores avançados com um programa, uma estratégia e uma organização ã altura dos combates que se aproximam.

É preciso impulsionar a que as organizações sindicais e de massas assumam um programa de ação dos trabalhadores que parta de responder ao ataque dos capitalistas e seus governos e ã catástrofe que nos ameaça; que tome para si as grandes tarefas democráticas e nacionais (como a questão agrária e a libertação nacional); articulando-as em um plano operário e popular para colocar um fim na anarquia capitalista e reorganizar a economia em função das necessidades populares instituindo a propriedade coletiva dos meios de produção. Estas tarefas só podem ser integralmente resolvidas por um poder dos trabalhadores apoiado na aliança com o campesinato e o povo pobre. Isto significa conquistar por via revolucionária Estados operários que, se unindo em uma Federação de Repúblicas Socialistas da América Latina, iniciem a construção do socialismo, uma alternativa ã barbárie da decadência capitalista.

A luta por um programa de caráter transnacional, para que a classe trabalhadora possa unir suas fileiras e agrupar a seu redor as massas pobres do campo e da cidade, é inseparável da agitação pela organização política independente da classe trabalhadora contra os distintos projetos de colaboração de classe com a burguesia “nacional” ou “democrática”, e isso requer impulsionar as formas táticas apropriadas a cada situação nacional (como pode ser na Bolívia impulsionar o Instrumento Político dos Trabalhadores baseado nos sindicatos).

É vital impulsionar conseqüentemente uma estratégia soviética para a auto-organização e auto-mobilização operária e de massas, que potencialize as tendências espontâneas ã ação direta das massas; impulsione o enfrentamento ao despotismo capitalista nos locais de trabalho (luta que pode levar ao controle operário da produção e aos comitês de fábrica e outras formas organizativas) e desenvolva a frente-única de massas para a mobilização, a caminho dos conselhos ou soviets da revolução latino-americana (recuperando a tradição dos anos 70, de coordenações fabris, cordões industriais e assembléias populares).

Apenas conquistando sua mais ampla independência em relação ã ordem burguesa é que a classe operária poderá disputar a hegemonia no seio das massas e dar uma saída de fundo ã crise. Apenas ela conseguirá levantar um programa e uma direção para fazer triunfar a aliança com os oprimidos e explorados da cidade e do campo: as centenas de milhões de camponeses, indígenas, semi-proletários urbanos e camadas médias empobrecidas, que serão levados a ruína e fome em toda a região.

Por partidos revolucionários, seções da Quarta Internacional

Os próximos anos geraram oportunidades renovadas para encarar a necessidade estratégica de uma nova direção revolucionária para o movimento operário e de massas, tornando-se crucial a construção de partidos revolucionários enraizados na classe trabalhadora, armados com uma estratégia fundada no proletariado, organizações de combate (de tipo leninista, fundindo a vanguarda operária e o programa marxista), e internacionalistas, o que para os trotskistas da FT-QI significa desenvolver o combate ideológico, programático, político e prático para colocar em pé as seções latino-americanas de uma Quarta Internacional reconstruída como o partido mundial da revolução socialista.

As experiências da luta de classes irão destacando as camadas cada vez mais amplas de trabalhadores avançados, radicalizando a vanguarda operária e juvenil e proporcionarão maiores pontos de apoio para as ideias e a política socialista.

Porém, um reagrupamento revolucionário não se dará de forma espontânea nem pelo simples crescimento evolutivo de nenhuma das ainda muito pequenas correntes existentes que se proclamam operárias e socialistas.

É necessário reforçar o combate contra as tendências nacionalistas e reformistas, incluindo os restos do stalinismo, e construir um pólo que internacional e nacionalmente atraia aos milhares de lutadores que procuram um programa e uma estratégia para triunfar, e que apenas o legado da Quarta Internacional representa hoje.

Enquanto uma parte do movimento trotskista despencou formando parte de governos burgueses como o de Lula (SU) ou capitulando a Chávez e Evo Morales (UIT, El Militantes, etc.); outras correntes (como o PSTU, LIT-CI, e PO-CRCI) vêm resistindo ás piores pressões ã colaboração de classe e em alguns países da região ocupam um lugar na vanguarda. Neste marco nos orgulhamos que a FT-QI e suas organizações tenham avançado no calor das lutas dos últimos anos, não apenas na Argentina, onde o PTS está ganhando um lugar destacado na vanguarda operária, mas também onde nossas modestas forças, em alguns casos iniciais, estão se construindo em um combate principista como na Bolivia, Chile, Brasil ou Venezuela, assim como no México e Costa Rica.

No entanto, as perspectivas colocam desafios maiores: avançar pela reconstrução da Quarta Internacional e seus partidos. Fazemos um chamado ã LIT-CI e ã CRCI, e outras correntes que se proclamam da classe operária e do socialismo a abrir a discussão. Sem necessidade de abrir mão das diferenças que mantemos e que podemos e devemos seguir debatendo, é imprescindível somar forças neste combate, discutindo as bases de um programa transicional e impulsionando iniciativas comuns para intervir na luta de classes e no reagrupamento da vanguarda.

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